O Romantismo é a escola artístico-literária cujos valores e estética substituiram o universo clássico. Ele apeia de seu poder expressão que estava, até então, em vigência há pelo menos quatro séculos. Põe-se, por isto, como oposição a uma cultura que se revalida desde o século XV, com o Humanismo, e se estende até o XVIII, com o Arcadismo.
Romantismo é a escola artístico-literária cujos valores e estética substituiram o universo clássico. Ele apeia de seu poder expressão que estava, até então, em vigência há pelo menos quatro séculos. Põe-se, por isto, como oposição a uma cultura que se revalida desde o século XV, com o Humanismo, e se estende até o XVIII, com o Arcadismo.
Nas origens do movimento romântico, encontram-se contos medievais, lendas e folclore de povos outrora considerados bárbaros pela cultura romana. Encontram-se também posturas ante a vida em divergência com os valores clássicos. Por isto, em primeira instância, o Romantismo é essencialmente contrário à contenção.
Na extensão dos fatos, a escola romântica é o sentimento e a possibilidade de externá-lo. É ainda a vida centrada no eu e na liberdade de expressão.
Os românticos vivem a conquista desta liberdade. Acreditam que quanto maior a comunicação da individualidade, mais verdadeiras serão as coisas.
A postura rebela-se contra regras e hierarquias sociais. A origem não distingue ou separa os homens uns dos outros. Todos estão ligados por um espírito de fraternidade que também nos iguala. Com isto, o movimento acaba por atrelar-se a um complexo de vida que começa a entrar em vigor mais consistentemente na segunda parte do século XVIII.
O fator, por sua vez, nos conduz à definitiva ascensão burguesa. Dela, o Romantismo acaba por ser o porta-voz. O episódio por excelência desta junção de ideais são os dois últimos quartéis do século citado. Neles, ocorrem as mudanças políticas que darão projeção e poder à burguesia, representada por alguns de seus segmentos.
Ocorre, também e assim, o episódio que vemos como uma prévia do Romantismo propriamente. Para tanto, no plano social deixam-se ver mudanças culturais, de cuja expressão novas formas de literatura, por exemplo, se incumbem. À época, obviamente, elas não representam a oficialidade, mas aos poucos ganharão espaço e aceitação.
A Inglaterra é o cenário destes últimos acontecimentos. Ela assiste ao desenvolvimento do romance como gênero literário; vê a ascensão da prosa, em detrimento do verso; presencia ainda mulheres se anunciando como produtoras culturais e se valendo da literatura para expressar e firmar novos valores e práticas. Assim, nos enredos estão personagens femininas marcantes e todas, de algum modo, discutem práticas da sociedade circundante. O verismo das histórias busca o diálogo. O público leitor, saído dos setores médios, anseia pela conexão. A literatura romanesca tem de soar como algo possível, como realidade.
À mulher escritora e à mulher leitora de prosa vem associar-se, no episódio, a mulher ligada à moda. Este universo aos poucos está se tornando domínio feminino, como também a vaidade. As novas convenções sociais assim o apregoam. A figura do homem de peruca e rosto empoado começa a transgredir convenções, a soar anacrônica.
Por sua vez, os novos valores ainda se ligam, entre outros fatores, à afirmação da vida privada. Os segmentos médios e primordialmente citadinos vivem a ascensão deste projeto. As marcas do fato são a defesa aguerrida da individualidade, do padrão familiar burguês que, peremptoriamente, separa o público do privado. Com isto, o lar se torna um espaço de proteção. A casa passa a ter o poder de rechaçar os problemas. Ela torna-se reduto inviolável, casulo imantado. É ainda o espaço onde a ponderação emana da mãe de família, preocupada com a união entre todos e a manutenção dos laços de afeto, fator fundamental no novo pacto.
A residência é também um espaço nuclear, onde se quer garantir a defesa da individualidade. Será, por isto, uma geografia construída em obediência a certos preceitos. Deste modo, existem nela os espaços em comum, mas também os quartos individuais, que garantem o distanciamento adequado. O corredor passa, assim, a ser parte da arquitetura: ele é o que, de fato, garante a privacidade. Graças à sua existência, os quartos não se comunicam e, trancadas as portas, podemos ser o que quisermos. Eles barram a censura e o controle alheios, impõem ao outro um limite sobre a vida de terceiros.
