Conheça brasileiros e estrangeiros que fazem estoque de água, comida e remédios, se mudaram para cidades consideradas seguras e protegem-se em bunkers para tentar escapar do apocalipse previsto para a próxima sexta-feira 21
João Loes, Mariana Brugger e Michel Alecrim
Assim como muitos moradores da cidade de Pirenópolis, no interior de Goiás, o empresário Hélio Teruo, 51 anos, tem uma imensa piscina de fibra de vidro em casa. O município, distante 140 quilômetros de Brasília, tem clima seco e quente como a capital federal, chamariz para um banho refrescante nas tardes de verão, quando o calor aperta. Na casa de Teruo, porém, ninguém ousa chegar perto do tanque particular. Aliás, a piscina nunca foi sequer enchida com água, pois foi adquirida para uma finalidade completamente diferente. “Comprei para usar como uma caçamba flutuante”, explica o dono da casa, um paulistano de fala rápida e ansiosa que se mudou para Pirenópolis em julho, deixando para trás uma empresa de arquitetura e construção de prédios comerciais de alto padrão na região da avenida Paulista, casa e dois de seus três carros. “Quando o tsunami chegar, meu estoque de comida estará seco e salvo dentro dela, entendeu?” Como milhares de pessoas espalhadas pelo planeta, Hélio Teruo é um dos que acreditam e se preparam para encarar o fim do mundo na próxima sexta-feira, dia 21 de dezembro de 2012. “Meu objetivo é sobreviver”, diz, em tom grave.
ENIGMA
Placas com alusão ao fim dos tempos apareceram espalhadas por
Alto Paraíso (GO), reduto de quem acredita que o apocalipse é no dia 21
Placas com alusão ao fim dos tempos apareceram espalhadas por
Alto Paraíso (GO), reduto de quem acredita que o apocalipse é no dia 21
Para isso, Teruo vem estocando comida, água e remédios há mais de seis meses. Arroz, milho e feijão, farinha de mandioca, amendoim e frutas secas, além de ervilhas, cenouras e salsichas em conserva começaram a ser adquiridos em grandes quantidades por ele e a mulher, Luzia, quando o casal ainda morava em São Paulo. Curativos, material de primeiros socorros e até anestésicos para procedimentos cirúrgicos também foram acumulados, bem como litros e litros de água potável. A ideia é que, com o estoque, ambos sobrevivam pelo menos dois anos sem precisar sair de dentro de casa. “Também compramos coletes salva-vidas e muita roupa de frio”, diz o empresário. Os coletes, explica, são para que ele e a mulher consigam flutuar caso as águas do tsunami de 1,5 mil metros de altura que eles esperam para o dia 21 cheguem a Pirenópolis. Já as roupas pesadas aplacarão o frio que pode gelar a cidade, caso haja uma alteração no eixo de rotação da Terra, também previsto para o dia 21. Com a mudança, até Pirenópolis, tida por Teruo como local seguro para se estar no dia do fim, pode acabar onde hoje está o Polo Norte.
PREPARADOS
Hélio Teruo e a mulher Luzia esperam um tsunami na próxima sexta-feira
e têm estocado comida, remédios e água em Pirenópolis (GO)
Hélio Teruo e a mulher Luzia esperam um tsunami na próxima sexta-feira
e têm estocado comida, remédios e água em Pirenópolis (GO)
O empresário paulista e sua mulher não estão sozinhos em seus preparativos para o fim do mundo iminente. Mobilizadas por profetas e municiadas por informações truncadas, milhares de pessoas estão neste exato momento acertando os últimos detalhes de seus estoques de comida, seus kits de sobrevivência e seus bunkers subterrâneos para encarar os últimos dias do planeta Terra, marcado por um entendimento questionável do fim do calendário maia para 21 de dezembro de 2012. Conhecidos como “preppers” – um neologismo criado nos Estados Unidos a partir da palavra “prepare”, que significa preparar ou planejar em inglês – esses indivíduos conversam entre si em encontros e redes sociais, compartilham técnicas de sobrevivência e alimentam a paranoia apocalíptica que tomou o mundo nos últimos meses.
