quarta-feira, 2 de julho de 2014

Te Contei, não ? - Outros olhares em Iracema

Câmara Cascudo, um nordestino sempre reverenciado pela expressão aguda de sentir os fenômenos culturais da região, referiu-se deste modo ao comentar a identificação nacional com a obra e os personagens de Alencar: ´[...] muito dessa irresistível atração foi o vocabulário de Alencar, o brilho, a musicalidade verbal. A imagem inebriante e soberba para o seu tempo, as graças capitosas da minúcia, da precisão, da habilidade idiomática e mesmo sua sintaxe, as concessões ao sabor local, os neologismos, brasileirismos, enfim a liberdade ousada, aberta, corajosa, ostensiva, em empregar uma técnica que era eminentemente sua e que apaixonou o Brasil inteiro.




"Iracema é, sobretudo, um livro de imagens; José de Alencar organiza uma memória imagética’’, defende o diretor do Museu do Ceará, historiador Régis Lopes. Sob essa tese, está sendo preparada a exposição Edições de Iracema, reunindo cerca de 50 publicações do romance - abertura agendada para o próximo dia 18, com a palestra ‘’Iracema em Cordel’’ (ministrada pelo professor e pesquisador Gilmar de Carvalho) e o relançamento do livro-cordel Iracema a Virgem dos Lábios de Mel (de João Martins, original da primeira metade do século XX). A maior parte do acervo da exposição é do setor de obras raras da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Foco nas imagens, ilustrações dos anos 20 a 90. ‘’Escolhemos o objeto livro para mostrar como Iracema é um livro múltiplo. A forma pela qual se ilustra o romance nos mostra uma Iracema mais romântica, mais moderna, com traços econômicos, uma Iracema que parece que vem de Hollywood [...]”, aponta Lopes.
Em anexo, continua o historiador, ‘’o pensamento sobre a História do Ceará. Precisamos reestudar Iracema - que não é, somente, o índio idealizado; é muito mais. Alencar queria criar um mito fundador para a nação, um passado para o Brasil através de um índio heróico. Precisamos de uma imaginação nacional, essa é a grande questão. E ele fez essa imaginação a partir de uma imaginação cearense’’. Para Régis Lopes, José de Alencar quis estabelecer, pela maternidade indígena, uma relação de pertencimento entre brasileiros e Brasil. ‘’Iracema, hoje, é uma leitura que faz a gente pensar sobre a memória. Qual é a memória que vamos ter em relação ao nosso passado?’, conclui, com a pergunta que não quer calar.
Regis Lopes – Diretor do Museu do Ceará/2005/ Jornal da poesia.
CURIOSIDADES
O maracujá é uma planta tipicamente brasileira, muito apreciada pelo sabor de seus frutos e pelo perfume de suas flores.
Estas flores, conhecidas como “Flores da Paixão”, foram antigamente muito apreciadas e celebradas como “as graças dos prados, brincos da natureza e devoção da piedade cristã”. Maracujá, na língua tupi, quer dizer “alimento dentro da cuia”. É mesmo na cuia, isto é, na própria casca, que o maracujá recebe total apreciação de norte a sul do país.
Com objetivos bem definidos, guiado por motivos muito claros e concretos, José de Alencar idealiza e escreve Iracema ( 1865 ). Esta não é uma obra isolada, fora de contexto ou nascida do sopro maravilhoso de alguma musa inspiradora. Faz parte de um grande projeto intelectual. 
Naquele momento histórico, os intelectuais brasileiros, assim como muitos outros americanos, estavam procurando o rosto, a alma da nação. Os traços desse espírito coletivo e indefinido precisava ser delineado. Era necessário criar o espelho no qual os povos do Novo Mundo pudessem reconhecer-se. 
Duas culturas estavam em evidente choque: a do colonizador e a do indígena. A História estava sendo escrita a cada instante, como resultado direto daquele confronto. 
Na tentativa de esboçar esse sentimento, essa noção de pátria, os intelectuais descobriram uma realidade inegável: não existia um lastro cultural e, nas regiões onde o desenvolvimento indígena tinha sido significativo, aquilo que existia não era suficiente para definir o rosto da nova nação. Os brasileiros, os americanos em geral, deparavam-se com a dura verdade: eram mais europeus que indígenas. 
O grande projeto de José de Alencar, dos indianistas em geral, era criar uma base cultural, um lago-espelho que refletisse a alma e o rosto do povo brasileiro. Assim, ele constrói uma obra que se transforma na melhor expressão da literatura indianista. 
Em Iracema, existe uma mitificação da história, um toque épico, que populariza a obra, permitindo que o leitor se identifique com ela. 
O autor, num claro esforço para fundamentar historicamente seu trabalho, movimenta-se em dois planos. Por um lado, temos uma narração linear, onde as personagens vivem, amam, lutam, sofrem e morrem, rodeados por um ambiente exuberante, mágico, natural, colorido como só na mãe pátria pode existir. Por outro, no rodapé, e não menos importante, o autor insere notas que fundamentam e justificam fatos, palavras, expressões. Está resgatando, criando, nessas notas, a linguagem de um povo. Não é um processo muito claro. Em alguns casos, como no nome Iracema, existe um pensamento europeu levado para a linguagem indígena e forçando a criação da nova palavra. 
Essas notas cerceiam, em muitos momentos, a liberdade de leitura e interpretação. Podemos ignorá-las e partir para as peripécias, aventuras e desventuras das personagens ou aceitar o jogo do autor e intercalar a leitura das notas. Com certeza serão duas leituras completamente diferentes. 
Interferindo no prólogo, durante a narração e depois do texto, José de Alencar parece temer por uma interpretação errônea da história. Com isso, ele reconhece a incapacidade do seu texto para defender-se e caminhar sozinho pela imaginação do leitor. 
Iracema, “lábios de mel”, será o modelo de mulher para a pátria brasileira. Mais que indígena, ela parece responder a conceitos europeus, apesar de estar revestida com elementos próprios do solo americano. Ela é descrita dentro dos padrões que a nossa cultura cristã e ocidental determinam, tanto no sentido ético como no estético. Mesmo assim, ela serve como catalisador das características que irão definir a brasilidade.


