Na quinta-feira 13, com termômetros registrando temperaturas abaixo de zero, a presidenta Dilma Rousseff afirmou, em Moscou, que não tem mais o que fazer para evitar que haja rompimento de contratos já estabelecidos na questão da distribuição dos royalties do petróleo. A declaração da presidenta foi a constatação de que em pleno Congresso Nacional está se promovendo uma manobra que joga contra o Brasil e que tem potencial para abalar de forma irreversível as finanças de Estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, principalmente os dois primeiros por serem os maiores produtores de petróleo no momento. Além de indiretamente abalar a confiança de investidores internacionais, que exigem regras definidas e imutáveis para aportar seus recursos no País, a alteração proposta pelo Congresso representa uma bárbara sangria nos cofres dos Estados produtores. Para preservar as finanças desses Estados e demonstrar ao mercado internacional que no Brasil os contratos são cumpridos, a presidenta Dilma vetou, no mês passado, os artigos que alteravam a distribuição dos recursos provenientes dos campos petrolíferos já em operação. Na quarta-feira 12, porém, deputados e senadores ignoraram a Constituição, pisotearam nos trâmites administrativos da Câmara e do Senado e aprovaram um regime de urgência para apreciar os vetos propostos pela presidenta. Assim, abriram a possibilidade de na próxima semana derrubar os vetos de Dilma e criar uma legislação que altera os contratos em vigor. “Eu não tenho mais o que fazer”, alertou a presidenta. “Não há gesto mais forte do que o veto. Agora, que todos votem de acordo com sua consciência”, afirmou Dilma.
É tradição do Congresso que os vetos presidenciais sejam votados em ordem de chegada no Parlamento, o que colocaria a questão dos royalties no fim de uma fila com mais de dois mil casos pendentes. Mas a questão não se resume à tradição legislativa. O artigo 66 da Constituição estabelece um prazo de 30 dias para que o Congresso vote para definir sobre a manutenção ou não de vetos que o Executivo venha a fazer em projetos aprovados pelo Legislativo. “Houve uma manobra inusitada na história do Congresso. Desde a redemocratização do Brasil, desde a Constituição de 1988, nunca houve uma situação em que tenha tido um requerimento para urgência em um veto com menos de um mês”, afirma o governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro. A pressão para a aprovação do requerimento foi feita quando o presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), estava fora e a sessão era presidida pela deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), que não suportou a ação dos mais veteranos. Depois de aprovado o requerimento, a deputada entrou em contato com Sarney e lhe pediu para não colocar a questão em discussão na próxima semana. “Esse assunto tem que ser votado só no ano que vem”, disse a deputada. “Ainda há espaço para a negociação, com a participação da presidenta Dilma”.
A bancada do Rio de Janeiro fez uma leitura diferente e interpretou a declaração de Dilma em Moscou como um recado para a imediata busca de outros caminhos. Os deputados Leonardo Picciani (PMDB-RJ) e Alessandro Molon (PT-RJ) e o senador Lindberg Farias (PT-RJ) protocolaram dois mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal com o intuito de tornar sem efeito o requerimento de urgência aprovado no Congresso. A decisão inicial caberá ao ministro relator, Luiz Fux, que também é do Rio de Janeiro. “Está havendo uma barbaridade. Não existe isso de se passar um veto na frente do outro”, afirma o senador Lindberg. “O Congresso não dispõe de liberdade para alterar a conformação básica do procedimento de apreciação dos vetos, introduzindo um regime de urgência sem nenhum amparo constitucional”, completou o deputado Molon.
Ainda que o ministro Fux decida a favor dos parlamentares fluminenses, não há nenhum sinal de que possa haver uma solução negociada no Congresso. Trata-se apenas de uma questão de tempo. Deputados e senadores de outros Estados que não Rio, Espírito Santo e São Paulo parecem dispostos a não aceitar nenhum tipo de argumento que não o de engrossar os cofres de suas bases eleitorais. Por causa disso, a decisão final sobre a distribuição dos royalties das áreas já em exploração deverá mesmo ficar a cargo do Judiciário. O governador Sérgio Cabral já prepara uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para dar entrada no STF tão logo o Congresso derrube os vetos feitos pela presidenta Dilma. “Se os vetos forem derrubados, entraremos imediatamente com a ação, pois o STF é o guardião da Constituição e não iremos tolerar um golpe”, afirma Cabral.
Fotos: Ailton de Freitas/Ag. O Globo; Pedro Ladeira/Frame
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