GURU
O místico professor Hirota que atendia em Atibaia (SP) mudou-se para
Pirenópolis (GO) em julho para se salvar: ele acredita que 80% da Terra será destruída
O místico professor Hirota que atendia em Atibaia (SP) mudou-se para
Pirenópolis (GO) em julho para se salvar: ele acredita que 80% da Terra será destruída
No Brasil, as pessoas que se preparam para o dia 21 de dezembro estão quase sempre vinculadas às profecias de algumas lideranças místicas. A mais forte delas, atualmente, é a do japonês radicado no Brasil Masuteru Hirota, também conhecido como Professor Hirota. Hoje com 70 anos, ele fez fama como curandeiro em Atibaia, no interior de São Paulo, e ganhou o Brasil e o mundo – já foi tema de documentários na Alemanha e na França – nos últimos meses com estrambólicas previsões do fim dos tempos. Com base em interpretações duvidosas do suposto fim do calendário maia, ele cravou que 80% da terra habitável do planeta seria destruída em 21 de dezembro de 2012 por um tsunami que matará nada menos do que seis bilhões de pessoas. Como todo bom guru, Hirota deu o mapa da salvação. Quem quiser viver, disse ele, deve se mudar para as cidades de Alto Paraíso ou Pirenópolis, ambas em Goiás, estocar comida e remédios para dois anos e esperar o fim de colete salva-vidas.
ONDA GIGANTE
Discípulos de Hirota, Daisy Simionato e o marido, Enílson Gonzales, esperam
um tsunami e estarão de coletes salva-vidas no dia 21 para não se afogarem
Discípulos de Hirota, Daisy Simionato e o marido, Enílson Gonzales, esperam
um tsunami e estarão de coletes salva-vidas no dia 21 para não se afogarem
Foi o suficiente para que um grande número de pessoas, o maior e mais representativo do País quando o assunto é fim do mundo, largasse suas vidas estabelecidas em suas cidades e rumasse para essas localidades. Teruo, por exemplo, é um dos discípulos de Hirota que seguiram para Pirenópolis junto com o guru japonês, numa caravana que partiu do interior de São Paulo no meio do ano. Outra foi Daisy Maria Simionato, 42 anos, que foi para o Planalto Central com o marido, Enílson Gonzales, 53, e o filho, Murilo Gonzales, 14. Natural de Itu, a família se tratava com o professor em Atibaia e, nas palestras, se convenceu de que o fim do mundo estava próximo. Os preparativos começaram ainda na cidade natal, com a compra de um gerador de energia e remédios, e continuaram em Pirenópolis, com a estocagem de arroz, feijão, açúcar e outros mantimentos pouco perecíveis. “Até o dia 19, vamos estar com tudo pronto, só vão faltar os 200 litros de combustível para fazer o gerador rodar quando não tivermos mais força”, diz Daisy. Isso ela vai deixar para comprar na véspera do fim do mundo, na quinta-feira que vem.
OFICIAL
Prefeito de São Francisco de Paula (RS), Décio Colla acredita no fim no dia 21.
Ele alertou sua cidade e estoca comida e água há meses. A oposição tentou interditá-lo
Prefeito de São Francisco de Paula (RS), Décio Colla acredita no fim no dia 21.
Ele alertou sua cidade e estoca comida e água há meses. A oposição tentou interditá-lo
Em Alto Paraíso, casos como o de Daisy e Teruo se multiplicam a ponto de afetar a economia e a rede de abastecimento da cidade. Como reduto de místicos e alternativos há décadas, a cidade, que fica a 1,2 mil metros de altitude e está assentada sobre o que muitos garantem ser o pedaço de pedra mais estável e antigo do planeta, viu os novos apocalípticos se somarem ao volumoso fluxo de turistas e visitantes que já frequentam a localidade no fim de ano. “É tanta gente nova por aqui que já não reconheço mais os rostos das pessoas que vejo na rua”, diz o corretor Nilton Kalunga, dono da Kalunga Imóveis e morador há mais de 20 anos. Neste ano, ele viu suas vendas aumentar em 110% quando comparadas às de 2011 graças ao “efeito fim do mundo”. “Vendi muita casa para o grupo do Hirota”, diz ele – ao todo 20 residências, incluindo também locações. Até sua mulher, a paulistana Maria Helena Brandão, 56 anos, entrou na dança do apocalipse.
