domingo, 28 de dezembro de 2014

Te Contei, não ? - Nos passos de Mandela


JOHANNESBURGO — Não é de hoje que roteiros inspirados em celebridades atraem milhares de turistas de todo o mundo. A recém-inaugurada estátua da cantora Amy Winehouse, no Camden Stables Market, em Londres; Graceland, a mansão onde Elvis não morreu, em Memphis; a ilha preferida de Justin Bieber nas Bahamas, e até mesmo o cemitério Père-Lachaise, em Paris, que, embora seja a última morada de escritores como Marcel Proust e Oscar Wilde, entrou mesmo na programação dos visitantes em 1971, quando o líder dos Doors, Jim Morrison, foi enterrado lá, estão entre os pontos turísticos. Pouco antes de completar um ano da morte do seu maior líder, a África do Sul se inspira na vida de Nelson Mandela — morto em 5 de dezembro de 2013 — para entrar nesse mapa.


É um trabalho quase hercúleo resumir o que Madiba — nome de seu clã de origem e adotado como apelido carinhoso em referência a seu mais importante representante — fez pelo país em seus 95 anos de vida. Sua história está presente e viva em quase todos os seus 1.219.912 quilômetros quadrados, sendo 2.798 deles de litoral, entre os oceanos Atlântico e Índico. Por mais que você vá à África do Sul pensando em safáris, passeios de balão ou boas ondas, vai esbarrar com uma estátua de Mandela em alguma parte do caminho. Sim, elas estão por todos os cantos, e não se acanhe em fazer um selfie com alguma — ou com todas elas. Uma das mais simpáticas é a Shadow Boxer, em aço pintado e com seis metros de altura, em frente à Chancellor House, em Johannesburgo.

— Mandela nunca fez nada motivado por vaidade, mas ficaria feliz se soubesse que está sendo celebrado — acredita Zelda La Grange, secretária particular do líder sul-africano até o último momento de sua vida. — Talvez ele ficasse pouco confortável com tantas homenagens, mas não constrangido.

E não haveria mesmo razão para constrangimento. Se hoje a população de 54 milhões de habitantes da África do Sul — composta por 79,4% de negros, 2,6% de indianos ou asiáticos, e 9% de mestiços e de brancos — pode transitar livremente pelas ruas e tem os mesmos direitos, o principal responsável é Mandela, o primeiro negro a assumir a presidência do país, em 1994, depois de passar 27 anos na prisão. Mas recuperar todo o potencial para o turismo enterrado durante os anos de apartheid demorou. Quando foi escolhida sede da Copa do Mundo de 2010, a África do Sul recebeu olhares ressabiados, mas fez bonito durante o Mundial e conquistou novos visitantes. Há 20 anos, eram apenas 3,6 milhões de turistas. Em 2013, esse número pulou para 9,6 milhões — um aumento de 19% em relação a 2010. Em 2014, o país foi eleito destino número um pelo “The New York Times". E na última década registrou um aumento de 400% de visitantes brasileiros.

APARTHEID, SOWETO E MUITOS ‘SELFIES’ EM JOHANNESBURGO

Um roteiro turístico para seguir os passos de Nelson Mandela na África do Sul pode começa por Johannesburgo, a maior cidade do país, que recebe voos didiários diretos de São Paulo. O Museu do Apartheid pode lhe dar as boas-vindas. Ou não. Isso vai depender da entrada a que você “tem direito”. Fiel à realidade dos anos de segregação, há duas portas: uma para brancos; outra para não-brancos.

Passar pela roleta é de arrepiar. Pela entrada dos brancos, o acesso ao museu é imediato. A outra reproduz o tempo do apartheid. O visitante é conduzido por um caminho tortuoso, com regras e imposições, até chegar no pavilhão 27, que representa as eleições de 1994. O museu (interativo e multimídia) não oferece visita guiada. Mas faz sugestões de rotas de uma ou duas horas com os pontos imperdíveis. Quem não estiver preocupado com o relógio, pode e deve ficar mais.


Também em Johannesburgo está o Centro de Memória Nelson Mandela, onde fica o escritório do líder sul-africano após a sua “aposentadoria”. A visita é peça-chave para entender a trajetória do menino nascido numa vila quase invisível até conquistar o Prêmio Nobel da Paz, em 1993. O lugar está exatamente como ele o deixou pela última vez.

É uma linha do tempo viva, com registros históricos, como o vídeo de sua primeira entrevista na TV, em 1961, quando foi apresentado ao mundo pelo repórter inglês Brian Widlake como “o mais engajado do movimento pela libertação do país”; o cartão de Natal assinado pela rainha Elizabeth II e o príncipe Phillip, de 2008; discursos escritos de próprio punho e pistas de que Mandela era um homem vaidoso — como o perfume One, da Calvin Klein, seu preferido.

A caixa transparente que simula uma cela no centro do salão mostra como ele sobreviveu aos 27 anos de reclusão, apesar de toda a repressão da época. Com direito a quase nada, fazia anotações enigmáticas em calendários do governo com mensagens como “Hoje será um dia de sol na África do Sul”.

No dia 5 de julho de 1989, além da tradicional aferição de pressão duas vez ao dia, ele escreveu: “Encontro com uma pessoa muito importante”. Era o dia do seu primeiro encontro com FW de Klerk, presidente do país à época.

Muito da memória do início da militância de Mandela está em Liliesleaf, nos arredores de Johannesburgo. A fazenda, que ficou conhecida por servir como esconderijo de ativistas do Congresso Nacional Africano (ANC na sigla em inglês), foi transformada num centro cultural em 2008.

