A fantasia é o recurso que permite à criança transportar o universo dos adultos ao seu mundo
Rio - Todos nós já vimos uma menina dar mamadeira à boneca, embora ela saiba
que bonecas não mamam, assim como meninos conversarem com cães como se estes
fossem capazes de responder. A fantasia é o recurso que permite à criança
transportar o universo dos adultos ao seu mundo e, ao mesmo tempo, é o
complemento da sabedoria infantil.
Exaurir a infância de tudo que ela tem de próprio, como atividades lúdicas,
brincar de roda e de esconde-esconde, e enturmar-se com os amiguinhos é
essencial para o futuro saudável do adulto. Hoje em dia essa exigência se torna
mais difícil. A rua é lugar perigoso. Crianças ficam confinadas em apartamentos,
entregues a jogos eletrônicos, TV e internet.
A diferença com as gerações passadas é que, agora, o protagonista da fantasia
não é a criança. É a animação do desenho virtual, como se a tecnologia
‘soubesse’ por ela. A criança mera espectadora. A fantasia não brota dela,
resulta do aplicativo ou do desenho animado ou do filme projetado na TV e na
internet.
O que esperar de um adulto que, quando criança, divertia-se com a violência
virtual e passava horas praticando assassinatos via bonequinhos eletrônicos? E
de uma menina que, aos 4 ou 5 anos, se maquia, fala e manifesta desejos de
adulta? A puberdade, momento crítico para todos nós, é mais angustiante para
essa geração que não esgotou seu potencial de fantasias. O medo do real é mais
acentuado, assim como a dependência familiar, que mantém jovens de 25 e 30 anos
ao abrigo do lar paterno. Essa insegurança torna-o vulnerável às drogas.
Preocupam-me também as crianças robotizadas que cumprem, além da escola,
agendas apertadíssimas, com aulas de idiomas, natação etc, sem tempo para
brincar com outras crianças e, assim, se educar nos códigos da
sociabilidade.
Escritor, autor de ‘Alfabetto – autobiografia escolar’
(Ática)
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