Circula nos meios universitários a crença de que o ensino do Português em nível básico deve restringir-se a duas competências: ler e escrever
O DIA
Rio - Circula nos meios universitários a crença de que o ensino do Português em nível básico deve restringir-se a duas competências: ler e escrever. Em tese, o que se espera de um bom estudante de Língua Portuguesa é exatamente isto, domínio da leitura, de tal sorte que tenha acesso às fontes de informação escrita, e boa produção textual, no sentido de conseguir expressar suas ideias com clareza e eficiência.
Esta tese, entretanto, não convence os que atribuem à aula o objetivo de também conferir ao educando um saber científico sobre a língua, ou seja, um saber sobre seu funcionamento, seus mecanismos de articulação frasal, seu sistema de sons e sua variação no corpo da sociedade. Esse é, com efeito, um dos propósitos da aula de Português, uma dose a mais que se oferece ao aluno em sua formação humanística.
Mas, admitindo-se que o principal objetivo seja o ensino da leitura e da redação, cabe uma observação a mais. Vige, já há algum tempo, uma verdade fabricada e profundamente prejudicial à formação linguística dos jovens educandos: a de que a leitura deve prosperar apenas em textos atuais de registro coloquial, em detrimentos dos textos formais e antigos. Cuida-se de uma visão reducionista do papel do professor, que só expõe a seus alunos uma face dos usos linguísticos, a dos textos de vocabulário comum, construções usuais e organização frasal simplificada.
Convém advertir que um bom curso de Português é o que confere ao educando todas as modalidades de uso da língua que ainda não lhe são familiares. Somente assim poder-se-á assegurar-lhe um ensino verdadeiramente democrático, no sentido de que não lhe sejam sonegadas quaisquer vertentes dos registros linguísticos. A seleção de textos, portanto, no ensino básico, não pode passar pela censura do professor, seja a que rejeita o liberalismo exagerado da propaganda e das páginas da internet, seja a que renega o formalismo dos textos científicos e das obras clássicas. Não há democracia mais deliciosa do que a do livre acesso às fontes do saber.
Ricardo Cavaliere é professor da UFF e do Liceu Literário Português
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