Os quartos tornam-se, assim, forte expressão da apregoada individualidade burguesa. A fidelidade a si e àquilo que está no íntimo são outros de seus preceitos. Com isto, as convenções sociais não são maiores que o mundo interior. As grandes verdades são as do coração e o Romantismo se alicerça neste quadro, nesta índole.
Na nova estrutura, a casa é ainda o lugar onde pai e mãe se coadunam para a proteção dos filhos. Esta é a grande missão do casal. O pai, trabalhando, traz o sustento. Já a mãe, ficando em casa, administra os recursos e cuida da proteção direta dos rebentos. O centro da nova vida é a criança gerada.
Não sem razão, a mesma criança torna-se um dos temas de predileção do Romantismo. Após a vitória burguesa, a infância passa a ser da vida o tempo por excelência. É ainda o episódio da pureza; é o mundo ao qual se quer voltar, como se ele fosse o paraíso perdido. Na poesia dos ultrarromânticos , o ensejo estará presente.
LEGADO REVOLUCIONÁRIO
O mesmo projeto romântico atrelase, como se vê, aos acontecimentos que garantirão a vitória burguesa sobre a aristocracia e o seu estilo de vida. Sua grande vinculação, por isto e ainda, faz-se com os valores da Revolução Francesa, cuja abrangência não está de todo apreendida, apesar dos seus mais de 200 anos.
No ocidente, nada foi tão intenso quanto ela. Sua ação pôs um fim à monarquia absolutista francesa; extinguiu privilégios de classe; destruiu as prerrogativas sociais atreladas à origem ou nascimento; criou os direitos do homem; com o título de cidadão, igualou a todos; afirmou ainda que o indivíduo se faz pelo esforço pessoal. Seu ideário - Liberdade, Igualdade, Fraternidade - foi a base de uma nova mentalidade que se espraiou pelo mundo. Ele se torna um dos pilares para o processo das independências latinoamericanas. Será também o convite para a grande fraternidade universal, negada pelo Antigo Regime e ansiada pela primeira geração romântica.
No século XIX, heróis românticos expressarão estes valores em suas condutas. Simão Botelho é um deles: o narrador de Amor de Perdição (1862) conta-nos que ele, Simão, é, nos inícios daquele século, um jovem empolgado com o ideário da Revolução e alguém que busca seus amigos nos segmentos sociais mais humildes. O jovem Simão será, por isto, oposição ao ideal de homem aristocrático, que é o "discreto". O herói romântico desconhece a hierarquia, não sendo devido ao fato um deselegante. Se aquele é cortesão e seguidor de uma etiqueta rígida, este mede os homens com o coração, os sentimentos e o bom senso. A origem supostamente aristocrática não torna Simão preconceituoso. Em sua interioridade, estão quebradas as etiquetas. Devido ao fato, a verdadeira acolhida, ele a encontra fora de casa. Em sua preconceituosa família, a irmã mais nova - a criança da casa - é quem o entende e é aquela por quem ele nutre o afeto mais intenso.
Na órbita de Simão, o amor é quem rege todas as coisas. Uma vez descoberto e experimentado, ele se torna o centro da existência. O mesmo amor traz, consigo e ainda, o poder da transcendência. E mais: se neste plano sua realização é impossível, ele será vivido em outro mundo, superior ao humano e, por isto, revel às imposições sociais.
O mesmo Romantismo inverte, então, valores: dá, para exemplo, a dimensão de herói a um corcunda , torna-o exemplo de humanidade para todos. Sua feiura desaparece diante de sua bondade, de sua beleza interior e de sua generosidade. Sua existência expõe a interioridade maldosa dos outros homens. Na lógica de Victor Hugo (que é romântica), o corcunda não é motivo de riso. A cultura clássica é que, por meio de suas convenções, o tornaria risível; nela, ele não encontraria expressão fora do gênero satírico. Já para o Romantismo, Quasímodo é homem espiritualmente superior: o mundo seria melhor se todos o imitassem.