DEDICADOS
O casal texano Paul Range e Gloria Haswell (acima) passa 50 horas
semanais se preparando para o apocalipse. Eles vivem em um bunker,
têm 23 toneladas de comida e 150 mil litros de água estocados (abaixo)
e contam com quatro fontes de energia renováveis à disposição
O casal texano Paul Range e Gloria Haswell (acima) passa 50 horas
semanais se preparando para o apocalipse. Eles vivem em um bunker,
têm 23 toneladas de comida e 150 mil litros de água estocados (abaixo)
e contam com quatro fontes de energia renováveis à disposição
Segundo ela, desde que a cidade começou a encher de “preppers” e as prateleiras dos supermercados começaram a se esvaziar e água e combustível a faltar, o fim no dia 21 de dezembro deixou de parecer delírio dos outros para se tornar algo concreto. Tanto que Maria Helena passou a plantar e estocar os alimentos que a família consome, temendo a quebra nas safras e o desabastecimento depois da tragédia que se anuncia. “Cheguei aqui em 1999, temendo o apocalipse para a virada do ano 2000”, diz. “Não aconteceu, mas agora, com essa invasão na cidade, estou assustada de novo.” E põe invasão nisso. De acordo com a Secretaria de Turismo de Alto Paraíso, até a abertura oficial da temporada de fim de ano, que costuma acontecer no dia 26 de dezembro, teve de ser antecipada este ano para o dia 18, antes do suposto fim do mundo, tamanho o volume de visitantes e novos moradores. “Costumamos receber sete mil turistas nessa época”, diz Fernanda Inês Montes, secretária da pasta na cidade. Neste ano eles esperam entre 10 mil e 15 mil. “Muitos chegam bastante assustados, com medo do que pode acontecer”, diz Lucrécia Lopes, moradora há 15 anos.
O medo e a ansiedade são a grande força motriz dos apocalípticos. Para eles, ainda que a Nasa – agência espacial norte americana – tenha vindo a público desmentir as teorias de fim dos tempos e até o Vaticano tenha emitido um comunicado oficial afirmando, categoricamente, que o mundo não acaba na próxima sexta-feira, a simples possibilidade, embora remotíssima, do fim é mais forte e atropela qualquer lampejo de racionalidade. “O medo é uma emoção de defesa do indivíduo”, diz Rosana Dório Bohrer, psicóloga e presidente da Associação Brasileira de Psicologia nas Emergências e Desastres (Abrapede). “E o temor da morte é difícil de ser superado.” É ele que se manifesta, como desdobramento da ansiedade, com grande intensidade nesses momentos. E resgatar profecias antigas é uma forma de lidar com essas ansiedades da vida moderna. “É uma maneira de projetar um fim para que haja um recomeço”, afirma a antropóloga Clara Mafra, coordenadora do programa de pós-graduação em ciências sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Fatores distintos, como as superproduções hollywoodianas sobre o tema e a crise econômica europeia, por exemplo, também retroalimentam essa possibilidade de que o mundo acabe a qualquer momento. “Não existe um fator pessoal, essa é uma questão das massas”, afirma o professor Marcus Vinicius de Oliveira, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em psicologia de desastres e emergências. “Antes, a insegurança era pré-estabelecida, determinada pelo panorama da Guerra Fria. Agora, com a crise do capitalismo global, há uma sensação generalizada de insegurança.” Diante da ausência de sinais asseguradores, de alguém que possa dar tranquilidade e falar que o mundo está bem, as pessoas ficam inseguras. Sendo assim, acreditar em um fim do mundo no próximo dia 21 é uma das poucas certezas que algumas pessoas podem ter, diz o professor. “Parece contraditório, mas essa convicção, esse temor e expectativa aliviam um pouco.”
