segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Te Contei, não ? - Herança a ser descoberta



A língua tupi, oral, mas felizmente registrada pelos colonizadores, é a principal herança pré-colombiana brasileira. É o que se tem para saber como os índios sentiam, falavam, sua visão de mundo, como eles enxergavam a terra na qual hoje habitamos. É importante porque esse discurso carrega um viés ecologista, ambiental, de sustentabilidade, para quem a terra era questão de vida ou morte. Visão essa que é esquecida porque não se sabe da sua origem, do significado das palavras e da sua importância pela falta de valorização das tradições culturais locais.
Tem-se a impressão de que à medida que o Brasil progrida, economicamente e, principalmente, do ponto de vista social e intelectual, haja um movimento de revalorização das coisas brasileiras e do passado. Ora, é parte do processo de afirmação de uma civilização que quer se fazer grandiosa e de respeito. Houve um movimento nesse sentido durante as décadas de 30, 40 e 50 dos 1900. Houve uma onda de tentativa de recuperação histórica do tupi na ocasião dos 500 de descobrimento do Brasil, mas depois parece que o interesse voltou aos meios acadêmicos. Fatalmente ocorrerá novamente com mais intensidade, embora aconteça atualmente ainda timidamente

Em março deste ano, por exemplo, foi escolhido o apelido/símbolo "Tupi" para a Seleção Brasileira de Rugby, um esporte ainda pouco difundido no Brasil - e por esse motivo também considerado por alguns como elitista. Em votação pela internet, 4.387 participantes (47,16%) foram a favor da adoção do Tupi. Para o presidente da Confederação Brasileira de Rugby (CBRu), Sami Arap, "a escolha popular ratificou as raízes do povo brasileiro. O Tupi representa a essência de nosso país, remetendo à garra, perseverança, lealdade e espírito de equipe. Agora, as nossas seleções estarão prontas para enfrentar e derrotar qualquer adversário".
A importância do tupi na língua falada diariamente por brasileiros do País todo pode ser quantificada. Estima-se que cerca de 20 mil vocábulos do português têm sua raiz no tupi. É só prestar atenção no vocabulário. Por exemplo, mutirão. Algo a ver com fraternidade iluminista? Vem do tupi (moti'rõ). "Auxílio gratuito que prestam uns aos outros os lavradores, reunindo-se todos os da redondeza e realizando o trabalho em proveito de um só, que é o beneficiado, mas que nesse dia faz as despesas de uma festa ou função. Esse trabalho pode ser a colheita, ou queima ou roçado, ou plantio, ou taipamento ou construção de uma casa." A fonte é o dicionário Aurélio.
Ou ainda no jeito de falar do povo do interior. "A língua tupi não tem l; o nosso homem do povo paulista, mineiro, goiano ou fluminense nunca pronuncia o 1 com o h; não diz: melhor, mulher, milho, e sim: mio, muiê e mio, por que o tupi não tem 1", lembra José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898) na sua "7ª Conferência para o Tricentenário de Anchieta. Assunto: Anchieta, as raças e línguas indígenas". E acrescenta: "A língua falada no Brasil já não é o português de Camões, João de Barros, ou Frei Luiz de Souza; está, em sua gramática, em seus sons, e em centenas de termos populares, cruzada com a língua tupi ou nheengatú".

