quinta-feira, 10 de julho de 2014

Crônica do Dia - Dias horríveis - Cora Rónai



Tenho certeza, de antemão, que esse jogo contra a Alemanha nunca mais me sairá da memória


“Nossa, que bosta”, escreveu a Clarah Averbuck, ainda agora, no Twitter. “Humilhação em Copa dói mesmo no coração.” São dez da noite de terça-feira, e ainda não consegui digerir o que aconteceu, há poucas horas, no Mineirão. Escrevi muitos tuítes, postei um lindo filme sobre Barcelona no Facebook para desanuviar, seguido de uma ótima piadinha de engenheiro e de umas fotos dos gatos, mas é como se estivesse fazendo tudo isso em piloto automático. Concordei com a Clarah. “Jamais senti isso!”, me disse ela. Eu também não. Sempre achei o drama de 1950 um exagero, uma espécie de lenda urbana da psique nacional, mas agora, pela primeira vez na vida, entendo o que os espectadores daquela partida sentiram: uma tristeza profunda atravessada pela perplexidade e por um sentimento de humilhação dolorido e inexplicável.

A palavra-chave é essa mesmo: inexplicável. Não há explicação lógica para esse sentimento malsão. Afinal, eu não estava jogando, não estava no estádio, sequer gosto de futebol... Como na velha piada, não me chamo Joaquim nem moro em Niterói, então o que é que eu tenho a ver com isso? Com um jogo a que assisti pela televisão? Em tese nada, na verdade tudo. Vá entender. Rimos muito da goleada que a Espanha levou, e talvez um dia venhamos a rir da goleada que levamos, mas agora, nesta noite apropriadamente chuvosa, não consigo achar a menor graça em nada.

Vi o Brasil perder da França em 2006 ao vivo, nas quartas de final, e, como todo mundo, fiquei muito triste — mas um a zero é resultado que não envergonha ninguém. Aí é possível dizer, como tantas vezes repetiram os comentaristas, “que é do esporte”. Um dia a gente ganha, um dia a gente perde, normal. Perder de sete a um numa semifinal jogada em casa, porém, pode ser tudo, menos normal. Não sei como se sente uma torcedora no dia seguinte a uma derrota tão estrepitosa. Ainda vou descobrir. Mas tenho certeza, de antemão, que esse jogo nunca mais me sairá da memória.

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O outro choque do dia aconteceu mais cedo, quando fiquei sabendo que a Arquidiocese, aparentemente dona dos direitos de imagem do Cristo Redentor, censurou o episódio do José Padilha no filme “Rio, eu te amo”. Como assim?! Em que mundo nós estamos?! Como é que, em pleno ano de 2014, ainda aceitamos que a Igreja tenha o poder de vetar o que quer que seja?! O Cristo não é, não pode ser, de ninguém, muito menos de uma entidade tão retrógrada! Ele é um dos principais símbolos do Rio, transcende a religião e, como tal, pertence a todos nós, à cidade inteira, sem qualquer distinção de credo. O arquiteto Miguel Pinto Guimarães tem toda a razão quando propõe que os cidadãos cariocas movam uma ação popular para a retomada do Cristo. Ele é importante demais para ficar em mãos tão obscurantistas.

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Na sexta-feira passada, dia de jogo do Brasil, dia de jogo no Maracanã, feriado, véspera de fim de semana, quando não havia ninguém olhando e as atenções do país estavam todas na Copa, a prefeitura removeu parte dos gatinhos do CASS para o Gatil São Francisco de Assis. A operação começou antes das seis da manhã, quando ainda estava escuro, e foi um perfeito exemplo de covardia e falta de transparência.

A Secretaria Especial de Proteção e Defesa dos Animais, que deveria ter tomado a defesa dos bichos, curvou-se sem tugir nem mugir às ordens superiores. Num bate-boca por WhatsApp com uma conhecida protetora, o secretário nem tentou disfarçar: “Fui ‘convocado’ para dar apoio à operação. A ordem não foi revogada pelos de ‘cima’ até agora.”

No meio da tarde de segunda-feira, depois de receber milhares de e-mails, o prefeito finalmente se manifestou a respeito do assunto. Postou uma nota em tom meigo na sua página do Facebook, falou em “gatinhos” e “bichinhos” no diminutivo, mas não ofereceu qualquer explicação aceitável para a ação, a não ser a eterna e furada desculpa de que animais oferecem riscos à saúde da população.

Ora, se o secretário Rafael Aloisio Freitas e o prefeito Eduardo Paes estão tão convencidos de que fizeram a coisa certa, por que não convocaram a imprensa, antecipadamente, para explicar a remoção dos gatos? Por que não ouviram ninguém? Por que não fizeram uma ou duas feiras de adoção antes de condenar os bichanos? Por que não realizaram toda esta operação na segunda-feira, num horário compatível com a honestidade e com as boas intenções?

Não acho que o CASS seja um lugar ideal para os gatinhos; não é. Áreas urbanas, em geral, não costumam ser locais seguros para eles, as verdadeiras vítimas do convívio entre humanos e felinos, ao contrário do que quer fazer crer a Vigilância Sanitária. Mas a remoção de colônias é um método ultrapassado, hoje condenado por sociedades protetoras de animais em todas as partes do mundo.

Administradores de fato interessados no bem-estar dos bichos fazem campanhas educativas para a população, punem com rigor o abandono e diminuem as colônias através da castração. Juntá-los em depósitos de bichos que nunca têm funcionários suficientes, e onde animais sadios misturam-se a animais doentes, está longe de ser uma solução.

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Enquanto isso, em Santa Catarina, a cidade de Araquari dá exemplo de como se comporta uma comunidade verdadeiramente comprometida com a sorte dos animais de rua: uma nova lei municipal dá descontos no IPTU para quem adotar e mantiver em sua posse um gato ou cachorro abandonado.




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