O pico do Jaraguá, na zona oeste de São Paulo, já foi o lugar que recebeu as antenas de TV da cidade. Muito antes disso, era o cenário da primeira mina de ouro do Brasil colônia. A exploração do minério chegou ao extremo sul do país quase dois séculos antes de descobrirem metais preciosos e diamantes na futura Minas Gerais
Texto Marcus Lopes | Ilustração Eduardo Belga | 05/12/2012 16h40
A busca pelo ouro e outras riquezas minerais norteou as primeiras aventuras ibéricas no Novo Mundo. Na carta enviada ao rei de Portugal informando sobre o descobrimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha lamentava o fato de não ter encontrado ouro ou prata nas novas terras. Anos depois, o governador-geral Martim Afonso de Sousa enviou expedições mata adentro em busca de metais e pedras preciosas. Sem sucesso. Mais sorte deram os espanhóis, que acharam prata no Peru, em 1545. No Brasil, as boas notícias só começaram após o início da colonização do planalto. As primeiras descobertas de ouro não foram em Minas Gerais, mas no Pico do Jaraguá, em São Paulo. Conhecido por ser o ponto mais alto da região metropolitana, com 1 135 m de altitude (o que justifica as antigas antenas de televisão espetadas no cume), hoje as pessoas escalam o morro em busca de um mirante para ver a paisagem da capital paulista. No final do século 16, porém, elas eram atraídas por outra beleza: a do ouro.
Muito antes do ciclo do ouro ocorrido em Minas Gerais, no século 18, o Jaraguá atiçava a cobiça dos mineradores por abrigar jazidas do minério. Não só ali, mas em outros pontos da atual Grande São Paulo, como a Serra da Cantareira, Guarulhos e Santana de Parnaíba. No Ribeirão das Lavras, região onde séculos depois seria construído o Aeroporto Internacional de Guarulhos (Cumbica), havia um garimpo que funcionou até o século 19. Depois, os exploradores foram descendo pelo Vale do Ribeira em direção a Paranaguá, no Paraná, e ao norte catarinense. "Onde havia aldeias de índios geralmente havia ouro por perto", explica o arquiteto e historiador Nestor Goulart Reis, professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que catalogou 150 minas de ouro localizadas entre São Paulo e o norte de Santa Catarina. Para dar conta da movimentação e evitar a sonegação de impostos, no final do século 17, havia três casas de fundição nas capitanias do sul: em São Paulo, Iguape e Paranaguá. Fundadas pela Coroa portuguesa, as casas de fundição eram as responsáveis pela cobrança do "quinto" ¿ o imposto sobre a mineração do ouro. Apenas em terras paulistas foram extraídas 4 650 arrobas de ouro entre 1600 e 1820. É pouco se comparadas às 35,8 mil arrobas produzidas em Minas Gerais entre 1700 e 1820. Mas, se não ganharam em quantidade, os paulistas podem se orgulhar de abrigar as primeiras minas para a exploração do minério na colônia.
"A mineração no Brasil começou em São Paulo, e não em Minas Gerais", explica Goulart Reis. Os primeiros registros sobre o minério começaram logo após a fundação de São Vicente, em 1532. Em cartas à Lisboa, os padres jesuítas relatavam a existência da "itaberaba" (pedra que brilha, em tupi), que os índios traziam do planalto para o litoral. O corsário inglês Thomaz Cavendish, que atacou São Vicente em 1588 e 1591, teria recebido "itaberabas" que os índios trouxeram da Mutinga, local junto ao Rio Tietê, próximo do Morro do Jaraguá. Registros mais consistentes surgiram entre o fim do século 16 e o começo do 17. Em 1604, o garimpeiro sertanista Clemente Álvares informou à Câmara da Vila de São Paulo que desde 1592 vinha explorando ouro nas regiões do Jaraguá e Cantareira. Em 1604, o mercador português Afonso Sardinha, o Velho, declarou, em seu testamento, 800 mil cruzados em ouro em pó (enterrados em botelhas de barro). Já em 1599, época da união ibérica entre Portugal e Espanha, o governador-geral do Brasil, dom Francisco de Sousa, por ordem da Coroa espanhola, passou um período na vila de São Paulo, atraído por notícias de ouro e ferro na região. "O que poderia levar um governador-geral a trocar uma cidade como Salvador, que já tinha 10 mil habitantes, por um lugar que possuía 180 habitantes, entre portugueses e mestiços?", indaga Goulart Reis, que até o fim do ano lançará o livro As Minas de Ouro e a Formação das Capitanias do Sul. Ao explorar o processo de mineração nas capitanias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, entre os séculos 16 e 19, o pesquisador trouxe à tona informações pouco conhecidas do público e dos próprios historiadores.
