O frasco com comprimidos azuis está sempre no caminho do auxiliar de enfermagem Fábio Paulo Santana, de 40 anos. Ele coloca a embalagem em cima de um aparador, na sala de jantar de sua casa, no Rio de Janeiro. É a garantia de que avistará o remédio quando passar por ali antes de sair. Ou quando se sentar para fazer as refeições. Mesmo que seus artifícios falhem, ele conta com outro tipo de ajuda: sua empregada e a avó, de 95 anos, são sua memória substituta. Como também tomam remédios, ajudam a lembrar quando chegou a hora do medicamento de Santana.
Tamanha preocupação tem bom motivo. Santana é um dos primeiros brasileiros a usar uma droga que impede a contaminação pelo vírus HIV, o causador da aids. Quando ingerida diariamente por pessoas que não estão contaminadas, ela reduz as chances de que o vírus consiga invadir as células de defesa e infectar o organismo. O novo método de prevenção é considerado um dos maiores avanços na luta contra a epidemia. “O remédio me dá segurança adicional”, afirma Santana. Ele namora um homem há um ano e meio e diz que acidentes acontecem: “Preservativos furam. Com o remédio, me sinto confortável”.
Ao tomar os comprimidos, ele faz mais que se proteger. É voluntário de um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde para saber como as pessoas se adaptam ao novo tipo de prevenção. O objetivo é avaliar se o método deve ser adotado no Brasil como política de saúde pública, ao lado de medidas tradicionais, como a distribuição de preservativos.
O remédio usado é um velho conhecido dos médicos. Chamado Truvada, foi lançado nos Estados Unidos em 2004, pela empresa Gilead Sciences. Trata-se da combinação de duas drogas, o tenofovir e a emtricitabina. Ambas são antirretrovirais, uma classe de medicamentos que revolucionou o tratamento da aids nos anos 1980, ao conter o avanço do HIV no organismo de pacientes já infectados e ao permitir que convivessem por décadas com o vírus. Há quatro anos, a descoberta de uma equipe internacional de pesquisadores – composta também de cientistas brasileiros – mostrou que os antirretrovirais poderiam ser usados não só para tratar, mas também para prevenir a aids. Foi um marco. Todos os 2.500 voluntários eram homens que fazem sexo com homens, o grupo com mais risco de contrair o HIV. Entre os participantes que tomaram diariamente as doses, o risco caiu 92%. Em julho deste ano, a Organização Mundial da Saúde recomendou a adoção do novo método como prevenção entre homossexuais. A entidade estima que as infecções diminuiriam em 25%.
A preocupação em oferecer uma nova forma de proteção para homens que fazem sexo com homens é baseada em estatísticas. No Brasil, 10,5% das pessoas dentro desse grupo estão infectadas. Na população em geral, são 0,4%. O número de pessoas infectadas entre os homossexuais masculinos é 20 vezes maior. “A epidemia de aids não é homogênea para toda a população”, diz o pesquisador Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
O tipo de sexo praticado está diretamente relacionado ao risco. A penetração anal sem preservativo é considerada a prática mais perigosa. Mas essa não é a única razão para a prevalência maior do vírus. “Há questões sociais, como a discriminação”, diz Scheffer. Vítimas de preconceito, muitos homens que fazem sexo com homens temem se expor ao procurar atendimento médico e medidas de prevenção. Alguns, após anos de discriminação, desenvolvem problemas de autoestima e têm dificuldade de exigir que seus parceiros se protejam.
O aparecimento de novos casos é preocupante. Nos últimos dez anos, houve um aumento de 22% nas infecções em homens que fazem sexo com homens, principalmente entre os mais jovens. “Eles são mais sexualmente ativos. Muitos não usam camisinha porque não viram o pior da epidemia”, diz Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O crescimento nesse grupo ajuda a explicar dados alarmantes divulgados em julho pela Unaids, o programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids. Enquanto, no mundo, os novos casos caíram 27,6% entre 2005 e 2013, no Brasil, cresceram 11%.
O uso de antirretrovirais como prevenção é visto como um reforço para diminuir os casos dentro desse grupo. “Não é um benefício apenas para os indivíduos”, diz a infectologista Beatriz Grinsztejn, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “A medida interrompe a cadeia de transmissão do vírus e contribui para o controle da epidemia.” Beatriz coordena o estudo encomendado pelo Ministério da Saúde para avaliar o uso do Truvada como método preventivo. Noventa voluntários já tomam o Truvada no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na capital paulista, o levantamento é conduzido pela Faculdade de Medicina da USP e pelo Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT). Em breve, o estudo chegará a Porto Alegre. A ideia é que, em um ano e meio, 500 voluntários participem. O levantamento responderá a algumas dúvidas: é possível que os voluntários se sintam seguros a ponto de não usar camisinha? Os efeitos colaterais podem fazer com que abandonem a medicação? Eles tomam o remédio todos os dias? “O efeito protetor depende de ingerir os comprimidos diariamente”, diz o infectologista José Valdez Madruga, diretor da unidade de pesquisa do CRT.
