Não fosse o fato de João Gilberto não apreciar tabaco, “Corcovado” começaria com “Um cigarro, um violão”. E sem a intransigência de Marcel Camus (diretor de “Orfeu negro”, adaptação para o cinema do musical “Orfeu da Conceição”) exigindo mudanças nos versos de Vinicius de Moraes, a comparação da felicidade com a gota de orvalho numa pétala de flor de “A felicidade” nunca existiria (“me diz quando eu posso dar um chute na bunda desse francês”, escreveu Tom Jobim para seu parceiro, irritado com as solicitações do cineasta). Curiosidades como essas temperam o recém-lançado “História de canções — Tom Jobim” (Leya), de Wagner Homem e Luiz Roberto Oliveira.
Com um texto direto e simples, o livro traz exatamente o que promete seu título: informações sobre as músicas de Tom, que vão desde como elas foram compostas e suas musas inspiradoras, até curiosidades sobre a gravação. Tudo didaticamente organizado de forma cronológica, acompanhando a discografia do artista.
As musas e as músicas
Mais que trazer revelações, “História de canções” tem o mérito de organizar, separando pelas músicas o material que já existe em diversos livros publicados sobre o maestro:
— É muito difícil falar do Tom, porque 18 anos após sua morte, o que tinha que ser publicado sobre ele já foi — explica Wagner. — Fizemos muita pesquisa, entrevistas (com personagens como Ana Lontra Jobim, Carlos Lyra, Paulo Jobim, Pery Ribeiro, Roberto Menescal) e investigamos muito o acervo do Instituto Tom Jobim para acharmos histórias diferentes. Mas o grosso mesmo é de informação que já circulava em livros de Ruy Castro, Helena Jobim, Sérgio Cabral e outros.
Dos detalhes novos que descobriu, Wagner destaca curiosidades sobre o álbum “Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim”:
— Vimos documentos no acervo do Instituto Tom Jobim que mostram que Tom e representantes de Sinatra já negociavam um disco com os dois desde 1964 (o disco sairia em 1967). Então, a lendária ligação que Tom recebeu de Sinatra no Veloso, convidando-o para gravar, pode ter sido uma surpresa para todos, mas não para o maestro — brinca o autor.
O livro é o quarto da série “História de canções” — os outros três foram sobre Chico Buarque, Toquinho e Paulo César Pinheiro (escrito pelo próprio compositor). A ideia original era de um livro, o de Chico — Wagner é o responsável por organizar o site oficial do cantor, e o desdobramento daquele trabalho num livro foi natural. A ideia foi bem recebida e gerou filhos.
— As pessoas têm muito interesse em saber de onde veio aquela música que faz parte da vida delas. E o livro tem esse caráter de referência também. No caso de Tom, Luiz Roberto Oliveira, que é músico, pôs bastante material sobre os músicos que tocam nos discos, por exemplo (“Só tinha de ser com você”, conta o livro, foi a primeira música que Tom cantou publicamente e a primeira gravação de Dori Caymmi) — diz Wagner. — Às vezes as pessoas se decepcionam ao saber, por exemplo, que “Dindi” não é uma mulher, e sim uma estradinha, um caminho. Mas muito do interesse dos fãs vem de saber para que mulher foi feita aquela música.
O livro fala de musas de canções como “Lígia”, “Tereza da praia”, “Ângela” e “Luiza”. “Luiza” foi feita para a trilha da novela “Brilhante”, inspirada na atriz Vera Fischer e em seus cabelos louros — música gravada, Tom foi surpreendido ao vê-la aparecer na TV morena e com os cabelos encaracolados. Ana Lontra, que se tornaria mulher de Tom, é a inspiradora de “Ângela” — a troca do nome teve a ver com o fato de o maestro, na época em que compôs a música, ainda ser casado com Helena. “Lígia” viria de outra história de amor complicada:
— Lygia veio a ser namorada e mulher do escritor Fernando Sabino. Tom não sabia que eles namoravam e uma vez ligou para a casa dele pedindo o telefone dela. Sabino deu o número errado e ligou para esse número avisando que Tom ia ligar, pedindo que dessem um outro número. E foi ligando para os outros números. Daí talvez tenha vindo o verso: “E quando eu lhe telefonei/ Desliguei, foi engano" — lembra Wagner. — E “Tereza da praia” deixou irritada Thereza, que namorava Tom na época. Apesar de o nome da música ter sido escolhido pelo parceiro Billy Blanco sem pensar nela, Thereza não gostou da associação porque, em suas palavras, “a moça da música é um tanto volúvel”.
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