A história serve como cenário para legitimar algumas ações e para criar, principalmente, aproveitando o choque de culturas, o suporte de uma cultura brasileira.
 
De acordo com o ângulo focado podemos chegar a uma interpretação ou, mudando o foco, a outra totalmente diferente. Para começar, Iracema é um anagrama de América, conforme já havia sido dito por Ribeiro Couto, com toda a carga de simbolismos que possa ser imaginada. Iracema (América) no seu primeiro encontro com o conquistador Martim, tem uma reação defensiva que, rapidamente, transforma-se em arrependimento perante a cordialidade do invasor. Nesse preciso instante, começa a submissão de Iracema e de toda uma raça. A vitória da raça branca sobre os índios será só questão de tempo, principalmente devido ao poder militar e tecnológico que os estrangeiros tinham. Mas a entrega pura e simples, sem tentar lutar, transforma o ato da conquista num momento de humilhação, de degradação. 
Entre Iracema e o homem branco surge uma atração que, pouco a pouco, desviam a virgem, servidora de Tupã, do seu caminho, do seu destino. Ela acaba negando sua raça, religião, cultura, participando, por omissão, da morte dos seus irmãos, submetendo-se ao desejo do homem branco, enganando a confiança do seu povo, aceitando passivamente as normas de uma cultura estranha. Gerando um filho, Moacir, que será a culminação dessa união, não muito eqüitativa, pois a todo instante prevalecem as necessidades, prioridades e desejos de Martim. Cumprida a sua missão, morre. 
Os outros indígenas estão fadados à morte ou à submissão, a dobrar os joelhos e aceitar a força e a persuasão do invasor. Alguns deles, como Poti, o pitiguara amigo de Martim, muda até o nome, passando a ser chamado Antônio Felipe Camarão. Esse novo nome segue uma norma: o nome do santo do dia (Santo Antônio), o nome do rei ao qual servirá (Felipe) e a tradução de seu nome nativo (Camarão). 
Mas, apelando ao seu romantismo, José de Alencar mostra indígenas bonitos, principalmente quando fala de Iracema, saudáveis, cheios de energias e em perfeita comunhão com o seu meio ambiente. 
Iracema é apresentada como modelo de feminilidade, de beleza, confundindo-se com a exuberante natureza. Só perde sua rebeldia, sua coragem, sua agressividade quando está com o seu amado. Ele consegue dominar seus impulsos, seu pensamento. Iracema perde seu poder de decisão, sua liberdade de agir e de pensar. 
Martim é apresentado como o símbolo do homem cordial, o gentil conquistador de terras e corações, que fraternalmente toma conta de tudo 
As peripécias do casal podem, perfeitamente, simbolizar a ação da conquista da América. Com a cruz e a espada, com a cordialidade e a agressividade, tudo dosado e calculado, o branco tomou posse da terra, destruiu culturas, arrasou comunidades inteiras e tentou vender a imagem de que tudo não passava de um esforço de evangelização e civilização. 
Nessa relação homem-mulher, Iracema (América) passa de um papel protagonista para uma atuação secundária, resignando-se a ser a esposa fiel, obediente e submissa, cumprindo religiosamente com seu papel de mulher ocidental, sofrendo no momento da maternidade, mas fazendo tudo para dar ao seu amado o herdeiro. 
Essa transformação de Iracema é dolorosa. Ela vive vários dilemas, todos eles tendo como centro o homem que ama. 
Há, em toda a obra, uma clara desumanização do índio, respondendo em muitos momentos a arquétipos. Percebe-se, também, um claro maniqueísmo, um jogo no qual os índios que resistem são maus, sanguinários, mal-intencionados e sempre prontos para agredir e destruir tudo aquilo que existe de bom na civilização. 
Encontramos em Iracema, diversos elementos que, no futuro, funcionariam como rótulos para a população indígena. Parece que as sementes que destruiriam, humilhando e maltratando, as comunidades indígenas, foram lançadas já no primeiro encontro entre conquistadores e conquistados. 
Moacir, filho da dor, o primeiro cearense, será como uma síntese do encontro desses dois povos diferentes. Essa miscigenação, que alguns consideram um fator negativo, será uma característica marcante em todas as nações americanas, com maior ou menor incidência, dependendo da região. 
A mulher, mesmo fantasiada de índia selvagem, é dócil, submissa, consciente da sua função de reprodutora e do papel secundário que lhe restou. 
O branco, superior, preparado, cristão cordial e elegante nos seus gestos, é o lado positivo, o lado iluminado. 
O índio é inferior, caiu antes mesmo de lutar; deve acatar, obedecer aos mandamentos dos conquistadores, sucumbindo e aceitando, quase sem resistências, o domínio, a cultura, a religião e os costumes estrangeiros. Além de ceder suas terras, entregar sua alma. Moacir , mameluco, não é branco nem índio, será a base de uma nova raça, de uma pátria incipiente que tenta criar sua história. 
É injusto que hoje, comodamente instalados numa ponta do tempo, com muita informação e perspectiva, julguemos, condenando ou não, o projeto ambicioso e arrojado, para aquele momento de José de Alencar e outros autores. Devemos lembrar que, com exceção da deslumbrante natureza, pouco ou nada existia da pátria. Ela, como quase tudo, estava sendo construída. 
Iracema continuará reclamando olhos e mentes pensantes, pois nas suas páginas encontramos os elementos básicos da nacionalidade brasileira. É uma lenda que não explica tudo, mas permite pensar, investigar e concluir sobre muitos aspectos da nação, a maioria deles com reflexos em nossos dias. Só por isso vale a pena ler e reler a obra. 