"A mineração no Brasil começou em São Paulo, e não em Minas Gerais", explica Goulart Reis. Os primeiros registros sobre o minério começaram logo após a fundação de São Vicente, em 1532. Em cartas à Lisboa, os padres jesuítas relatavam a existência da "itaberaba" (pedra que brilha, em tupi), que os índios traziam do planalto para o litoral. O corsário inglês Thomaz Cavendish, que atacou São Vicente em 1588 e 1591, teria recebido "itaberabas" que os índios trouxeram da Mutinga, local junto ao Rio Tietê, próximo do Morro do Jaraguá. Registros mais consistentes surgiram entre o fim do século 16 e o começo do 17. Em 1604, o garimpeiro sertanista Clemente Álvares informou à Câmara da Vila de São Paulo que desde 1592 vinha explorando ouro nas regiões do Jaraguá e Cantareira. Em 1604, o mercador português Afonso Sardinha, o Velho, declarou, em seu testamento, 800 mil cruzados em ouro em pó (enterrados em botelhas de barro). Já em 1599, época da união ibérica entre Portugal e Espanha, o governador-geral do Brasil, dom Francisco de Sousa, por ordem da Coroa espanhola, passou um período na vila de São Paulo, atraído por notícias de ouro e ferro na região. "O que poderia levar um governador-geral a trocar uma cidade como Salvador, que já tinha 10 mil habitantes, por um lugar que possuía 180 habitantes, entre portugueses e mestiços?", indaga Goulart Reis, que até o fim do ano lançará o livro As Minas de Ouro e a Formação das Capitanias do Sul. Ao explorar o processo de mineração nas capitanias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, entre os séculos 16 e 19, o pesquisador trouxe à tona informações pouco conhecidas do público e dos próprios historiadores.
Os jesuítas, por exemplo, foram donos de minas de ouro descobertas em fazendas da Companhia de Jesus em São Miguel Paulista, Santo Amaro e Embu-Guaçu. As lavras nesses locais foram abandonadas após a expulsão dos jesuítas pelo marquês de Pombal, em 1759. A mão de obra utilizada nas lavras das capitanias do sul era a indígena, que usava métodos rudimentares de mineração, como o bateiamento. Porém, com uma novidade: eram assalariados. "Essa ideia de que todo índio era escravo é mentira", diz Reis. O pagamento era feito com utensílios de ferro (anzóis, enxadas e machadinhas), novidade trazida pelos portugueses. Junto com a exploração do ouro surgiu outra atividade econômica importante na São Paulo seiscentista: a busca por ferro. "Desde os primeiros tempos da colonização houve em São Paulo uma atividade mineradora constante, e não foi só de ouro", explica o jornalista Jorge Caldeira, autor de O Banqueiro do Sertão. No livro, Caldeira conta a trajetória do padre Guilherme Pompeu de Almeida (1656-1713), um negociante paulista que emprestava dinheiro aos exploradores do ouro e virou banqueiro.
Filho de um industrial da época, também chamado Guilherme Pompeu de Almeida, o padre almejava um posto na Companhia de Jesus, mas casou-se com uma índia e virou um dos maiores capitalistas da época. Para ter uma ideia da riqueza, em sua casa em Araçariguama, nos arredores de Santana de Parnaíba, havia 100 camas para abrigar os hóspedes, cada uma com um penico de prata embaixo.