A equipe coordenada por Beatriz analisará os hábitos de pessoas como o gestor de eventos carioca Julio Moreira, de 37 anos. Ele é casado há 12 anos com um homem, trabalha numa organização não governamental que atende homossexuais e decidiu colaborar com o estudo. Esqueceu de tomar o remédio algumas vezes, mas diz que agora virou um costume. “Tomo como se fosse uma vitamina, no café da manhã”, diz Moreira. Ele também foi voluntário da pesquisa internacional que comprovou a eficácia do Truvada como prevenção. Não teve nenhum dos raros efeitos colaterais relatados no primeiro estudo – problemas nos rins e ossos: “Senti apenas dores de cabeça e náuseas. Nada que me fizesse parar com o medicamento”.
Nos EUA, o Truvada já é usado para prevenção desde 2012. A experiência americana dá pistas sobre algumas barreiras que o Brasil poderá enfrentar. O psicólogo Damon L. Jacobs, de 43 anos, foi um dos primeiros a tomar o remédio, em 2011. Enfrentou preconceito. Ele e outros pioneiros foram chamados dentro da comunidade gay de “Truvada whores” (algo como “prostitutas do Truvada”). A ofensa revela o medo de que a nova medida encoraje os usuários a abandonar a camisinha e a se aventurar sexualmente. “As pessoas usarão o remédio no lugar do preservativo”, diz Michael Weinstein, da ONG Aids Healthcare Foundation, um dos opositores mais ferrenhos. “Como é difícil tomar a droga diariamente, acabarão contaminados.” Jacobs, o pioneiro, acredita que esse tipo de oposição será superado. Enquanto isso, ele e os amigos tentam combater o rótulo que receberam. Estamparam “Truvada whore” em camisetas e usam a expressão a seu favor, para divulgar a causa. “Não podemos ser vítimas da ignorância alheia. Se há um novo método para se proteger, por que não usá-lo?”, diz Jacobs.
Os pesquisadores envolvidos nos estudos que avaliam o Truvada dizem que não há motivo para se preocupar com o relaxamento no uso da camisinha. A pesquisa de 2010, que comprovou a eficácia do remédio, sugere que o uso de preservativo não diminuiu. Um dos pilares dos novos estudos, como o brasileiro, é divulgar entre os participantes que o remédio não é um substituto para a camisinha, que reduz em 98% os riscos de contrair o vírus. Mesmo porque o Truvada não protege contra as outras doenças sexualmente transmissíveis. Ele é um complemento para reforçar a segurança entre pessoas que não conseguem usar o preservativo em todas as relações sexuais. “É como se o remédio fosse um air bag”, diz a médica Valdiléa Veloso, da Fiocruz. “Quando eles foram adotados nos carros, falaram que as pessoas parariam de usar o cinto. Isso não aconteceu. O air bag se tornou um complemento de segurança.”
O reforço é bem-vindo. Pesquisas do Ministério da Saúde mostram que, nos últimos anos, houve redução no uso regular da camisinha. Em 2004, 51,5% usavam o preservativo em todas relações sexuais casuais. Em 2008, esse número caiu para 45,7%. O mesmo ocorreu entre quem tem parceiro fixo. Em 2004, 24,9% usavam. Em 2008, eram apenas 19,4%.
O professor carioca Haroldo Andre Garcia, de 40 anos, é voluntário no estudo da Fiocruz e não se descuida. Diz que, desde que começou a tomar o Truvada, há quatro meses, nunca deixou o preservativo de lado. Mesmo assim, amigos já perguntaram se ele tomava o remédio porque era promíscuo. “Não é um convite à promiscuidade, é só mais uma segurança”, diz Garcia. “Tenho muito medo da aids, porque vi todos aqueles artistas morrer nos anos 1980.” Ele está solteiro e diz que é um bom momento para usar a proteção extra. Um dos objetivos do novo método de prevenção é este: ensinar as pessoas a reconhecer os níveis de risco a que estão expostas, para que escolham as melhores medidas preventivas.
Antes de adotar o Truvada em larga escala, o Brasil terá de responder a outras dúvidas. “De onde sairá o dinheiro? Ele terá de vir de algum outro lugar”, diz Paulo Lotufo, diretor do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP. “Vamos pegar um monte de dinheiro e dar para um laboratório.” O Truvada não faz parte da lista de medicamentos do Ministério da Saúde, nem como opção de tratamento para a aids. Se for adotado oficialmente, poderá ocorrer uma negociação com o fabricante para baixar seu preço, estimado nos EUA em US$ 1.000 por mês, por usuário. Outra opção é produzir no Brasil. O infectologista Esper Georges Kallás, pesquisador que conduz o estudo da Fiocruz na USP, diz que os custos podem ser altos, mas os benefícios também são. Haverá menos contaminados, menos gastos com o tratamento e, claro, menos mortes. “Quanto vale poupar uma vida?”, diz Kallás. “Para mim, não tem preço.”
A opção sexual hoje em dia.