Como se percebe, passada a fase revolucionária, a escola romântica mantém-se na defesa da individualidade. O homem não pode ceder ante às imposições do mundo. Se a burguesia, no poder, já toma atitudes conservadoras, o artista e sua arte não podem se corromper. Para isto, se necessário, o poeta encastela-se em torre de marfim.
A segunda geração romântica - aquela que vê morrer as utopias da ascensão burguesa, já em rasgado século XIX - torna-se aguerrida na defesa destes pareceres. Ela, por isto, é quem mais contrapõe o tempo interior ao exterior. Em sua criação, vence o primeiro deles, no fundo elemento que se apresenta como contestação.
Noutros termos, a mesma geração acredita na espiritualidade e a contrapõe à praticidade que o mundo burguês vencedor assume com mãos de ferro. Assim, se o tempo cronológico tornase símbolo de dinheiro, investe-se no psicológico e suas significações. A subjetividade é, indiscutivelmente, a grande marca do movimento.
Neste aspecto, ajuda-o (e não contraditoriamente) o caminho cultural da ascensão burguesa. Ele se pauta nas ciências e sua defesa. O homem, na nova perspectiva, deixa de ser divino: passa, entretanto, a ser biológico. O século XIX e seu entrelaçamento com o espírito científico concebem o humano sob uma perspectiva ateia. Na extensão, o mesmo homem torna-se histórico, tornandose também parte de um tempo com novas caracterizações. A nova cultura trata o mesmo tempo como cronologia, progressão e acredita na ideia de futuro. Com isto, a circularidade deixa de ser sua representação ou símbolo.
Ao ser histórico associa-se ainda o sociológico, o antropológico, o arqueológico, o psicológico. As ciências burguesas e suas certezas garantem o novo estado. E todas as que se ligarem ao homem (tentando explicá-lo na dissociação de Deus) serão chamadas, por isto, de ciências do homem ou humanas.
Devido a estes fatos, o inconsciente estará em voga, como também o mundo dos sonhos; por isto, eles passam a ser matéria literária. Gerard de Nerval - grande nome do Romantismo francês - acredita, para exemplo, no onírico e afirma que nele está parte importante de nossa existência. Seu romance Aurélia (1853) elabora a ideia.
Ainda segundo o autor, "o sonho é uma nova vida". Para ele, no mesmo sonho "um vago subterrâneo iluminase aos poucos e, da sombra e da noite, desprendem-se as pálidas figuras gravemente imóveis que habitam a morada dos limbos"; "depois o quadro se forma", e "uma nova claridade ilumina" as "aparições extraordinárias". Assim, na descrição de Nerval, do outro lado está o inusitado, como também algo de fantasmagórico. O conteúdo que ali se manifesta, porém, tem o poder de prender-nos. Apesar do que possa trazer de aterrador, o narrador anseia por ele. O que está do outro lado exerce grande fascínio.
Deste modo, soa também como escapismo. O que o sonho traz parece ser maior e mais intenso do que aquilo que a realidade oferece. Por meio dele, as possibilidades de sentir são maiores. Estando nele, maior é a liberação de nossas essências e sentidos, porque também menores o crivo e o controle que o lado oposto contém.
Por isto, o mesmo narrador evoca Emanuel Swedenborg , ícone do movimento romântico. Assim, evoca suas crenças. O teósofo sueco acreditava em correspondências, defendia o parecer de que há ligações entre o natural e o sobrenatural e outras ligações e é essa a essência que, a nosso ver, Nerval apreende.
Devido ao fato, a entrada no sonho é um estado sinestésico. Nele, todos os sentidos se fundem, para melhor viver e sentir uma trama que está, para o autor francês, entre a vida e a morte. Outros românticos, entretanto, partilham do mesmo gosto pelo sonho. Quanto ao assunto assumem, todavia, outra dinâmica que vale conferir.
