Na segunda-feira, dia 21, telefonei para Ariano Suassuna. Fiquei surpreso com a alegria e vitalidade da voz rouca do outro lado da linha. Falamos sobre a Academia Brasileira de Letras, sobre uma citação recente que ele tinha feito do existencialista Albert Camus, – mas, principalmente, sobre nossa amizade. Não imaginava que seria a conversa de despedida. Desliguei o telefone por volta do meio-dia. Depois, fiquei sabendo pela família que, naquele dia, Ariano tinha ido ao banco e que teve muito apetite no almoço. À noite, foi levado às pressas ao hospital, depois de sofrer um AVC. No final da tarde do dia 23, não resistiu. Tinha 87 anos.
Conheci Ariano há 25 anos. Tinha muito interesse pela literatura de cordel, e ele disse que eu aparecesse em sua casa. Eu era um jovem estudante e pensava que o grande escritor fizera o convite por delicadeza. Quando bati à porta de sua casa, no bairro de Casa Forte, no Recife, percebi que não fora uma formalidade. Passamos a tarde conversando. A generosidade era uma característica única do mestre Ariano, como costumava chamá-lo. Desde então, passei a visitá-lo com frequência. Nossas conversas ficaram mais longas. Num dos últimos encontros, ele estava emotivo. “Não tenho meio-termo não, Gerson. Ando muito emocionado. Ou fico à beira de chorar. Ou então estou rindo, a gargalhar. Isso não é normal”, me disse, aos risos.
Certa vez, contou que as lembranças de menino, no sertão paraibano dos anos 1930, marcariam sua obra. Na pequena Taperoá, ele aguardava por meses a chegada do circo. Eram espetáculos pobres, sem animais. Mas, na cabeça da criança, tudo era festa. Bailarinas, palhaços e equilibristas se revezavam nos palcos. As mulheres do circo pareciam belíssimas. Na feira da cidade sertaneja, Ariano também descobriu outras manifestações do universo popular. Ficou maravilhado ao assistir à primeira peça de mamulengo (teatro nordestino de bonecos), aos duelos de repentistas, ao ouvir os primeiros versos da literatura de cordel, antes mesmo de aprender a escrever. As histórias eram sempre pontuadas pelo humor e pela espontaneidade, características que apareceriam em obras como o Auto da Compadecida. Inspirada em folhetos de cordel, a Compadecida popularizou Ariano como escritor e dramaturgo em todo o país.
Acontecimentos trágicos da infância de Ariano também definiram sua vida e obra. Aos 3 anos de idade, perdeu o pai, o ex-governador da Paraíba João Suassuna, assassinado em 1930. Os sonetos de Ariano e seu livro mais denso, o Romance da Pedra do Reino, são influenciados diretamente por esses acontecimentos. Nos anos 1970, tentou concluir a trilogia iniciada com a Pedra do Reino, mas não conseguiu. A carga biográfica do pai reapareceu fortemente na obra. “Não aguentei”, me disse Ariano. “A carga era muito dolorosa e parei.”
Em 1981, começou a escrever um novo romance, que o ocupou durante as últimas três décadas. Apesar de inédito, deixou pronto Jumento sedutor, com forte componente biográfico. Numa só obra, uniu a linguagem do romance, da poesia, do ensaio e da dramaturgia. O amor à artista plástica Zélia Suassuna, mulher de toda a sua vida, também está presente na obra. “Zélia aparece de uma maneira muito poderosa, disfarçada nos personagens”, dizia Ariano. Depois fazia uma previsão: “Tenho certeza de que o livro não terá nenhum sucesso popular”.
Ariano nunca negou que tinha dificuldade em falar sobre a morte. “Nenhum de nós acredita na nossa própria morte”, me disse. Para ele, a arte era uma tentativa de buscar uma precária e bela imortalidade: “O poeta morre, mas, se fizer uma coisa bonita, ele fica. Esta é a busca de todo artista: a imortalidade por meio da arte. A arte é uma espécie de protesto contra a morte”.
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