sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Te Contei, não ? - Que Língua é essa?

QUE LÍNGUA É ESSA?

Acredite: falar e escrever em bom português é tão importante para sua carreira quanto dominar o inglês


Como vai seu português? Ouvir essa pergunta durante uma entrevista de emprego ou em uma conversa com o chefe pouco antes de receber uma promoção pode parecer um disparate. Afinal, na era da globalização a fluência no inglês faz parte do currículo de muitos profissionais e perguntar a alguém se domina a língua materna pode soar como ofensa. A verdade é que as empresas estão mesmo muito preocupadas com a maneira como seus funcionários andam escrevendo ou mesmo falando português. Não é raro encontrar executivos usando expressões como “a nível de (sic) produção”, ou “vou estar enviando (sic) o documento”, ou ainda, entre outras pérolas, começando uma frase assim: “Me (sic) informaram que as dúvidas seriam esclarecidas”.
A pouca intimidade com o idioma fica evidente nos erros grosseiros que aparecem nos currículos por headhunters e consultores de carreira. Recentemente, um candidato de 49 anos que concorria a uma vaga de gerente-geral numa grande empresa escreveu contando ter participado de processos de fusão, aquisição e cisão de empresas “de” familiares (quando o correto seria simplesmente empresas familiares). Mais à frente, esqueceu de colocar hífens em mão-de-obra. Antes de finalizar teve tempo para um novo deslize ao se apresentar como especialista em análises de investimentos “indústrias” (e não industriais). Isso sem falar nos erros de pontuação ao longo do texto, no emprego de maiúsculas em situações que não exigiam seu uso e nas seguidas repetições de palavras na mesma frase. Quais a chances de o candidato em questão conseguir a vaga desejada? Mínimas. “Eu fico profundamente irritada quando recebo um currículo cheio de erros de português. Para mim, isso cria logo de cara um impacto negativo”, afirma a headhunter Laís Passarelli, da Passarelli Consultores.
Você confiaria, por exemplo, num médico que se apresentasse como cirurgião cardíaco? Claro que não, pois nesse caso seria ele o paciente, já que cardíaco é aquele que tem problemas no coração. Melhor sair correndo do consultório – e procurar um cardiologista. é verdade que não domina o inglês enfrenta mais dificuldades ao longo de sua carreira. Mas não é menos verdade que falar e escrever bem em português também é fundamental. “é incrível, mas não é fácil encontrar profissionais alfabetizados em português”, afirma Clemência Beatriz Wolthers, sócia-gerente do Pinheiro Neto Advogados, o maior escritório de advocacia do país. “E isso é pré-requisito para qualquer um”.
Mas, afinal, por que boa parte dos profissionais brasileiros, muitos deles fluentes em mais de um idioma, sente tanta dificuldade em se expressar na língua materna? A lista de razões é grande. Para a professora de português Laurinda Grion, autora do livro 400 Erros Que os Executivos Cometem ao Falar e Redigir (editora Edicta), esse é um problema de base. “As escolas não ensinam aos alunos a fazer uma leitura crítica, ao saborear um romance. As pessoas escrevem mal porque não sabem ler”. O advogado Guilherme Duque Estrada de Moraes, vice-presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM), concorda: “ninguém mais lê. Na verdade, faltam às pessoas Machado de Assis, Eça de Queiroz, Aluisio Azevedo, José de Alencar. Gente que notabilizou pelo uso da forma da forma culta do português”. Já o jornalista Eduardo Martins, editor do jornal O Estado de S. Paulo e autor do Manual de Redação e Estilo, do Estadão, critica a qualidade do ensino superior. “As faculdades deveriam suprir as deficiências dos alunos, pois falar e escrever bem são habilidades importantes para a formação profissional”. Some-se a isso a baixa qualidade da música veiculada por programas de massa no rádio e na TV, que colocam em segundo plano a MPB mais sofisticada para abrir espaço para pagodes e canções pseudo-sertanejas – que, cá entre nós, não primam pelo português.
O fato é que, hoje, as pessoas estão mais sujeitas a cometer erros de português do que antigamente. E o vilão dessa história, em grande parte, o correio eletrônico. Isso porque, de uma hora para outra, as pessoas se viram obrigadas a voltar a escrever com regularidade. É só pensar no seu cotidiano no escritório. Em um só dia, provavelmente, você dispara uma dezena de e-mails, a maioria para destinatários diferentes. é nessas horas que surgem dúvidas que vão da grafia das palavras a questões gramaticais. E nem sempre os prazos apertados permitem uma consulta ao dicionário. A questão é que, quando um profissional comete um erro grave de português, seja falando, seja escrevendo, as pessoas começam a duvidar de suas qualificações, por melhores que sejam. “Conheço boas companhias que perderam concorrências públicas por causa de erros de