ESCAPISMO ONÍRICO
É o caso de Álvares de Azevedo em poesias do seu Lira dos Vinte Anos (publicação póstuma). É o caso particularmente de Meu Sonho, um dos poemas centrais no livro, sendo, obviamente, o onírico sua matéria. A conexão entre sonho e realidade, no entanto, é fator de importância no escrito, tanto quanto sua apreciação. No poema, o conteúdo sonhado conecta-se com a realidade. Ou ainda: ele acaba por ser extensão da realidade do eu-lírico fora do sonho. Deste modo, sonhando, o eu-poético pensa sua existência, dialoga com ela, falando o tempo todo consigo. São utilizados, no entanto, subterfúgios para isto que merecem desdobramentos.
É o caso de Álvares de Azevedo em poesias do seu Lira dos Vinte Anos (publicação póstuma). É o caso particularmente de Meu Sonho, um dos poemas centrais no livro, sendo, obviamente, o onírico sua matéria. A conexão entre sonho e realidade, no entanto, é fator de importância no escrito, tanto quanto sua apreciação. No poema, o conteúdo sonhado conecta-se com a realidade. Ou ainda: ele acaba por ser extensão da realidade do eu-lírico fora do sonho. Deste modo, sonhando, o eu-poético pensa sua existência, dialoga com ela, falando o tempo todo consigo. São utilizados, no entanto, subterfúgios para isto que merecem desdobramentos.
Buscando os fatos, vale afirmar que todo o conteúdo do sonho é obrigatoriamente matéria psicanalítica. Muito da poesia romântica efetuará esta conexão e o poema de Álvares de Azevedo não foge à regra. Convém ainda que se lembre, na mesma órbita, que seu grande tema é a repressão sexual, causa de grande sofrimento.
Em nosso plano, o eu-lírico deseja, mas condenase pelo fato. Entretanto, sonhando, o mesmo desejo aflora, só que mascarado. Em verdade, ele vem travestido; mescla-se com a morte que, no fundo, é o desatino daquele que deseja, condenando-se por querer, por desejar. Por isto, não sem razão, a primeira imagem do poema é a do cavaleiro das armas escuras. Condenado a vagar pela noite, ele está a galope, em cavalgada. Seu destino é fugir pela escuridão assombrada e humanamente impura. Aumentando o terror, há fantasmas que lhe mordem os pés, o que mais intensifica a corrida.
Na fuga acelerada, há, entretanto, a voz do eulírico que faz ao cavaleiro uma indagação. Ela quer saber quem é ele - o cavaleiro. Ao fim, é que surge o desvendamento. O cavaleiro-fantasma diz que é a febre que está no interior do próprio eu-poético, o desejo que o há de matar.
O desejo, como já se disse, é sexual. Por isto, símbolos fortes desta significação põem-se à mostra na escrita: há a ideia da corrida desabalada; o cavaleiro está com a espada - que é sangrenta - nas mãos; ele está montado sobre possante cavalo negro e o galope se dá através do vale. Deste modo, desenvolve-se uma cavalgada ambígua e a proposição romântica se realiza. Há correspondência entre a exterioridade e a interioridade. Há também a defesa de que o homem é expressão de sua subjetividade e disto não se pode duvidar. O Romantismo acreditou nela e, agindo assim, desbancou a cultura clássica.
Tornou-se também o primeiro movimento artístico da Modernidade. Melhor dizendo, foi seu primeiro porta-voz. Foi também sua primeira consciência analítica e contestatória. Seu embate, todavia, foi dual ou, ainda, deu-se em duas frentes e ambas estão historicamente interligadas.
O embate, assim, ocorreu primeiramente com o mundo clássico e sua racionalidade à moda antiga. Em segunda instância, aconteceu com a burguesia vencedora que engendrou mundos, mas, aos poucos, ousou afastar-se das belas utopias que projetara, como o ideal da fraternidade entre todos os homens.
*Juarez Ambires é doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo e professor de Língua e Literatura Portuguesas no Centro Universitário Fundação Santo André. Contato: juarez.ambires@bol.com.br
Revista CONHECIMENTO PRÁTICO DE LITERATURA
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