Entre os “preppers” não é incomum ouvir os que falam do apocalipse como uma oportunidade de limpar a corrupção e os valores frouxos da Terra. Os americanos Paul Range e Gloria Haswell, por exemplo, não chegam a tratar o fim dos tempos como uma chance de eliminar os maus elementos da terra, mas, se for preciso, estão dispostos a participar da reconstrução da civilização pós-apocalipse em moldes diferentes dos que se tem hoje. Para isso, eles passam cerca de 50 horas semanais estocando comida, treinando para sobreviver em ambientes hostis e aprimorando o bunker que construíram usando nove contêineres à prova de bala no interior do Texas. O objetivo é estarem prontos para receber e proteger 22 pessoas escolhidas a dedo e com elas recomeçar depois da tragédia do dia 21. “Esperamos algo como uma inversão de polos seguida de uma sequência de terremotos terríveis”, disse Range ao canal de televisão paga National Geographic, que o descobriu no deserto texano. Com as 23 toneladas de comida que ele e a mulher estocaram, os 150 mil litros de água em um tanque sob a terra que eles guardaram e as quatro fontes de energia renovável que já funcionam em seu complexo, suas chances são, provavelmente, maiores do que as de qualquer outro apocalíptico no mundo.
Mas, se houver alguém mais bem preparado que eles é quase certo que essa pessoa também esteja nos Estados Unidos. Lá, ser um “prepper” é coisa séria e, de tão comum, tem quem ofereça opções mais acessíveis aos que querem sobreviver ao apocalipse, mas não podem investir pesadamente em um bunker e em mantimentos como Paul e Gloria. Na Survival Condo, por exemplo, por US$ 1,5 milhão, compra-se metade de um andar de um antigo silo de mísseis desativado totalmente reformado e transformado em um pequeno apartamento com dois quartos, dois banheiros, uma sala e uma cozinha. “Cada silo tem oito andares, já vendemos um inteiro, estamos reformando um segundo e já compramos um terceiro”, diz Robert Brown, porta-voz da empresa. Opções mais em conta podem ser encontradas na Terravivos, onde lugares, e não apartamentos, estão à venda. A partir de US$ 50 mil, garante-se um assento em um dos três bunkers ainda com vagas – o primeiro, no Estado de Indiana, já está esgotado. No Brasil, a Bunker Brasil, empresa de bunkers que acomodam até 12 pessoas e custam entre R$ 800 mil a R$ 1 milhão, diz ter vendido três bunkers para clientes temerosos.
Em último caso, para quem só puder investir tempo e esforço próprios no projeto de sobrevivência pós-apocalipse, há cursos de preparo pessoal para encarar longas caminhadas, encontrar comida em meio aos escombros das cidades e se tratar com ervas medicinais. Esse foi o plano adotado pela também americana Megan Hurwitt, moradora de um pequeno apartamento em Houston, no Texas, que resolveu correr quatro horas por dia, seis vezes por semana, para ter bom condicionamento físico e assim conseguir carregar os poucos suprimentos que tem em estoque nas costas. “Já me chamaram de louca”, disse ela, também ao National Geographic. “Mas quando o mundo acabar, eu vou saber me virar enquanto os outros, que estarão soltos na rua, passarão fome.” Assim como Megan, o prefeito de São Francisco de Paula (RS), Décio Colla (PT-RS), também tem tido sua sanidade mental colocada em dúvida. Durante este ano, ele veio a público, em mais de uma ocasião, alertar a população para uma possível alteração na atividade solar prevista para o dia 21. “Há risco de tsunamis gigantescos”, diz, fazendo eco a outras muitas previsões que se misturaram e passaram a se associar à fatídica sexta-feira 21 de dezembro de 2012. O comentário lhe rendeu um pedido de interdição por parte de Assis Tadeu Barbosa Velho (PSDB-RS), vereador da cidade.
