segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Entrevista - Jared Diamond - "Sociedades tradicionais e modernas têm mesmos problemas universais"


RIO - O cientista americano Jared Diamond,
vencedor do Prêmio Pulitzer com o livro “Armas, germes e aço” (1997), analisa o comportamento de remanescentes sociedades tradicionais em sua obra “O mundo até ontem” (Record), recém-lançada no Brasil. Ele revela o quanto essas comunidades guardam dos conhecimentos de nossos ancestrais. Para o pesquisador, as sociedades atuais deixaram lições importantes para trás, como a forma de criar os filhos, resolver conflitos e valorizar os idosos. “Temos muito a aprender”, garante.


Biólogo, geógrafo e historiador ambiental da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Diamond se dedica a diversas áreas de pesquisa com sucesso. Em “Armas, germes e aço”, as diferenças de poder e tecnologia entre as atuais sociedades humanas são explicadas não por diferenças culturais ou raciais, mas sim por privilégios ambientais. Outro trabalho de sucesso foi “Colapso”, de 2005, em que mais uma vez ele se volta a fenômenos naturais para explicar como algumas sociedades desapareceram, caso dos ilhéus de Páscoa, no Oceano Pacífico. Nesta entrevista sobre “O mundo até ontem", Diamond critica diversos aspectos da forma como vivemos hoje, traçando paralelos com suas observações sobre as comunidades tradicionais da Nova Guiné (Sul do Pacífico), que ele estuda há cerca de 50 anos.
Por seis milhões de anos vivemos como as sociedades tradicionais vivem atualmente. Mudamos radicalmente nosso estilo de vida há cinco mil anos, com as primeiras sociedades com governos centrais. Em sua opinião, isso foi bom ou ruim? Uma mudança tão radical era realmente necessária? Ou a melhor palavra seria inevitável?
Não podemos dizer que a adoção dos governos centrais foi boa ou ruim porque, na verdade, foi inevitável; não havia alternativa. Sociedades de algumas dezenas, ou mesmo centenas de pessoas operam rotineiramente sem um governo central e não precisam de uma liderança forte ou de tomadores de decisão porque tomam decisões por meio da discussão cara a cara. Pequenas sociedades não precisam, não conseguem manter, não têm funções específicas para presidentes e coletores de impostos.
Mas há benefícios nos governos centrais, ou então eles não seriam inevitáveis, não?
Governos trazem benefícios, claro. Um deles é a mobilização da força que resulta em níveis mais baixos de violência nessas sociedades, se comparadas às tradicionais. Mas eu não preciso lembrar a vocês, brasileiros, ou a nós, americanos, que os governos algumas vezes também fazem coisas terríveis. Infelizmente, no longo curso da História humana, ninguém ainda descobriu uma forma de garantir que governos façam apenas coisas boas e nunca as ruins.
Num processo de mudança tão abrupta, deixamos coisas importantes para trás? Que exemplos o senhor citaria?
Sim! Entre as coisas mais importantes que deixamos para trás, eu lamento, particularmente, a perda dos laços para toda a vida com parentes e amigos que as pessoas das sociedades tradicionais conseguem manter porque passam sua vida toda no mesmo local, cercadas pelos mesmos indivíduos.
O que podemos aprender hoje com as sociedades tradicionais?
Temos muito a aprender. Das sociedades tradicionais da Nova Guiné, com as quais venho trabalhando pelos últimos 50 anos, eu, pessoalmente, aprendi como pensar de forma mais clara sobre riscos e perigos, e também sobre formas melhores de criar meus próprios filhos. Dentre as muitas outras coisas que podemos aprender com as sociedades tradicionais estão: ter uma dieta e um estilo de vida mais saudáveis; incorporar o lado emocional nas reconciliações judiciais; oferecer aos idosos uma vida mais satisfatória; obter mais perspectivas nas religiões humanas.
Tudo isso? Não melhoramos em nada ao longo do tempo?
Tudo isso se resume ao fato básico de que todas as sociedades humanas, tradicionais ou modernas, enfrentam os mesmos problemas universais, como, por exemplo, a melhor maneira de criar as crianças, como lidar com os idosos, resolver disputas, ter vidas saudáveis. As sociedades tradicionais oferecem milhares de experimentos naturais sobre como resolver esses problemas. O fato de nossas sociedades modernas serem mais poderosas do que as tradicionais, com exércitos maiores, armas mais potentes e, por isso, terem sido capazes de conquistar, expulsar ou matar as sociedades tradicionais não significa que nós, modernos, também inventamos formas melhores de criar nossos filhos ou viver nossas vidas de forma saudável.
É possível reproduzir hábitos e costumes de sociedades tradicionais numa escala tão maior? Ou tais costumes só são possíveis porque ocorrem num grupo restrito de pessoas, que mantém laços por toda a vida?
Boa pergunta. Uma resposta honesta é: sim e não. Alguns hábitos das sociedades tradicionais são fáceis de reproduzir em larga escala. Você pode decidir não encher sua comida de sal e açúcar e não bater nos seus filhos, mesmo que todos os outros a sua volta estejam fazendo isso. Outros aspectos das sociedades tradicionais são muito mais difíceis de se reproduzir em larga escala.
O senhor poderia citar alguns exemplos disso?
Por exemplo, é difícil focar a resolução de uma disputa numa reconciliação emocional, como ocorre nas sociedades tradicionais, quando o seu país tem um sistema judicial que resolve disputas de acordo com as leis, de acordo com princípios de certo e errado, sem qualquer interesse na reconciliação emocional. Algumas sociedades, como o Canadá e a Nova Zelândia, e o meu estado, a Califórnia, fizeram alguns esforços para introduzir a reconciliação emocional em alguns casos - mas é muito mais difícil de fazer isso no Brasil ou nos EUA do que numa sociedade tradicional, onde todos se conhecem e há diversos outros aspectos em questão.
O senhor dedica um capítulo inteiro de seu novo livro à criação dos filhos. Lendo o livro, a impressão que temos é de que estamos fazendo tudo errado, estragando as crianças de hoje. O senhor acredita que é possível se inspirar em alguns hábitos das sociedades tradicionais?
Não estamos fazendo tudo errado com nossos filhos. Em geral conseguimos mantê-los vivos até depois dos 5 anos de idade, enquanto metade de todas as crianças das sociedades tradicionais morre aos 5 anos. Mas há alguns aspectos da infância que muitos brasileiros e americanos poderiam considerar admiráveis nas sociedades tradicionais e que poderíamos tentar adotar - como criar as crianças para serem mais autoconfiantes, emocionalmente seguras e capazes de fazer suas próprias escolhas. Eu mesmo adotei alguns desses hábitos ao criar meus filhos - como nunca bater neles, e deixá-los tomar suas próprias decisões sempre que possível. Outros hábitos, no entanto, são difíceis de adotar, bem como alguns aspectos das sociedades modernas são difíceis de evitar. É difícil ensinar seu filho a passar longos períodos conversando com outras crianças e adultos, olhando-os no olho, quando ele está cercado de telefones celulares, computadores e televisões que o distraem.

