sábado, 5 de julho de 2014

Te Contei, não ?- Literatura Africana

Não se pode falar da literatura africana sem se falar da "Negritude"; aliás, esta última constitui o tema fundamental da literatura africana.


A literatura africana de expressão portuguesa nasce de uma situação histórica originada no século XV, época em que os portugueses (cronistas, poetas, historiadores, escritores de viagens, homens de ciências e das grandes literaturas europeias) iniciaram a rota de África, continuando depois pela Ásia, Oceânia e América.
Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Diogo de Couto, Camões, Fernão Mendes Pinto, Damião de Góis, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira são alguns nomes cujo discurso é alimentado do "saber de experiência feito" alcançado a partir do século XV, em declínio já no século XVII) esgotado no século XVIII. A obra de Gil Vicente (século XVI) ou, embora escassamente, a de poetas do cancioneiros (séculos XIV e XV) ao lado das "coisas de folgar", foram marcadas pela expansão ao longo dos «bárbaros reinos». É uma literatura feita pelos portugueses, fruto da aventura no além-mar, no período renascentista, a que se denominou de literatura dos descobrimentos.
Esta literatura, nascida de uma experiência planetária, nada tem a ver com a literatura africana de língua portuguesa. Este registo serve apenas para contextualizar no passado factos relacionados com o quadro cultural, político que século depois havia de surgir.
Com efeito, a partir do século XV, inicia-se o processo de colonização em África, o que condiciona, séculos mais tarde, o aparecimento de nova literatura, a literatura colonial (1900-1939).
Em que difere a literatura colonial da literatura dos descobrimentos?
Enquanto a literatura dos descobrimentos se baseava no relato de viagens feito por navegadores, escritores, comerciantes, etc.., e narrava factos ocorridos ao longo dessas viagens, a literatura colonial retrata a vivência dos portugueses no além-mar. Nesta literatura, o centro do universo narrativo e poético é o homem europeu e não o homem africano. Era uma literatura profundamente racista, onde predominavam as ideias de inferioridade do homem negro, que teóricos racistas, como Gobineau, haviam derramado, e para as quais teria contribuído o filósofo Lévy Bruhl com a sua tese de mentalidade pré-lógica. Importa dizer ainda que, nesta literatura, a África era vista apenas como uma linda paisagem, ou um paraíso, e o protagonista dessa paisagem era o homem europeu. Trata-se, pois, de uma literatura caracterizada fundamentalmente pela exploração do homem pelo homem.
É preciso dizer que estes discursos racistas eram fruto da mentalidade da época, no ponto de vista político-social. Todavia, houve alguns escritores como João de Lemos (Almas Negras) e José Osório de Oliveira (“Roteiro de África”) que tentaram entender a mentalidade do homem negro, pois há nas suas obras uma intenção humanística.

São precisamente as duras e condenáveis características da literatura colonial, e os outros factores como a criação e desenvolvimento do ensino oficial e o alargamento do ensino particular, a liberdade de expressão, a instalação da imprensa (a partir da década de 40 do século XIX) que vão propulsionar o aparecimento de uma nova literatura a que se convencionou chamar de literatura africana de expressão portuguesa.
Com efeito, alguns anos mais tarde, após a instalação da imprensa em Angola, ocorre a publicação do livroEspontaneidade da minha alma” (1949) do angolano mestiço José da Silva Maia Ferreira, o primeiro livro impresso na África lusófona, mas não a mais antiga obra do autor africano. Anterior a esta, há conhecimento do poemeto da cabo-verdiana Antónia Gertrudes Pusish, "Elegia à memória das infelizes vítimas assassinadas por Francisco de Mattos Lobo, na noute de 25 de Junho de 1844”, publicado em Lisboa no mesmo ano.
A literatura africana, como um conjunto de obras literárias que traduzem uma certa africanidade, toma esta designação porque a África é o motivo da sua mensagem ao mundo, porque os processos técnicos da sua escrita se erguem contra o modismo europeu e europeizante. John chamou-a de literatura Neo-africana por ser escrita em línguas europeias e para diferenciá-la da literatura oral produzida em língua africana. Nesta literatura, o centro do universo deixa de ser o homem europeu e passa a ser o homem africano.
É necessário frisar que este tipo de literatura, chamada literatura africana de expressão portuguesa, ganha uma nova especialização, tomando a designação de literatura de raiz africana. Esta literatura teve a sua origem através do confronto, da rebelião literária, linguística e ideológica, da tomada de consciência revolucionária a partir da década de 40 (século XIX). Importa referir que era uma literatura dirigida particularmente aos africanos e escrita em línguas locais em mistura com o "português", pois o propósito era tornar a escrita inacessível aos europeus, isto é, não permitir ao homem branco descodificar as suas mensagens. Daí a introdução nas obras de poetas angolanos (Agostinho Neto, António Jacinto, Pinto de Andrade, Luandino Vieira, etc.) de palavras e frase idiomáticas em quimbundo e umbundo, e em muitos outros autores africanos como Mutimati Bernabé João (Moçambicano).
Esta fase vai de meados da década de 40 até às independências (meados da década de 70). A vida verdadeira de Domingo Chavier” de Luandino Vieira e Sagrada esperança” de Agostinho Neto são textos impregnados de marcas visíveis da revolta política que mais se traduzem nos quatros cantos do mundo.
A literatura africana combate o exotismo sob todas as formas, quer se apresente recuperando narrativas tradicionais, quer utilize ritmos significantes emprestados das culturas populares.

Nilton Garrido - SEUC Sec - Turma SA

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