Trata-se de um grande mercado que se abriu em torno do apocalipse maia e se alimenta do medo do fim dos tempos. Não há números consolidados sobre ele, mas é fato que existe. Numa cidadezinha no sudoeste da França chamada Bugarach fala-se em alienígenas que sairão de uma montanha da região no primeiro segundo do dia 21 de dezembro para resgatar quem estiver por lá. A diária de uma casa camponesa na cidade está em 1,2 mil euros (R$ 3,3 mil). No fogo cruzado de oportunistas e charlatões estão as pessoas comuns, assustadas e ansiosas com a vida moderna e mais do que propensas a cair nos golpes que se armam em tempos como este. Que fique claro: os especialistas mais respeitados do planeta não cansam de repetir que não há nada de concreto, absolutamente nada, que sugira que o mundo acabará no próximo dia 21. Mas entre resistir ao bombardeio de profecias apocalípticas e aceitar que o dia 22 será pouco diferente de todos os outros dias do ano ou ceder a ele e apostar na possibilidade de um futuro próximo como o que se vê no cinema, repleto de explosões, invasões alienígenas, ondas gigantes e gurus redentores, muitos parecem preferir a novidade.
A teoria científica
Para a ciência, o mundo tem data para acabar. Afinal, somos um planeta como qualquer outro e temos uma estrela – o Sol – da qual dependemos para sobreviver. Toda estrela tem um ciclo de vida. O Sol, por exemplo, nasceu há cerca de 4,6 bilhões de anos e deve morrer, ou pelo menos deixar de existir como o conhecemos atualmente, daqui a cerca de cinco bilhões de anos. Perto dessa data, ele passará a brilhar como uma gigante vermelha, quando seu tamanho aumentará o suficiente para engolir a Terra por completo e sua cor mudará do amarelo que conhecemos para o vermelho. Será o fim do mundo. Até lá, porém, a raça humana já estará extinta, pelo menos na superfície terrestre, há pelo menos quatro bilhões de anos. Estima-se que daqui a cerca de um bilhão de anos, o Sol terá aumentado sua temperatura o suficiente para evaporar toda a água líquida da Terra, o que tornará a vida no planeta inviável ssim como muitos moradores da cidade de Pirenópolis, no interior de Goiás, o empresário Hélio Teruo, 51 anos, tem uma imensa piscina de fibra de vidro em casa. O município, distante 140 quilômetros de Brasília, tem clima seco e quente como a capital federal, chamariz para um banho refrescante nas tardes de verão, quando o calor aperta. Na casa de Teruo, porém, ninguém ousa chegar perto do tanque particular. Aliás, a piscina nunca foi sequer enchida com água, pois foi adquirida para uma finalidade completamente diferente. “Comprei para usar como uma caçamba flutuante”, explica o dono da casa, um paulistano de fala rápida e ansiosa que se mudou para Pirenópolis em julho, deixando para trás uma empresa de arquitetura e construção de prédios comerciais de alto padrão na região da avenida Paulista, casa e dois de seus três carros. “Quando o tsunami chegar, meu estoque de comida estará seco e salvo dentro dela, entendeu?” Como milhares de pessoas espalhadas pelo planeta, Hélio Teruo é um dos que acreditam e se preparam para encarar o fim do mundo na próxima sexta-feira, dia 21 de dezembro de 2012. “Meu objetivo é sobreviver”, diz, em tom grave.
Para isso, Teruo vem estocando comida, água e remédios há mais de seis meses. Arroz, milho e feijão, farinha de mandioca, amendoim e frutas secas, além de ervilhas, cenouras e salsichas em conserva começaram a ser adquiridos em grandes quantidades por ele e a mulher, Luzia, quando o casal ainda morava em São Paulo. Curativos, material de primeiros socorros e até anestésicos para procedimentos cirúrgicos também foram acumulados, bem como litros e litros de água potável. A ideia é que, com o estoque, ambos sobrevivam pelo menos dois anos sem precisar sair de dentro de casa. “Também compramos coletes salva-vidas e muita roupa de frio”, diz o empresário. Os coletes, explica, são para que ele e a mulher consigam flutuar caso as águas do tsunami de 1,5 mil metros de altura que eles esperam para o dia 21 cheguem a Pirenópolis. Já as roupas pesadas aplacarão o frio que pode gelar a cidade, caso haja uma alteração no eixo de rotação da Terra, também previsto para o dia 21. Com a mudança, até Pirenópolis, tida por Teruo como local seguro para se estar no dia do fim, pode acabar onde hoje está o Polo Norte.