O senhor acha que falhamos com nossos idosos? Por que, nas sociedades modernas, não conseguimos respeitá-los e dar a eles um papel relevante, especialmente num momento em que estamos vivendo cada vez mais?

Falhamos com os mais velhos nas sociedades modernas por causa de uma cruel realidade: os idosos perderam sua função de principais repositores de conhecimento. Hoje, se você quer saber algo, procura na internet ou num livro; você não pergunta a uma pessoa mais velha. As mudanças tecnológicas são tão rápidas que o que uma pessoa de 77 anos, como eu, aprendeu há 70 anos, como fazer longas contas de divisão e decorar a tabuada, não é mais necessário. Por outro lado, coisas que eu não aprendi 70 anos atrás, como usar computadores, são consideradas essenciais hoje.

Sim, é verdade, mas eles têm mais experiência de vida, propriamente dita, não?

Sim, os idosos ainda têm muito mais experiência nas relações humanas que os jovens e tiveram muito mais tempo para lidar com suas questões emocionais do que os mais novos. O desafio, hoje, é valorizar os mais velhos naquilo em que eles ainda são os melhores, e não deixá-los de lado porque não são tão eficientes e velozes ao manejar o computador e o celular.

As sociedades modernas, no entanto, tratam as mulheres de forma melhor (bem, pelo menos a maioria) do que as sociedades tradicionais. Como o senhor vê isso?

Considerando a frequência com que muitas sociedades modernas tratam mal as mulheres, eu hesitaria em dizer que elas tratam as mulheres de forma melhor. Hoje, pelo menos, normalmente não vendemos mulheres para casamento contra sua vontade e, normalmente, não consideramos o espancamento ou o estupro coletivo como um comportamento público aceitável. Mas muitas sociedades tradicionais tratam as mulheres muito bem em alguns aspectos, e nossas modernas sociedades (incluindo o Brasil e os EUA) ainda têm muito a aprender com elas sobre tratamento justo.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/sociedades-tradicionais-modernas-tem-mesmos-problemas-universais-diz-cientista-jared-diamond-14922168#ixzz3NHfC0KEB 


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