Segundo Caldeira, a febre do ouro no sul do Brasil ainda é pouco conhecida. "Estuda-se pouco o período e com certo preconceito", diz. Ele cita a ideia de que São Paulo era, no século 17, uma capitania pobre, com comércio ralo e praticamente desabitada. "Havia uma economia dinâmica e um mercado interno importante", diz Caldeira, citando o pai do padre Guilherme, dono de uma fundição na região conhecida como Morro do Voturuna, em Santana de Parnaíba. "Ele produziu ferro em escala suficiente pra tornar-se um dos homens mais ricos de São Paulo sem nunca ter de exportar nada, atendendo apenas ao mercado interno e, eventualmente, ao Rio de Janeiro". Já o filho padre deixou em testamento para os jesuítas uma fortuna que incluía 115 kg de prata. Goulart Reis concorda com Caldeira: "Em 1700, as capitanias do sul possuíam a mesma quantidade de vilas e cidades do norte, que englobava a Bahia e Pernambuco". "Isso se deve à mineração, ao trigo e ao comércio." Em dois anos de pesquisas, Reis cruzou informações e transportou para o livro dados curiosos: o nome Bonsucesso, por exemplo, só aparecia em áreas de mineração. É o caso do bairro com esse nome em Guarulhos. A partir de 1697, com a descoberta de lavras em Minas Gerais, a mineração no sul começou a entrar em decadência. "Decaiu, mas não acabou", diz Goulart Reis, citando minas ativas no Vale do Ribeira e no entorno de Curitiba até o fim do século 18. No Jaraguá e na Cantareira, o garimpo ocorreu até o começo do século 19, assim como no interior do Rio Grande do Sul.
Saiba mais
LIVRO
O Banqueiro do Sertão, Jorge Caldeira, Editora Mameluco, 2006
Filho de um industrial da época, também chamado Guilherme Pompeu de Almeida, o padre almejava um posto na Companhia de Jesus, mas casou-se com uma índia e virou um dos maiores capitalistas da época. Para ter uma ideia da riqueza, em sua casa em Araçariguama, nos arredores de Santana de Parnaíba, havia 100 camas para abrigar os hóspedes, cada uma com um penico de prata embaixo.
Segundo Caldeira, a febre do ouro no sul do Brasil ainda é pouco conhecida. "Estuda-se pouco o período e com certo preconceito", diz. Ele cita a ideia de que São Paulo era, no século 17, uma capitania pobre, com comércio ralo e praticamente desabitada. "Havia uma economia dinâmica e um mercado interno importante", diz Caldeira, citando o pai do padre Guilherme, dono de uma fundição na região conhecida como Morro do Voturuna, em Santana de Parnaíba. "Ele produziu ferro em escala suficiente pra tornar-se um dos homens mais ricos de São Paulo sem nunca ter de exportar nada, atendendo apenas ao mercado interno e, eventualmente, ao Rio de Janeiro". Já o filho padre deixou em testamento para os jesuítas uma fortuna que incluía 115 kg de prata. Goulart Reis concorda com Caldeira: "Em 1700, as capitanias do sul possuíam a mesma quantidade de vilas e cidades do norte, que englobava a Bahia e Pernambuco". "Isso se deve à mineração, ao trigo e ao comércio." Em dois anos de pesquisas, Reis cruzou informações e transportou para o livro dados curiosos: o nome Bonsucesso, por exemplo, só aparecia em áreas de mineração. É o caso do bairro com esse nome em Guarulhos. A partir de 1697, com a descoberta de lavras em Minas Gerais, a mineração no sul começou a entrar em decadência. "Decaiu, mas não acabou", diz Goulart Reis, citando minas ativas no Vale do Ribeira e no entorno de Curitiba até o fim do século 18. No Jaraguá e na Cantareira, o garimpo ocorreu até o começo do século 19, assim como no interior do Rio Grande do Sul.
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LIVRO
O Banqueiro do Sertão, Jorge Caldeira, Editora Mameluco, 2006
Revista AVenturas na Historia
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