O empresário paulista e sua mulher não estão sozinhos em seus preparativos para o fim do mundo iminente. Mobilizadas por profetas e municiadas por informações truncadas, milhares de pessoas estão neste exato momento acertando os últimos detalhes de seus estoques de comida, seus kits de sobrevivência e seus bunkers subterrâneos para encarar os últimos dias do planeta Terra, marcado por um entendimento questionável do fim do calendário maia para 21 de dezembro de 2012. Conhecidos como “preppers” – um neologismo criado nos Estados Unidos a partir da palavra “prepare”, que significa preparar ou planejar em inglês – esses indivíduos conversam entre si em encontros e redes sociais, compartilham técnicas de sobrevivência e alimentam a paranoia apocalíptica que tomou o mundo nos últimos meses.
No Brasil, as pessoas que se preparam para o dia 21 de dezembro estão quase sempre vinculadas às profecias de algumas lideranças místicas. A mais forte delas, atualmente, é a do japonês radicado no Brasil Masuteru Hirota, também conhecido como Professor Hirota. Hoje com 70 anos, ele fez fama como curandeiro em Atibaia, no interior de São Paulo, e ganhou o Brasil e o mundo – já foi tema de documentários na Alemanha e na França – nos últimos meses com estrambólicas previsões do fim dos tempos. Com base em interpretações duvidosas do suposto fim do calendário maia, ele cravou que 80% da terra habitável do planeta seria destruída em 21 de dezembro de 2012 por um tsunami que matará nada menos do que seis bilhões de pessoas. Como todo bom guru, Hirota deu o mapa da salvação. Quem quiser viver, disse ele, deve se mudar para as cidades de Alto Paraíso ou Pirenópolis, ambas em Goiás, estocar comida e remédios para dois anos e esperar o fim de colete salva-vidas.
Foi o suficiente para que um grande número de pessoas, o maior e mais representativo do País quando o assunto é fim do mundo, largasse suas vidas estabelecidas em suas cidades e rumasse para essas localidades. Teruo, por exemplo, é um dos discípulos de Hirota que seguiram para Pirenópolis junto com o guru japonês, numa caravana que partiu do interior de São Paulo no meio do ano. Outra foi Daisy Maria Simionato, 42 anos, que foi para o Planalto Central com o marido, Enílson Gonzales, 53, e o filho, Murilo Gonzales, 14. Natural de Itu, a família se tratava com o professor em Atibaia e, nas palestras, se convenceu de que o fim do mundo estava próximo. Os preparativos começaram ainda na cidade natal, com a compra de um gerador de energia e remédios, e continuaram em Pirenópolis, com a estocagem de arroz, feijão, açúcar e outros mantimentos pouco perecíveis. “Até o dia 19, vamos estar com tudo pronto, só vão faltar os 200 litros de combustível para fazer o gerador rodar quando não tivermos mais força”, diz Daisy. Isso ela vai deixar para comprar na véspera do fim do mundo, na quinta-feira que vem.
Em Alto Paraíso, casos como o de Daisy e Teruo se multiplicam a ponto de afetar a economia e a rede de abastecimento da cidade. Como reduto de místicos e alternativos há décadas, a cidade, que fica a 1,2 mil metros de altitude e está assentada sobre o que muitos garantem ser o pedaço de pedra mais estável e antigo do planeta, viu os novos apocalípticos se somarem ao volumoso fluxo de turistas e visitantes que já frequentam a localidade no fim de ano. “É tanta gente nova por aqui que já não reconheço mais os rostos das pessoas que vejo na rua”, diz o corretor Nilton Kalunga, dono da Kalunga Imóveis e morador há mais de 20 anos. Neste ano, ele viu suas vendas aumentar em 110% quando comparadas às de 2011 graças ao “efeito fim do mundo”. “Vendi muita casa para o grupo do Hirota”, diz ele – ao todo 20 residências, incluindo também locações. Até sua mulher, a paulistana Maria Helena Brandão, 56 anos, entrou na dança do apocalipse.