português na proposta apresentada”, afirma o professor Sérgio Nogueira Duarte, mestre em língua portuguesa, autor da coleção de livros Língua Viva, da editora Rocco, e apresentador do Programa de Palavra, que vai ao ar pela TV Senac.
Bê-á-bá para maiores
A preocupação das empresas com o português de seus funcionários é tão grande que várias estão contratando professores para eles – e a lista de presença inclui tanto o pessoal administrativo quanto o executivo. Nogueira Duarte, por exemplo, já deu aula para mais de 100 organizações, entre elas a Globosat, BNDES, a Souza Cruz e a TV Globo. Para dar conta do recado, deixou de lecionar em algumas escolas e fechou um acordo com outros dez professores. “Quando não posso atender a determinada empresa por problemas na agenda, eles me substituem”, conta. O laboratório farmacêutico AstraZeneca antecipou-se ao problema e lançou recentemente cinco fascículos, batizados de Língua da A a Z, para ser distribuídos a seus mais de 1000 funcionários. Os temas foram divididos em: ortografia e acentuação, crase e hífen, concordância, verbos e parônimos (palavras com som e grafia semelhantes). “Nós já tínhamos sentido que era necessário aprimorar o nível do conhecimento do pessoal”, diz Fabio Zanini, gerente de comunicação e serviços de intranet da empresa. “Fizemos uma pesquisa interna e descobrimos que os funcionários também queriam melhorar e desejavam ter uma fonte de consulta para esclarecer suas dúvidas sobre português. Agora, quando alguém não recebe o fascículo faz logo uma reclamação. Muitos chegam ate a levar o material para casa para que seus filhos possam estudar também”.
Os fascículos da AstraZeneca foram escritos com exclusividade pelo jornalista Eduardo Martins, do Estadão. Ele acredita que esse tipo de iniciativa pode ajudar as pessoas a escrever melhor e a se expressar com mais clareza. “é claro que não tenho a pretensão de formar romancistas do nível de Machado de Assis, mas é perfeitamente possível, com treino, dedicação e muita leitura, fazer alguém escrever de forma elegante e com estilo agradável”. Nunca é tarde para fazer uma revisão geral. Constantino Mendonça, de 52 anos, diretor de assuntos corporativos da Souza Cruz, decidiu voltar a estudar português juntamente com seus 12 companheiros de equipe. As aulas são ministradas na própria empresa, que fica no Rio de Janeiro. “Nós produzimos uma grande quantidade de textos aqui na Souza Cruz”, diz Mendonça. “Temos em nossa intranet uma infinidade de documentos que pedem uma boa redação”. Para comandar o treinamento, que é realizado uma vez por semana, Mendonça convidou o professor Nogueira Duarte. O resultado, segundo o executivo, vem agradando a todos. “Tem sido uma experiência positiva rever os conhecimento da língua portuguesa. Agora, o pessoal está pensando mais antes de escrever”.
Nem sempre é fácil mobilizar as pessoas para voltar a estudar. No ano passado, Moraes, da Abiquim, bem que tentou incentivar sua equipe. Comprou livros de gramática e distribuiu uma vasta papelada sobre o assunto. Depois, contratou a professora de português Laurinda Grion.  A iniciativa não deu certo.  “As pessoas que tinham nível superior abandonaram o curso com receio de se expor aos colegas”, conta Moraes.  “Acontece que os resistentes eram justamente aqueles que mais necessitavam fazer um bom uso do idioma no dia-a-dia. Eles não queriam dar a entender que tinham cursado uma faculdade, mas não sabiam escrever direito”. Como os problemas continuaram, Moraes e a professora Laurinda Grion voltaram à carga neste ano. Dessa vez, decidiram mudar de estratégia e, em vez de batizar o treinamento com o prosaico nome Curso de Português, escolheram um nome mais sofisticado: Técnicas de Redação – Como Escrever com Clareza. A tática surtiu efeito e eles têm 42 alunos. Mais uma prova de que jogar bem com as palavras pode ser um jeito eficiente de vender o peixe.

OS SEGREDOS DO BOM TEXTO

Escrever corretamente e com clareza é algo que se conquista com a prática. Veja o que fazer para melhorar o seu português:

Dedique uma parte do seu dia à LEITURA. É praticamente impossível escrever bem se você não tiver o hábito de ler. Dê preferência a autores de qualidade. “Leia um jornal por dia, uma revista por semana, um livro por mês”, ensina o professor Sérgio Nogueira Duarte.
Comece a ESCREVER, mesmo que sinta dificuldade no início. Você pode escolher uma notícia qualquer que ouviu na TV ou no rádio e colocar no papel sua opinião. Mostre aos colegas, peça palpites. E não desista.
Tenha em casa ou no trabalho alguns dicionários, entre eles um de sinônimos e outro de antônimos. Eles ajudarão a deixar seu estilo mais refinado.

Tenha à mão livros do tipo “TIRA-DÚVIDAS”, que trazem exemplos de como corrigir os erros mais freqüentes.
Adquira um MANUAL DE REDAÇÃO e livros de gramática.
Assista a documentários e a PROGRAMAS JORNALÍSTICOS que ampliem seus conhecimentos gerais.

Revista Veja

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