Segundo a Enciclopédia das Línguas do Brasil, da Universidade de Campinas (Unicamp), "no século XVIII havia duas línguas gerais: língua geral paulista, falada ao sul do país no processo de expansão bandeirante, e a língua geral amazônica ou nheengatú, usada no processo de ocupação amazônica. Destas duas línguas gerais somente o nheengatú continua a ser utilizado entre os indígenas de diferentes etnias, habitantes da região Norte do País. A Gramática da língua mais usada na Costa do Brasil, de José de Anchieta, representa a normatização da língua falada pelos índios do litoral, antes de se tornar a língua geral paulista". Em São Gabriel da Cachoeira (AM), o nheengatú foi estabelecido como língua co-oficial do município em 2002, assim como o português, o baníua e o tucano. Nheengatú, língua do tronco tupi, quer dizer língua boa, bonita, é usada às vezes para denominar um conjunto de línguas tupínicas. Curiosidade. Nheen quer dizer fala, falar, daí "nhenhenhém" significar conversa repetitiva.
A língua geral foi falada durante pelo menos três séculos no Brasil, até o Marquês de Pombal, na condição de primeiro-ministro de Portugal, no fim do século XVIII, proibir seu uso na colônia. Os habitantes da cidade se comunicavam por meio dessa língua, era a língua franca, os bandeirantes, além do porrete, carregavam o vernáculo indígena para expandir suas fronteiras de comércio e negócios rumo ao interior. O tupi e o guarani, esta ainda falada no Paraguai como língua oficial, são do mesmo tronco linguístico de origem e pode-se fazer a analogia entre as semelhanças entre o português e o espanhol.
Ligados à terra, os índios foram precisos ao designar a geografia local. O escritor Lima Barreto, não só na ficção com o seu Policarpo Quaresma, defendia a importância da língua para o uso cotidiano. Diz ele em um texto do seu Histórias e Sonhos, ao citar o geógrafo e anarquista francês Élisée Reclus, que visitou países da América do Sul no século XIX, inclusive o Brasil: "Reclus, na sua Geografia universal tratando do Brasil, notava a necessidade de conservarmos os nomes tupis dos lugares de uma terra. Têm eles, diz o grande geógrafo, a vantagem de possuir quase todos um sentido claro, muito claro, nas suas palavras, exprimindo algum fato da natureza, a cor das águas correntes, a altura, a forma ou o aspecto dos rochedos, a vegetação ou a aridez da região". E continua Barreto, falando especificamente da sua terra natal e a mundialmente comentada geografia. "No Rio de Janeiro, há de fato nomes tupis tão eloquentes, para traduzir a forma ou o encanto dos lugares, que ficamos pasmos, quando lhes sabemos a significação, com o poder poético, com a força de emoção superior de que eram capazes os primitivos canibais habitantes desta região, diante dos aspectos da natureza tão bela e singular que é a que cerca e limita nossa cidade. Bastam os nomes da baía. Como não traduz bem a sua sedução, o seu recato, a sua fascinação, o nome: Guanabara - seio do mar? E se o mar abriu aqui um seio foi para nele esconder as suas águas - Niterói - água escondida."
Outro que abordou o assunto foi o engenheiro baiano Teodoro Sampaio (1855-1937). "O Tupi na Geografia Nacional", de 1901, ressalta o papel dos bandeirantes na difusão de topônimos de origem tupi por todo o País e esclarece a origem etimológica de muitos daqueles. "São frases acabadas, traduzindo uma ideia, um episódio, uma feição típica dos lugares a que se aplicam; são, a bem dizer, verdadeiras definições do meio local", diz. Alguns exemplos: Apiaí (rio dos homens ou dos machos), Anhangabaú (rio ou ribeiro do malefício, da diabrura ou do feitiço), Boipeba (cobra chata, cobra venenosa), Capibaribe (rio das capivaras), Curitiba (pinhal, mata de pinheiros, pinhões em abundância), Ipanema (água ruim, imprestável), Jararaca (o que colhe ou agarra envenenando), Moqueca (fazer embrulho), Paraná (rio enorme), Sambaqui (depósito de conchas e ostras), Toca (casa, refúgio) e Votu (vento).