BIBLIOGRAFIA 
ALENCAR, José de. Iracema. 8a edição, São Paulo, Ática, 1978. 
RIBEIRO, Luís Felipe. Mulheres de papel: Um estudo do imaginário em José de Alencar e Machado de Assis. Niterói, EDUFF, 1996, p.217 – 226 
SANTIAGO, Silviano. Iracema, o coração indômito de Pindorama in Mota, Lourenço Dantas & Abdala Júnior, Benjamin (org.) Personae: grandes personagens da Literatura Brasileira. São Paulo. Editora Senac, 2001. 

2 comentários:

  1. Nesse artigo , podemos ver a história ''Iracema'', uma das obras da trilogia indianista de José Martiniano de Alencar, ou mais próximo falando, José de Alencar.
    Trilogia indianista, possui três obras, Iracema, O Guarani, Ubirajara.O três há o índio no núcleo, sendo idealizada. Com o princípio de uma nova formação da nação, uma nação igualitária, que não depende de etnia, nem nada.
    Porém, o utilizado nesse artigo é Iracema, conhecida como lenda do Ceará, publicado em 1865. É um romance que propõem reconhecer a lenda Cearense, pois Alencar nasceu no Ceará e também, porque o primeiro filho da suposta ''virgem dos lábios de mel'' foi a primeira criança indígena a nascer em suas próprias terras,no Ceará, tendo assim logo uma ponte.
    Iracema, ou melhor, ''virgem dos lábios de mel'', pois antes dela conhecer Martim, pia de seu filho, era uma mulher pura, não havia pecado nela.
    Com o princípio de nosso fantástico autor, era formar uma nação, por exemplo, se usarmos as letras do nome ''Iracema'', formamos América, tendo logo uma reflexão e verificamos os mínimo detalhes e damos a entender essa formação de uma nova nação.
    Aluna:Bruna de Oliveira Monteiro
    Turma:901

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  2. Iracema, a famosa “virgem dos lábios de mel” brasileira do autor José de Alencar, traz em sua história muito além de um simples romance indianista.
    O principal objetivo para a criação da obra indianista é a intensa procura por uma identidade própria, a história de uma nação. Iracema no caso, seria a representação do verdadeiro povo brasileiro, os índios, em completa harmonia com a natureza excepcional que havia antes, e Martim, o europeu, colonizador e o filho Moacir, o resultado da miscigenação das duas culturas , o início de um novo povo brasileiro. Mas o outro ponto do vista é que existe uma submissão dos indígenas américas, uma vez que “ Iracema” é uma anagrama de América, e a índia já vira dócil e dependente do homem em questão, diferentemente das outras mulheres de José de Alencar em romances urbanos.
    Em uma tentativa de mostrar a criação da nova nação brasileira, há também uma dura realidade de submissão dos índios e aculturação ocorrida no choque das etnias. Após da dominação europeia no Brasil, o que se mais queria era ser um verdadeiro brasileiro, e essas grandes histórias que mostraram a nacionalidade criaram o caminho para muitas outras que vieram depois.

    Alessandra G. 801

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