terça-feira, 6 de maio de 2014

Entendendo Manuel Bandeira - Porquinho da Índia

Porquinho da Índia 
                                 Manuel Bandeira        


“Quando eu tinha seis anos

Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”




É muito comum que a ideia de poesia esteja associada com os sentimentos, especialmente ao amor. Essa, é a visão mais comum, a primeira que qualquer pessoa interessada em ensinar a literatura costuma ter. Manuel Bandeira, é reconhecido como poeta humilde e delicado, características que sem dúvida, estão presentes em suas obras. Nesta, a relação entre o discurso amoroso e a perda do objeto amado abre possibilidades de explorar o sujeito.


“Porquinho-da-índia”, encerra um  jogo de descobertas e frustrações, conquistas e fracassos, que ao mesmo tempo representa o reconhecimento e a perda do outro, de um jeito que marque as experiências do Eu, retiradas de um passado “vivo”, que se mistura com o presente e vai definindo a forma que o sujeito lírico percebe o mundo e produz poesia. É um dos poemas mais conhecidos de Manuel. Seu tom aparentemente despojado, da infância representa algumas das características do “estilo maduro” do poeta.
Como se a simplicidade do texto não bastasse, termina com um verso bastante inesperado: “ – O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada”. O texto possui um significado forte que, ao mesmo tempo, esconde-se e revela-se em sua simplicidade.
O motivo do poema é bastante claro: o eu lírico diz ter ganhado um porquinho-da-índia quando tinha seis anos e afirma que o bicho frequentemente o frustrava, não se comportando como ele esperava: ao invés dos “limpos” e “bonitos”, o bicho preferia estar debaixo do fogão, não fazendo “caso nenhum das ternurinhas” insistentes e tão bem intencionadas dele.
A expectativa inicial, tem elementos objetivos: ganhou um bichinho de estimação que é pequeno e aparentemente desprotegido. Parece inicialmente acreditar que o bicho deveria ser protegido de tudo, estar sempre nos melhores lugares, habitar um mundo previamente preparado para ele com ternura. Mas, desde o início, as atitudes do porquinho vão revelando a ideia inicial como fantasiosa.
O poema é composto por dez versos. Os dois primeiros apresentam um tom de satisfação (a lembrança do presente), enquanto o 3º e o 4º versos se diferem dos  anteriores, iniciando uma sequência marcada por certa frustração, que define os versos intermediários:
''Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!''
Já o último verso, contrasta a frustração dos anteriores com um tom que novamente sugere satisfação, agora marcado por uma nota que confessa:
''– O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.''
Não há solidariedade entre as ações e intenções do Eu e as do bicho. O objeto amoroso (um exótico bichinho de estimação) foge dele e não corresponde às suas investidas e ao seu carinho. Sendo um presente, o porquinho é um objeto possuído, ou seja, o eu lírico é, seu dono. Assim, a suavidade e o amor convivem no poema com a frustração e o fracasso.
Neste caso, imagens se ligam ao espaço interior e protegido da casa, criando as oposições sala x cozinha e “lugares mais bonitos, mais limpinhos” x “debaixo do fogão”. Não há referência a espaços exteriores. A sala como o espaço arrumado, limpo e bonito, por isso, construído para ser visto, oposto ao espaço íntimo da casa, ligado à vida concreta.
A relação de posse que define o encontro entre eles e do fracasso do sujeito lírico, é esse bichinho que foi eleito por ele como primeira namorada. Nesse trajeto, há um desenvolvimento de maneira particular. Ele não diz ter pedido nem exigido, mas sim ganhado o animal, indicando certa passividade inicial do sujeito. A transformação decisiva: do “ganhei” do início, chega à “namorada” no final.
Podemos concluir que se a maior parte do poema expressa situações de frustração e surpresa, são elas mesmas que acabam deslocando as crenças iniciais, obrigando-o a repensar suas expectativas e sua visão do mundo. Poema de tom narrativo, destaca a pureza e a inocência de uma criança que dedica todo seu afeto a um bicho de estimação. O humor fica no verso final, uma espécie de conclusão em que se introduz a fala do eu lírico.






Ingrid Maia Nanjara - 
Turma 802 / 2014

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