— Memória não é apenas um nome ou uma data. Temos que preservar a essência, o movimento — diz Nicolas, filho de Harold Wolpe, companheiro de luta de Mandela. — Não temos apenas fotos e dados. Há história em cada um desses objetos.


Em 11 de julho de 1963, Wolpe e mais 17 ativistas foram presos ali, dando início ao Julgamento de Rivonia. Alguns deles foram levados para a prisão de Johannesburgo, construída no final do século XIX e conhecida como Old Fort. A prisão abrigou inúmeros prisioneiros políticos, inclusive Mandela. Ele ficou no prédio principal, em cela individual com uma cama de hospital — um direito para poucos e nunca dado até então a um negro. Durante a visita pelos outros pavilhões é possível mensurar a desigualdade, mesmo entre aqueles que tinham os direitos cerceados.

Com o início da democracia, em 1994, a Suprema Corte foi incorporada como anexo ao Forte. Uma porta de oito metros, com os 27 direitos garantidos pelo documento talhados em braile na madeira, é um convite para as sessões, abertas ao público.

A ideia de visitar uma township, as favelas do país, não parece muito atraente para os brasileiros. A exceção é o Soweto. Uma das maneiras de conhecer a cidade na área metropolitana de Johannesburgo é contratar um guia e fazer um passeio de bicicleta, que pode durar duas horas, quatro ou um dia inteiro. Embora não exista mais restrição ao tom de pele para morar em Soweto — até pouco tempo brancos não eram bem-vindos — 99% da população ainda é de negros.

Um roteiro tradicional começa na Vilakazi Street, única rua do mundo onde moraram dois Prêmios Nobel da Paz, Mandela e o arcebispo Desmond Tutu. No fim da rua, no número 8.115, fica a casa onde Mandela morou por duas vezes, antes e depois da prisão, até 1997. Hoje o lugar funciona como um museu. Aprecie os objetos pessoais que poucos museus têm no acervo, e escute os áudios disponíveis.

Outra parada imperdível na Vilakazi Street fica no número 6.980: o Sakhumzi Restaurant. A árvore na qual amigos se reuniam para beber cerveja começou a chamar atenção de quem passava para visitar Mandela. O movimento foi aumentando e, em 2001, virou um restaurante para 400 pessoas. A melhor opção é o bufê servido no almoço, com os tradicionais ensopados de cordeiro e o pap, um tipo de polenta típica da região.

Soweto foi o lugar escolhido para abrigar o Kliptown Open Air Museum, em homenagem ao ativista anti-apartheid Walter Sisulu. O monumento no centro da praça lembra a todos os direitos garantidos pela primeira Constituição.

Quem tem apenas uma noite em Johannesburgo pode optar por jantar no Moyo Zoo Lake, que vai além de uma provinha da gastronomia local. Sair de lá com uma pintura no rosto feita delicadamente com palitinhos pelas garçonetes é, certamente, a cereja do bolo.

Já a Nelson Mandela Square, em Sandton, tem opções gastronômicas mais variadas, além de um shopping para os que não dispensam as compras. Mesmo com tantas atrações, o ponto mais popular do complexo é, sem dúvida, a estátua de Mandela. Com seis metros de altura, feita em bronze, ela virou point de selfies.

EM PRETÓRIA, COM UM COELHO NA ORELHA

Em 20 de abril de 1964, Nelson Mandela fez um de seus mais importantes discursos sobre igualdade no Palácio da Justiça, em Pretória, a cerca de uma hora de Johannesburgo. Chegou pelos fundos e subiu as escadas do calabouço direto para o tribunal. Réu no Julgamento de Rivonia, ele dispensou advogado e, em sua defesa, disse estar preparado para “morrer se preciso for”. Trinta anos depois, Mandela voltava à capital administrativa do país, famosa por seus jacarandás, pela porta da frente, como presidente. E foi na imponente construção em estilo vitoriano que seu corpo foi velado, em dezembro passado.

Por questões de segurança, não é permitido visitar o interior do Palácio da Justiça. Nos jardins apenas com espécies nativas da África do Sul, em 2013 foi inaugurada uma nova estátua do ex-presidente. Dessa vez, com nove metros de altura. O que a torna diferente de todas as outras? O líder tem um coelho escondido na orelha.

Marcella Sobral viajou a convite do Turismo da África do Sul

SERVIÇO

Onde ficar:

The Maslow Hotel: Diárias para duas pessoas, com café da manhã, a partir de R$ 455. Tem bar, restaurante e spa. Em Sandton. suninternational.com/maslow

Passeios:

Museu do Apartheid: Diariamente, das 9h às 17h. Ingresso: 70 rands (R$ 16). apartheidmuseum.org

Constitution Hill/Old Fort: De segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. Sábados e domingos, das 10h às 15h. constitutionhill.org.za

Casa de Mandela: Diariamente, das 9h às 15h45m. Ingresso: 60 rands (R$ 14). mandelahouse.co.za

Soweto de bicicleta: sowetobicycletours.com



Designer Tours: Tel. (11) 2181-2900. designertours.com.br

Taks Tour Operadora: Tel. (11) 2821-8800. takstour.com.br

TGK Turismo: Tel. (11) 3283-3233. tgkturismo.com.br



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/estilo/boa-viagem/roteiro-inspirado-na-vida-de-nelson-mandela-leva-cidades-turisticas-vilarejos-no-interior-14469447#ixzz3NCduC6DB




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