Segundo o acadêmico baiano Ricardo Tupiniquim Ramos, dos 2021 municípios listados no guia de roteiros turísticos do Brasil editado pela Folha de São Paulo em 1995, 830 (41,06%) têm origem tupínica, o que representa a segunda maior (a primeira é a língua portuguesa) fonte da toponímia brasileira. São os seguintes casos: Ubatuba, Carapicuíba, Aracaju, Mangaratiba e Tabatinga. Em texto disponível no site do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos (www.filologia. org.br) e que se refere exclusivamente ao Paraná, único a ter o nome do Estado e da capital de origem indígena, ele diz que São Paulo é a unidade da federação que lidera o ranking em registro de topônimos municipais tupínicos. Ramos é autor de uma dissertação de mestrado que analisou nomes próprios de origem tupi no Brasil do século XIX empregados em textos literários nacionais e jornalísticos brasileiros

São Paulo, a maior cidade da América Latina, cosmopolita, aberta às novidades, conserva muito da sua herança tupi dos tempos do descobrimento e colonial. O mesmo ocorre com o estado. Em crônica (Você fala nheengatu?) no jornal O Estado de S. Paulo (9/4/2012), José de Souza Martins brinca com o leitor iniciando o texto da seguinte maneira: "Se não fala, vai ter muita dificuldade para viver em São Paulo, transitar ou mesmo conversar. Vá que você coma algo que lhe faça mal às pacueras [barriga] ou que tenha um parente muquirana que lhe negue uns trocados quando precise". E continua, no tom saboroso daqueles textos que dão vida ao cotidiano: "Não poderá transitar pela Rua da Tabatinguera, a mais antiga de São Paulo, de quando a gente de Piratininga fazia fuxico em nheengatu e ia para a beira do Rio Tamanduateí buscar tabatinga para caiar as casas. Não poderá cruzar a ponte para ir à Mooca, não por medo dos tamanduás. Não poderá nem mesmo passear pelo Vale do Anhangabaú, sob o qual passa o ribeirão em que outrora Anhangá assombrava os índios com seus malefícios e sua água envenenada, que, mais tarde se descobriu, continha arsênico. Vade retro! E como morar na Vila Prudente e estudar na Cidade Universitária, tendo que cruzar a Mooca, o Anhangabaú e o Butantã? Só falando nheengatu. E menos ainda passar o domingo com a família no Ibirapuera".
Para o paulistano do século XIX que precisasse se comunicar com alguém na Inglaterra por meio de telegramas, a questão da escolha do nome da cidade pesava no seu bolso. Segundo Couto de Magalhães, se São Paulo continuasse a ser chamada de Piratininga (peixe seco), um telegrama de Londres para a capital paulista custaria 10 xelins ou 15.000 réis. Já no caso de São Paulo, por ser duas palavras, custava 20 xelins, ou 30.000 réis. Xelim era uma moeda inglesa de prata abolida 1971 que valia a vigésima parte da libra esterlina.
Ao se buscar a origem das palavras de origem tupi, há coincidências interessantes. Conforme o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, Mujica é um prato originário do Pará no qual se ferve o siri ou caranguejo até se desfazer, sendo o caldo engrossado com farinha de mandioca. A etimologia vem do tupi "um", fazer, e "ajic", duro, consistente. José Mujica, agricultor cuja origem é espanhola, fez-se duro em sua trajetória como ser humano e homem político. Enfrentou uma ditadura militar, foi preso e torturado e hoje é presidente do Uruguai.

TUPI
Originária do povo tupi, mas também falada pelos povos tupinambá, tupiniquim, caetés, tamoios e potiguara. A extinta língua teve sua gramática estudada pelos jesuítas e deu origem a dois dialetos, até hoje considerados línguas independentes: a língua geral paulista, e o nheengatú (língua geral amazônica), que ainda é presente na Amazônia.
BRASIL
Segundo projeções do Centro de Pesquisa Econômica e de Negócios (CEBR, na sigla em inglês) publicadas em dezembro de 2011 na imprensa britânica, o Brasil superou o Reino Unido e se tornou a sexta maior economia do mundo. O tradicional jornal "The Guardian" atribuiu a perda de posição à crise bancária de 2008 e à crise econômica que continua em contraste com a bonança brasileira