ResponderExcluirGostei muito do texto, acho que o TRUVADA realmente é uma droga bem eficaz, mas como já dito cara, mesmo assim para fazer com que cada vez menos pessoas sejam contaminadas com o vírus da aids não tem preço. Lendo o texto, vi que muitos homossexuais que tem aids não assumem, ou não vão ao médico com vergonha de seu estado, mas isso que me deixou intrigado, pois muitos homens hoje podem estar perdendo suas vidas por ter vergonha de ser homossexual?
No passado, na cabeça da sociedade em geral, não existia a opção sexual, era apenas homem e mulher, mas será que não existia homossexualidade nessa época? Já foi comprovado que até os romanos e gregos a muito tempo atrás já existiam homossexuais. A pouco tempo atrás, isso ainda era muito criticado, mas hoje em dia, isso é mais que normal, opção sexual não se discute, cada um tem a sua e temos que respeitar isso.
Homofobia é crime, crime como qualquer outro então como é uma lei caso você pratique, está sujeito a cadeia pois não é só por que você não gosta de homossexuais não quer dizer que possa espanca-los ou maltrata-los.
Vergonha de ser homossexual é quase ridículo, mas ainda existe essa ideia imposta pela sociedade que não pensa, este termo deveria estar extinto!
André Cadinelli Ramos - 901
Até que em fim !
ResponderExcluirAcredito que o desenvolvimento do remédio já deveria ter sido feito a muito tempo, pois se já foi percebido que haveria rumores de uma epidemia da doença, o máximo que o país deveria fazer, é dar o máximo para evitar a contaminação de mais pessoas e dar o máximo para ajudar os que precisam. Assim como muitos, acredito que só não foi desenvolvido o antidoto devido o interesse dos países em usar o vírus como uma arma nas guerras, onde podem matar seus inimigos com facilidade.
Depois de observar que muitos de sua própria nacionalidade estavam morrendo, foi iniciada uma busca de algo que acabasse com o vírus infectado no sistema de defesa do ser humano, mas ainda não foi encontrado tal medicamento, mas pelo menos encontrou-se algo que contem o vírus e que aumenta a possibilidade de evitar a contaminação.
Acho que essa produção do comprimido deveria ser uma responsabilidade do governo nacional em fabrica-lo, ainda mais por que isso não envolve só uma região, e sim a todos, sem constar que dará uma facilidade na oportunidade das pessoas poderem por optar em ter relações homossexuais com mais segurança.
Matheus Leite - Colégio Ativo
Turma: 901
Realmente interessante ver que ao decorrer do tempo, mesmo com o aumento da AIDS o número de tratamentos ou preservativos aumentam também. Antes de ler o texto nunca tinha ouvido falar a respeito da TRUVADA e seus ótimos resultados na prevenção entre homossexuais, espero que ele realmente torne-se um dos preservativos "oficiais" e que os médicos e pesquisadores não parem ai, continuem a buscar mais e criar novas formas para um dia conseguimos criar uma cura para o que poderia torna-se o mal do século.
ResponderExcluirPorém o que me incomodou foi o fato de ver que novamente o preconceito é a “Pedra no Caminho” do ser humano consegui desenvolver, crescer e mudar. Não acredito que a sociedade, em pleno século XXI, ainda discrimina as pessoas por serem diferentes (negros e gosto sexual). Com medo do mundo, diversos homossexuais possuem vergonha de assumir e procurar médicos para iniciar o tratamento ou simplesmente proteger o próprio corpo! Isso faz o vírus cada vez espalhar-se mais pelo mundo, causando mais mortes.
Esta na hora de mudarmos o jeito de ver o mundo, ele mudou está na hora de você também abrir sua mente. Como fazer isso? Aceite as diferenças para diminuirmos o preconceito, fazendo os homossexuais sentirem-se a vontades e irem ao medico sem ter o medo de ser julgado, ajudando a combater mais uma peste negra.
Katelyn Nelson – 802
Ativo
A "cura" da AIDS
ResponderExcluirDe acordo com a reportagem,muitas pessoas se voluntariaram para fazer os teste com a pílula azul que previne a AIDS,mas acho que este método não será uma opção certa em geral,pois a pílula pode estar incompleta e pode acontecer do vírus HIV se modificar como tempo e tornar esse método inútil para a prevenção da AIDS.Por esse e outros motivos esse método não deve se tornar definitivo para a prevenção do vírus HIV.
Mas o que mais me incomoda é o fato de vários homossexuais, com vergonha de assumir que estão infectados, não irem ao posto de saúde para procurar tratamento especializado nesta área,causando assim mais casos de AIDS no Brasil.
Mas isso não é culpa dos homossexuais, mas sim de seus agressores públicos,ou seja, os preconceituosos que andam por ai nas ruas criticando o que é certo e o que é errado de acordo com sua percepção,causando grande escândalo nas áreas onde se encontram.
Por isso, esse método deve ser adotado pelas pessoas e deve ser aceita por todos porque ele pode prevenir um acidente que você não gostaria que você se encontrasse um dia.