Não creio que a gente ande tão ruim de português por causa das redes sociais,
dos torpedos no celular. Essa reclamação tem cheiro de mofo.
O interessante é que, embora digam que se lê pouco, as editoras vendem mais
que nunca, bienais e feiras ficam lotadas, e mesmo assim não conseguimos nos
expressar direito, nem oralmente nem por escrito. Se lemos mais, por que
escrevemos e falamos mal?
Penso que, coisas verificadas há trinta anos em meus tempos de professora
universitária, andamos com problema de raciocínio. Não aprendemos a pensar,
observar, argumentar (qualquer esforço maior foi banido de muitas escolas),
portanto não sabemos organizar nosso pensamento, muito menos expressá-lo por
escrito ou mesmo falando. "Eu sei, mas não sei dizer", "Eu sei, mas não consigo
escrever isso"" são frases ouvidas há muito tempo, tempo demais.
A exigência aos alunos baixou de nível assustadoramente, e com isso o ensino
entrou em queda vertiginosa. Tudo deve parecer brincadeira. Na infância, ensinam
a chamar as professoras de tias, coisa com que, pouco simpática, sempre
impliquei: tias são parentes. Professoras, ou o carinhoso profes, ou pros, são
pessoas que estão ali para cuidar, sim, mas também para educar já os bem
pequenos. Modos à mesa, civilidade, dividir brinquedos, não morder nem bater,
socializar-se enfim da maneira menos selvagem possível.
Depois, sim, devem educar e ensinar. Sala de aula é para trabalhar: pátio é
para brincar. Não precisa ser sacrifício, mas dar uma sensação de coisa séria,
produtiva e boa.
Por alguma razão, lá pela década de 60 inventamos — melhor: importamos — a
ideia de que ensinar 6 antipático e aprender, ou estudar, é crueldade infligida
pelos adultos. Tabuada, nem pensar. Ortografia, longe de nós. Notas, abolidas:
agora só os vagos conceitos. Reprovação seria o anátema. É preciso esforçar-se,
e caprichar, para ser reprovado.
Resultado: alunos saindo do ensino médio para a faculdade sem saber redigir
uma página ou parágrafo coerente e em boa ortografia em seu próprio idioma!
O acesso à universidade, devido a esse baixo nível do ensino médio,
reduziu-se a um facilitaris-mo assustador. Hordas de jovens entram na
universidade sem o menor preparo. São os futuros bacharéis que não vão passar no
exame da Ordem. Na medicina e na engenharia, o resultado pode ser catastrófico:
ali se lida com vidas e construções. Em lugar de querer melhorar o nível desse
ensino, cogita-se abolir o exame da Ordem. Outras providências desse tipo virão
depois. Em vez de elevarmos o nível do ensino básico, vamos adotar o método da
não reprovação. Em lugar de exigirmos mais no ensino médio, vamos deixar todos à
vontade. pois com tantas cotas e outros recursos vão ingressar na universidade
de qualquer jeito.
Além do ensino e do aprendizado, facilitamos incrivelmente as coisas no nível
da educação, isto é. comportamento, compostura, postura, respeito,
civilidade.
Alunos comem, jogam no celular, conversam, riem na sala de aula — na presença
do professor que tenta exercer sua dura profissão — como se estivessem no bar.
Tente o professor impor autoridade, e possivelmente ele. não o aluno malcriado.
será chamado pela direção e admoestado. Caso tenha sido mais severo, quem sabe
será processado pelos pais.
Não estou inventando: nesta coluna não escreve a ficcionista, mas a
observadora da realidade.
A continuar esse processo antieducação, e nos altos escalões o desfile de
péssimos exemplos, impunidades, negociatas e deboches — além do desastroso
resultado do julgamento do mensalão, apesar de firulas jurídicas —, teremos
problemas bem interessantes nos próximos anos em matéria de dignidade e
honradez. Pois tudo isso contamina o sentimento do povo. que somos todos nós, e
pior: desanima os jovens que precisam de liderança positiva.
Resta buscar ânimo em outras pastagens, para não desistir de ser um cidadão
produtivo e decente.
Lya Luft - REVISTA VEJA
Compartilho a preocupação com os rumos da educação no Brasil. Além da valorização do profissional, políticas públicas adequadas à realidade, precisamos de resgatar a parceria das famílias com a escola. Marlene
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