RUGBY
Um esporte coletivo e de contato físico intenso, o que torna comum os atletas dessa modalidade serem verdadeiros gigantes. Tem origem na Inglaterra, mas o último campeão mundial (2011) foram os All Blacks da Nova Zelândia. O esporte tem variações, mas a maiss praticada é o rúgbi de quinze (em inglês: rugby union), seguida pela league (com 13 atletas) e por último a olímpica com sete jogadores.
FREI LUIZ DE SOUZA
Nasceu Manuel de Sousa Coutinho, mas adotou o nome eclesiástico de Frei Luiz de Sousa (1555 - 1632). O sacerdote católico e escritor português é hoje considerado um dos mais brilhantes autores de língua portuguesa. Uma de suas obras mais conhecidas é a "História de São Domingos".
JOÃO DE BARROSConhecido como o Grande, João de Barros (1496 - 1570). É considerado por muitos como o primeiro grande historiador português e pioneiro na construção da gramática da língua portuguesa. Isso se deve ao fato de ser autor da segunda obra que normatizou a língua falada em seu tempo.
VERNÁCULO
É o nome que se dá à língua nativa de um país ou de uma localidade. O termo tem origem no latim vernaculum, que é proveniente de verna, modo como eram chamados os escravos nascidos na casa do senhor


TOPONÍMIA
É a divisão da onomástica que estuda os topônimos, ou seja, nomes próprios de lugares, da sua origem e evolução. É uma parte da linguística, com ligações na história, arqueologia e geogra fia. Além dos nomes de localidades, a toponímia estuda nomes de rios e cursos de água.

COSMOPOLITA
Um cosmopolita é um cidadão do mundo que repudia as divisões estatais. É uma pessoa que nega a identidade patriótica e defende o conceito internacionalista com os princípios da cidadania global, que seriam primeiramente uma cidadania de aplicação local e de adesão voluntária e que, através de pactos federativos, essas unidades territoriais locais, por decisão de seus próprios cidadãos, aceitariam entre si as cidadanias das demais localidades.
MOOCAÉ um bairro paulistano fundado no início de Agosto de 1556, época em que as terras eram ocupadas por índios que se concentravam próximo ao Rio Tamanduateí. Dessa maneira, o nome do bairro é de origem indígena e signi fica fazer casa (moo, fazer e oca, casa). Mas o pesquisador Eduardo de Almeida Navarro defende a tese de que o nome do bairro tem origem no tupi mumoka, que signi fica "casa de parente (mum , parente e oka casa).


TOPONÍMIA
É a divisão da onomástica que estuda os topônimos, ou seja, nomes próprios de lugares, da sua origem e evolução. É uma parte da linguística, com ligações na história, arqueologia e geogra fia. Além dos nomes de localidades, a toponímia estuda nomes de rios e cursos de água.

COSMOPOLITA
Um cosmopolita é um cidadão do mundo que repudia as divisões estatais. É uma pessoa que nega a identidade patriótica e defende o conceito internacionalista com os princípios da cidadania global, que seriam primeiramente uma cidadania de aplicação local e de adesão voluntária e que, através de pactos federativos, essas unidades territoriais locais, por decisão de seus próprios cidadãos, aceitariam entre si as cidadanias das demais localidades.
MOOCAÉ um bairro paulistano fundado no início de Agosto de 1556, época em que as terras eram ocupadas por índios que se concentravam próximo ao Rio Tamanduateí. Dessa maneira, o nome do bairro é de origem indígena e signi fica fazer casa (moo, fazer e oca, casa). Mas o pesquisador Eduardo de Almeida Navarro defende a tese de que o nome do bairro tem origem no tupi mumoka, que signi fica "casa de parente (mum , parente e oka casa).

MARCELO GALLI é jornalista e pós-graduado em Sócio-psicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

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