Porquinho
da Índia
Manuel Bandeira
“Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do
fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira
namorada.”
É muito
comum que a ideia de poesia esteja associada com os sentimentos, especialmente
ao amor. Essa, é a visão mais comum, a primeira que qualquer pessoa interessada
em ensinar a literatura costuma ter. Manuel Bandeira, é reconhecido como poeta
humilde e delicado, características que sem dúvida, estão presentes em suas
obras. Nesta, a relação entre o discurso amoroso e a perda do objeto amado abre
possibilidades de explorar o sujeito.
“Porquinho-da-índia”,
encerra um jogo de descobertas e
frustrações, conquistas e fracassos, que ao mesmo tempo representa o reconhecimento
e a perda do outro, de um jeito que marque as experiências do Eu, retiradas de
um passado “vivo”, que se mistura com o presente e vai definindo a forma que o
sujeito lírico percebe o mundo e produz poesia. É um dos poemas mais conhecidos
de Manuel. Seu tom aparentemente despojado, da infância representa algumas das
características do “estilo maduro” do poeta.
Como se a
simplicidade do texto não bastasse, termina com um verso bastante inesperado: “
– O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada”. O texto possui um
significado forte que, ao mesmo tempo, esconde-se e revela-se em sua
simplicidade.
O motivo
do poema é bastante claro: o eu lírico diz ter ganhado um porquinho-da-índia
quando tinha seis anos e afirma que o bicho frequentemente o frustrava, não se
comportando como ele esperava: ao invés dos “limpos” e “bonitos”, o bicho
preferia estar debaixo do fogão, não fazendo “caso nenhum das ternurinhas”
insistentes e tão bem intencionadas dele.
A expectativa
inicial, tem elementos objetivos: ganhou um bichinho de estimação que é pequeno
e aparentemente desprotegido. Parece inicialmente acreditar que o bicho deveria
ser protegido de tudo, estar sempre nos melhores lugares, habitar um mundo
previamente preparado para ele com ternura. Mas, desde o início, as atitudes do
porquinho vão revelando a ideia inicial como fantasiosa.
O poema é
composto por dez versos. Os dois primeiros apresentam um tom de satisfação (a
lembrança do presente), enquanto o 3º e o 4º versos se diferem dos anteriores, iniciando uma sequência marcada
por certa frustração, que define os versos intermediários:
''Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar
debaixo do fogão!''
Já o
último verso, contrasta a frustração dos anteriores com um tom que novamente
sugere satisfação, agora marcado por uma nota que confessa:
''– O meu
porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.''
Não há solidariedade
entre as ações e intenções do Eu e as do bicho. O objeto amoroso (um exótico
bichinho de estimação) foge dele e não corresponde às suas investidas e ao seu
carinho. Sendo um presente, o porquinho é um objeto possuído, ou seja, o eu
lírico é, seu dono. Assim, a suavidade e o amor convivem no poema com a
frustração e o fracasso.
Neste
caso, imagens se ligam ao espaço interior e protegido da casa, criando as
oposições sala x cozinha e “lugares mais bonitos, mais limpinhos” x
“debaixo do fogão”. Não há referência a espaços exteriores. A sala como o
espaço arrumado, limpo e bonito, por isso, construído para ser visto, oposto ao
espaço íntimo da casa, ligado à vida concreta.
A relação
de posse que define o encontro entre eles e do fracasso do sujeito lírico, é
esse bichinho que foi eleito por ele como primeira namorada. Nesse trajeto, há
um desenvolvimento de maneira particular. Ele não diz ter pedido nem exigido,
mas sim ganhado o animal, indicando certa passividade inicial do sujeito. A
transformação decisiva: do “ganhei” do início, chega à “namorada” no final.
Podemos
concluir que se a maior parte do poema expressa situações de frustração e
surpresa, são elas mesmas que acabam deslocando as crenças iniciais,
obrigando-o a repensar suas expectativas e sua visão do mundo. Poema
de tom narrativo, destaca a pureza e a inocência de uma criança que dedica todo
seu afeto a um bicho de estimação. O humor fica no verso final, uma espécie de
conclusão em que se introduz a fala do eu lírico.
Ingrid Maia Nanjara -
Turma 802 / 2014
Turma 802 / 2014
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