Acusado de racismo em discussão sobre cotas, professor da Federal do Espírito Santo deve ser processado
“Passamos por uma hora e vinte minutos de racismo. Alunos saíram chorando da sala e foram acolhidos por outros professores” Aluno cotista Professor da Federal do Espírito Santo dá declarações contra cotas e negros em aula e deve ser processado. -VITÓRIA- A Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) proibiu o professor de Economia Manoel Luiz Malaguti de dar aulas para o segundo período do Curso de Ciências Sociais depois que ele disse aos alunos, durante uma discussão sobre políticas de cotas na última segunda-feira, que, “se tivesse que escolher entre um médico branco e um negro, escolheria o branco”. Alunos garantem que Malaguti também disse “que detestaria ser atendido por um médico ou advogado negro”. Mesmo afastado da turma, ele continua nas outras atividades acadêmicas. O reitor da Ufes, Reinaldo Centoducatte, afirmou estar envergonhado.
Controvérsia. Manoel Malaguti, do curso de Ciências Sociais da Ufes, em imagem capturada de vídeo: ‘falei em nome da sociedade’
— É constrangedor, traz um sentimento de perplexidade. Inicialmente ele foi retirado dessa turma porque o relacionamento fica difícil. Isso não quer dizer que não possa sair das outras — sinalizou.
O reitor rebateu ainda as declarações do professor sobre o “baixo nível educacional da universidade desde a chegada dos cotistas”:
— Você vai ter desempenho excelente de alunos cotistas e não cotistas. E desempenho abaixo da
média, ou até sem aprovação, de cotistas ou não. Cada vez mais isso mostra que a política que adotamos é correta e está cumprindo o papel social. O professor teve uma análise equivocada.
UNIVERSIDADE ABRIU SINDICÂNCIA
A Ufes repudiou “todo e qualquer ato ou manifestação preconceituosa” e abriu uma sindicância, com prazo de até 30 dias para ser concluída, a fim de investigar a conduta do professor. Se as denúncias forem comprovadas, o resultado será encaminhado à reitoria para a abertura de um inquérito administrativo, mas o reitor já disse que o professor reafirmou mais de uma vez, em entrevistas a jornalistas, todas as declarações que deu em sala de aula. A punição em caso de culpa vai desde advertência verbal ou escrita a suspensão ou exoneração.
Malaguti, ainda segundo alunos, afirmou que o “o nível da educação na universidade está tão baixo que o professor não precisa mais se qualificar para dar aula, já que a maioria dos alunos é cotista sem cultura e sem leitura, analfabetos funcionais”.
— Passamos por uma hora e vinte minutos de intensos preconceito e racismo. Muitos alunos saíram chorando da sala e foram acolhidos por outros professores. Ninguém acreditava que ele estava vomitando aquelas palavras. E o pior é que ele falava tudo de maneira muito natural — disse um aluno de 20 anos, cotista, filho de um motorista e uma agente de saúde e que pediu para não ser identificado por receio de superexposição.
Em entrevista ao GLOBO, o professor confirmou o que disseram os alunos, mas garantiu que o comportamento da turma foi um gesto de vingança.
— Eu venho sofrendo processos há 15 anos por falar as coisas que penso. Imagino que os alunos, em boa parte cotistas, se sentiram inferiorizados. Mas aí não é uma problema de sentimento. Eles estão numa situação inferior mesmo, tanto que precisaram de cota. Eu apliquei uma prova nesse dia, eles se saíram muito mal e, depois, foram deturpando tudo que eu falei — sustentou.
Malaguti disse ser contra o sistema de cotas por acreditar que o mecanismo “não contribui para a qualidade do ensino universitário”:
— As pessoas que entram pelas cotas não têm o mesmo preparo. E isso provoca uma mudança, uma desqualificação do conteúdo a ser passado e uma desqualificação da capacidade da universidade de realizar a sua tarefa. Essas pessoas que entram por cota não permitem que a universidade cumpra o papel dela.
Em relação às declarações sobre a preferência por um médico branco, o professor disse que falou “em nome da sociedade”.
— Eu disse que, se tivesse que escolher entre dois médicos, um branco e um negro, com o mesmo currículo, eu escolheria o branco, porque o branco, estatisticamente falando, nasceu numa família mais abastada, teve acesso a outros idiomas, participou de atividades culturais, viajou... Ou seja, é um tipo de aluno que tem uma exigência maior — explicou Malaguti. — Já os negros, em média, vêm de comunidades menos privilegiadas, têm renda inferior, moram em situação insalubre, não recebem uma educação familiar semelhante à dos brancos e não conhecem outro idioma. Fiz apenas uma análise social — argumentou.
O caso levou o desembargador Willian Silva, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a oferecer
representação criminal ao Ministério Público Federal contra o professor. O desembargador entende que não há problema em se posicionar contra o sistema de cotas, mas diz que houve preconceito por parte do professor.
— Sinto-me com a dignidade e o decoro ofendidos na condição de jurista negro, proveniente de família pobre, advogado atuante por vários anos e hoje o primeiro desembargador negro capixaba. O sujeito fazer
uma afirmação dessas é como se estivesse adotando a filosofia de Hitler. Ele é nazista, não podia estar dentro de uma faculdade. Ele praticou uma insanidade, devia ficar calado — disse o desembargador
MPF INSTAUROU INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
O Ministério Público Federal instaurou procedimento investigativo criminal para apurar a conduta do professor por racismo. O procurador Ercias Rodrigues de Sousa solicitou que a Ufes apresente em 48 horas o nome do professor, a lista de presença dos alunos que estavam na sala de aula quando ele fez as declarações e a cópia da representação dos alunos solicitando a apuração das ofensas, além das providências adotadas pela Ufes.
A Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo também condenou as declarações do professor e estuda adotar medidas judiciais em relação ao caso. De acordo com o presidente da Comissão de Desigualdade Racial da OAB- ES, José Roberto de Andrade, o discurso do professor não condiz com o momento atual da sociedade:
— A OAB repudia veementemente o que aconteceu. Estamos entristecidos que, no século XXI, um REPRODUÇÃO DA INTERNET professor tenha esse discurso em sala, que cairia bem num engenho do século XVI. Ao fazer uma afirmação tão depreciativa, ele cometeu crime de injúria racial em relação aos cotistas e negros que estavam na sala e crime de racismo.
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