quinta-feira, 29 de maio de 2014

Crônica do Dia - Dias difíceis - Leda Nagle

A realização da Copa no Brasil não foi decidida em 2007? Por que levamos todo este tempo para nos incomodar?

O Dia

Rio - Que tempos estranhos estes que vivemos! A vida da gente passou a ser resolvida em horas, de véspera, de hoje pra amanhã como se isto fosse normal. A rotina é fundamental pra uma vida organizada. Muito difícil viver assim. E não falo só da questão da segurança e da violência. Falo também das coisas mais banais tipo ir e voltar do trabalho, sem surpresas, sem ruas interditadas por manifestações, sem dúvidas sobre funcionamento dos serviços essenciais.
Claro que o direito de greve é legítimo, a gente lutou durante anos pela democracia e pelos direitos legítimos que vêm com ela. Mas tudo na vida tem que ter ordem até para a sobrevivência dela, democracia, e de nós,cidadãos. Não podemos viver submetidos a esta nova regra do qualquer um faz o que quer, na hora que quer e pelo motivo que considera justo. Parece que colocaram um remédio na água e todo mundo está perdido. Você acorda e o candomblé e a umbanda não são religiões. Como assim? Afinal, temos ou não temos uma constituição que diz que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. No dia seguinte, o juiz muda de ideia, e as religiões são de novo consideradas religiões, diante do que ele mesmo chama de pressão da sociedade e da mídia.
Isto também vale pro direito de greve. Greve também tem regras, explicam os profissionais do Direito. Descubro, perplexa, por exemplo, que os direitos de greve do funcionalismo público (e aí se inclui, por exemplo, a polícia) nunca foram regulamentados, apesar de constarem na constituição de 1988. Somos muitos lentos ou muito lerdos? Será que é característica de brasileiro? A gente é do tipo que deixa tudo para depois, da declaração do imposto de renda ao direito de greve? O tempo vai passando e as coisas vão sendo adiadas ou empurradas com a barriga até que estoura de um jeito estabanado, raivoso, que nem nossos bueiros que explodem do nada? Outra coisa que não consigo entender é esta revolta, somente agora, com a Copa do Mundo. Entendo que não temos os hospitais necessários, precisamos investir mais em educação e tudo o mais. Fato.
Que os custos das obras padrão Fifa cresceram numa proporção extraordinária, o que também é fato, mas a realização da Copa no Brasil não foi decidida em outubro de 2007? Por que levamos todo este tempo para nos incomodar com esta decisão? Não vou colocar pano preto na janela. Também não vou gastar um dinheirão para ir aos jogos. Vou ver pela TV como se a Copa não fosse aqui. Mas quero a minha rotina de volta. Sem sustos ou medos.


    Um comentário:

    1. Fico feliz por me encontrar no texto. Tenho falado repetidas vezes da minha estranheza em ver protestar contra a Copa os mesmos que torceram para que fosse aqui, anos atrás (confesso que não me lembrava em que ano foi, exatamente). Não fui das que torceram a favor. Mas, por entender que democracia é isso, respeito o voto dos vencedores. E mais: torço para que dê tudo certo!!! Merecemos isso!

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