quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Te Contei, não ? - Memória encarcerada


Palácio. Em obras de recuperação da fachada e do telhado, o prédio eclético de três andares que abrigou o Dops, na Rua da Relação, é vizinho da atual sede da Polícia Civil (ao fundo, à direita)
Foto: Foto: Carlos IvanDois projetos para um só prédio. Enquanto a Polícia Civil arquiteta a reforma do Palácio da Polícia Central, no Centro, antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), para a criação de dez lojas e 18 salas comerciais, entidades de direitos humanos e a Comissão Nacional da Verdade, ligada à Presidência da República, reivindicam que a construção abrigue um memorial da repressão no Brasil. O prédio na Rua da Relação 40, um dos principais destinos dos presos políticos na ditadura de Getúlio Vargas e no regime militar, segundo o projeto da polícia, manteria traços desse passado apenas no segundo andar: lá seria preservada e aberta para visitação a carceragem que recebeu nomes como Olga Benário e Luís Carlos Prestes. Mas, para ex-presos políticos e entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), o uso comercial significa apagar parte da história política do país.
No mesmo pavimento da carceragem, segundo o subchefe de Polícia Civil, delegado Sérgio Caldas, ficariam o Museu da Polícia Civil — que funcionou no espaço entre 1999 e 2010 —, um auditório para uso da corporação e um gabinete simbólico do chefe de Polícia, além de sete salas comerciais para locação. No andar abaixo, haveria mais 11 salas do mesmo tipo e um café. No térreo, seriam criadas dez lojas para aluguel a restaurantes e outras atividades comerciais, e haveria 3 quiosques.
— É um prédio que tem muito a dar em termos de história, mas também em interação com a comunidade e em recursos financeiros para nossa manutenção. No térreo, teremos salões de beleza, restaurantes, papelarias, coisas úteis para quem vai transitar ali — diz Caldas. — A carceragem será reformada, preservando as características originais. Luiz Fernando Pezão (vice-governador) entende que o caráter histórico vai ser respeitado no nosso projeto.
Vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, que ficou presa no Dops e foi torturada em uma de suas salas de interrogatório, classifica o projeto de perversidade histórica:
— É uma política para promover o esquecimento, uma junção de shopping com o Museu da Polícia. Inimaginável no momento em que o governo federal tenta esclarecer o período da ditadura.
Destino indefinido, segundo estado
Ainda segundo Caldas, o governo estadual dará isenção fiscal às empresas que financiarem a reforma interna do prédio, orçada em R$ 7 milhões. Ela foi elaborada pela construtora WTorre, que toca as obras na fachada e no telhado da edificação, como parte das melhorias no entorno das torres erguidas pela empresa para abrigar a Petrobras, ali ao lado. Aprovado pela chefe da Polícia Civil, a delegada Martha Rocha, o projeto seguirá para avaliação do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, que tombou o prédio em 1987.
Coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Claudio Fonteles encaminhou em outubro ofícios ao governador Sérgio Cabral e ao prefeito Eduardo Paes recomendando que o prédio deixasse de abrigar o Museu da Polícia Civil — que saiu para as obras da WTorre — e fosse convertido num memorial, com atividades culturais. Fonteles não teve resposta. Para ele, não há sentido em fazer ali um negócio privado:
— Lamento profundamente. Temos que usar esse prédio para marcar nosso repúdio ao estado ditatorial militar.
O governo estadual confirmou, em nota, que recebeu a solicitação e informou: “Esse imóvel está afetado ao uso da Polícia Civil, que pretende transformá-lo num museu, mas para o qual não há ainda projeto. O governo ainda não definiu a destinação do prédio”. O prefeito não comentou a questão.
Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous pede que o estado abra um debate amplo sobre o futuro do prédio:
— Juridicamente, ele pertence à polícia, mas politicamente pertence à história do país. Falta essa sensibilidade.
As entidades querem evitar um desfecho parecido com o do presídio Punta Carretas, em Montevidéu, que recebia os opositores da ditadura uruguaia e foi transformado num shopping

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