Seguidores das religiões afro foram maltratados mais uma vez, como acontece há séculos
O DIA
Rio - Os seguidores das religiões afro foram maltratados mais uma vez, como acontece há séculos. O último vexame deu-se na porta do Cemitério de Ricardo de Albuquerque, há poucos dias. Ali, em episódio noticiado pelo DIA , adeptos do candomblé foram impedidos de homenagear os parentes, como mandam os preceitos de sua fé. O motivo da restrição, segundo funcionários daquele e de outros cemitérios: a sujeira deixada pelos praticantes.
Uma curiosa argumentação. Não se sabe de reclamação semelhante sobre os restos de velas, santinhos e outros itens deixados pelos católicos sobre os túmulos em suas rezas. As pipocas, comidas e bebidas usadas pelos adeptos do candomblé e da umbanda certamente exigem mais dos encarregados da limpeza. Os cristãos, no entanto, também dão importante participação nessa carga diária de trabalho.
Não é difícil entender por que essa distinção acontece. É o velho preconceito dando as caras para tratar como algo inferior religiões que são tão legítimas quanto quaisquer outras. Não bastasse o lugar de destaque ocupado por católicos e evangélicos na sociedade brasileira por rituais que expõem suas riquezas, até mesmo quando produzem detritos são privilegiados.
Discutir esse conceito de sujeira talvez seja útil para arejar o debate acerca das religiões. É limpo segregar o culto de milhões de brasileiros, rotulá-lo de ritos demoníacos e condenar seus seguidores ao ostracismo? Não é algo sujo incitar contra os praticantes dos cultos afro a discriminação que os inibe de andar nas ruas com seus trajes e símbolos?
Há também, ao lado do simples preconceito, a ignorância que diminui o valor de tudo que não seja oriundo de sua própria cultura. Assim, o transe de um filho de santo em um terreiro é visto como manifestação de crendice primitiva, enquanto o fiel que se acredita curado por um milagre é tratado como prova da força divina. Mesmo que nenhum dos dois tenha o aval da ciência, como costuma acontecer com qualquer religião.
É recomendável a adaptação de um antigo ditado segundo o qual religião é como nariz: cada um tem o seu. No mundo civilizado, já poderíamos esperar que cada um cuidasse de seu próprio nariz, e não ficasse tentando farejar a sujeira do outro.
Francisco Alves Filho é jornalista do DIA
Nenhum comentário:
Postar um comentário