terça-feira, 22 de julho de 2014

Te Contei, não ? - Um tributo à criatividade

RIO — Se a pessoa não estiver com muita pressa ou com os olhos grudados no celular, é quase impossível andar pelo Centro e não esbarrar num chafariz ou na estátua de alguém marcante na história do país. Essa característica reflete, em parte, o papel do Rio como palco de inúmeros acontecimentos culturais e políticos do Brasil. Mas essa marca nacional não explica tudo. A capital poderia pleitear também o status de cidade com o maior número de monumentos dedicados à memória das artes — muitos deles, ao alcance das mãos.



MAIOR PARTE ESTÁ NO CENTRO

Com base no catálogo digital dessas obras, que passam por uma nova recontagem, feita pela prefeitura, O GLOBO identificou os bairros em que elas estão, as datas de inauguração e os mais homenageados nas praças, avenidas e ruas. O levantamento mostra que mais da metade dos monumentos pode ser classificada como “arte pública”, que, na denominação do governo municipal, refere-se a objetos, construções e peças que adornam os espaços públicos. Foram classificados assim por seu valor histórico ou artístico. É o caso dos Arcos da Lapa, do portal da Quinta da Boa Vista e dos inúmeros chafarizes da cidade.


A outra parte dos monumentos é formada basicamente por obras dedicadas a homenagear personalidades. São peças que fazem referência a figuras públicas que participaram da nossa história cultural, política ou religiosa. A grande surpresa é que, nesse grupo, os artistas e escritores aparecem em primeiro lugar, com a maior proporção de monumentos: 21,7%. Para onde se olha, é possível encontrar uma referência a um grande escritor, poeta, pintor ou músico. Mas há também um grande número de homenageados de outras áreas. Os políticos (17,9%) representam a segunda categoria mais lembrada, seguida de militares (14,1%) e religiosos (13,6%).


Homenagem ao presidente Juscelino Kubitschek na Cinelândia - Custódio Coimbra / Agência O Globo
— Achava que os militares e os grandes nomes da nossa história política predominavam. De qualquer modo, isso explica como o Rio é, sem dúvida, a capital cultural do país. O Rio inventou a marchinha, o samba na Praça Onze, o chorinho. Tivemos aqui a Rádio Nacional, grandes escritores e artistas conhecidos nacionalmente. Muito da vida cultural e artística do país começou aqui. Temos um verdadeiro museu a céu aberto na cidade — diz João Baptista Ferreira de Mello, coordenador dos Roteiros Geográficos do Rio/Uerj, projeto que organiza passeios por bairros cariocas.

A distribuição dessas obras seguiu a lógica da urbanização do Rio. O Centro concentra a maior proporção de monumentos (considerando todas as categorias): 40,3%. Em seguida vêm Botafogo (10,7%), Glória e Copacabana, ambos com 7%. O historiador Nireu Cavalcanti conta que os primeiros monumentos foram os chafarizes, porque até a legislação de 1883 era proibido instalar obras em homenagem a pessoas. Segundo ele, os chafarizes, quase sempre, tinham peças de artistas que se interessavam em expor suas obras no Centro, porque, “na época, o que era importante tinha que estar exposto nessa área da cidade”. Com a mudança das regras, o Rio passou a fazer referência nos seus monumentos a figuras públicas:
— O primeiro chafariz da cidade foi construído no Largo da Carioca. Infelizmente, ele já não existe mais. Os que se seguiram traziam sempre algum objeto ou obra de artistas. À medida que o perímetro urbano foi se expandindo, a instalação das obras seguiu essa lógica: Centro, Estácio, Catete e bairros da Zona Sul.


Levantamento mostra que o Centro tem 40% dos monumentos da cidade. Na Praça Tiradentes, obra em homenagem a Dom Pedro I - Custódio Coimbra / Agência O Globo
As classificações feitas pelo GLOBO, com apoio da equipe de conservação de monumentos do município, levaram em consideração 439 obras e construções. Elas fazem parte da primeira fase do projeto de nova catalogação, que vem sendo feita dos mais de 1.100 monumentos da cidade. Vera Dias, gerente de Monumentos e Chafarizes da prefeitura, explica que a recontagem é feita por conta da mudança no conceito de monumento. Possivelmente, ao fim desse trabalho, o Rio deverá ter mais obras do que o número atual.

— A ideia tradicional de monumento era a de que ele era uma homenagem a uma pessoa. Hoje o conceito inclui também bens naturais, como a pedra do Pão de Açúcar. O conceito se expandiu, envolvendo também aquilo que temos no espaço público e que preserva valores históricos e culturais de um lugar, como a Ladeira da Misericórdia ou a Escadaria do Selarón, por exemplo — explica Vera.

As mudanças, contudo, não se restringem ao conceito de monumento. No grupo dos homenageados do mundo das artes, especialistas confirmam que há alguns anos as figuras públicas lembradas nessas obras passaram a ser de artistas populares, quando, no passado, predominavam músicos eruditos, escritores e acadêmicos. Outra mudança tem sido na forma dos monumentos. Antes, as obras eram colocadas em altos pedestais, distantes do público. Atualmente, predominam as instaladas no plano das ruas, bem perto dos pedestres, como é o caso das estátuas de Carlos Drummond de Andrade, em Copacabana, e Noel Rosa, em Vila Isabel.

— Essa mudança foi fundamental para a interação das pessoas com os monumentos. Isso cria referência. Todo mundo passa a saber onde está determinada obra, quem são os artistas. Mas pode ocorrer de você ter um monumento instalado dessa forma num local que poucas pessoas sabem ou veem. É o caso do monumento em homenagem a Braguinha, na Praça Demétrio Ribeiro, em Copacabana. Ela está num local de passagem de carros, onde poucos pedestres têm a oportunidade de interagir com a obra. Seria importantíssimo mudar sua localização — diz João Baptista.

DEPREDAÇÕES E ROUBO DE PEÇAS

A possibilidade de maior interação com as obras causa também problemas, como depredações e roubos de peças. Atualmente, a prefeitura gasta R$ 1 milhão com limpeza, pintura, reparos e confecção de pedestais, além de R$ 1,5 milhão com limpeza, pintura e substituição de peças de chafarizes. Mesmo assim, é fácil encontrar monumentos depredados. Na Praça Tiradentes, recentemente reformada, cinco tampas de ferro da fiação das luminárias já foram furtadas. Duas placas de pedra também foram levadas. Na Praça Deodoro, também no Centro, mendigos usam o monumento como varal e banheiro.

Na comparação entre as décadas, o levantamento mostra que, a partir do século XX, há uma queda no número de monumentos inaugurados e, a partir dos anos 60, um aumento significativo, até o fim dos anos 70. A partir daí, o volume de novas obras inauguradas cai, voltando a crescer novamente dos anos 90 em diante. Vera Dias explica que o aumento nos anos 60 tem relação com as comemorações pelos 400 anos da cidade. Ela conta que, toda vez que o município ou o país passa por alguma data marcante, cresce o número de monumentos. Isso deve ocorrer em 2015, com os 450 anos do Rio.

— Muitas instituições ou países querem homenagear a cidade. Foi isso que aconteceu em meados dos anos 60, quando tivemos muitas obras inauguradas. Já o decréscimo nos anos 80 tem a ver com a crise econômica do país. Quando houve melhora na economia, já nos anos 90, voltamos a ter mais monumentos — diz.



Nenhum comentário:

Postar um comentário