Segundo ela, desde que a cidade começou a encher de “preppers” e as prateleiras dos supermercados começaram a se esvaziar e água e combustível a faltar, o fim no dia 21 de dezembro deixou de parecer delírio dos outros para se tornar algo concreto. Tanto que Maria Helena passou a plantar e estocar os alimentos que a família consome, temendo a quebra nas safras e o desabastecimento depois da tragédia que se anuncia. “Cheguei aqui em 1999, temendo o apocalipse para a virada do ano 2000”, diz. “Não aconteceu, mas agora, com essa invasão na cidade, estou assustada de novo.” E põe invasão nisso. De acordo com a Secretaria de Turismo de Alto Paraíso, até a abertura oficial da temporada de fim de ano, que costuma acontecer no dia 26 de dezembro, teve de ser antecipada este ano para o dia 18, antes do suposto fim do mundo, tamanho o volume de visitantes e novos moradores. “Costumamos receber sete mil turistas nessa época”, diz Fernanda Inês Montes, secretária da pasta na cidade. Neste ano eles esperam entre 10 mil e 15 mil. “Muitos chegam bastante assustados, com medo do que pode acontecer”, diz Lucrécia Lopes, moradora há 15 anos.
TREINAMENTO
A americana Megan Hurwitt, 25 anos, corre quatro horas por dia, seis dias
por semana de mochila para ter o condicionamento físico de um militar
A americana Megan Hurwitt, 25 anos, corre quatro horas por dia, seis dias
por semana de mochila para ter o condicionamento físico de um militar
O medo e a ansiedade são a grande força motriz dos apocalípticos. Para eles, ainda que a Nasa – agência espacial norte americana – tenha vindo a público desmentir as teorias de fim dos tempos e até o Vaticano tenha emitido um comunicado oficial afirmando, categoricamente, que o mundo não acaba na próxima sexta-feira, a simples possibilidade, embora remotíssima, do fim é mais forte e atropela qualquer lampejo de racionalidade. “O medo é uma emoção de defesa do indivíduo”, diz Rosana Dório Bohrer, psicóloga e presidente da Associação Brasileira de Psicologia nas Emergências e Desastres (Abrapede). “E o temor da morte é difícil de ser superado.” É ele que se manifesta, como desdobramento da ansiedade, com grande intensidade nesses momentos. E resgatar profecias antigas é uma forma de lidar com essas ansiedades da vida moderna. “É uma maneira de projetar um fim para que haja um recomeço”, afirma a antropóloga Clara Mafra, coordenadora do programa de pós-graduação em ciências sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Fatores distintos, como as superproduções hollywoodianas sobre o tema e a crise econômica europeia, por exemplo, também retroalimentam essa possibilidade de que o mundo acabe a qualquer momento. “Não existe um fator pessoal, essa é uma questão das massas”, afirma o professor Marcus Vinicius de Oliveira, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em psicologia de desastres e emergências. “Antes, a insegurança era pré-estabelecida, determinada pelo panorama da Guerra Fria. Agora, com a crise do capitalismo global, há uma sensação generalizada de insegurança.” Diante da ausência de sinais asseguradores, de alguém que possa dar tranquilidade e falar que o mundo está bem, as pessoas ficam inseguras. Sendo assim, acreditar em um fim do mundo no próximo dia 21 é uma das poucas certezas que algumas pessoas podem ter, diz o professor. “Parece contraditório, mas essa convicção, esse temor e expectativa aliviam um pouco.”
Entre os “preppers” não é incomum ouvir os que falam do apocalipse como uma oportunidade de limpar a corrupção e os valores frouxos da Terra. Os americanos Paul Range e Gloria Haswell, por exemplo, não chegam a tratar o fim dos tempos como uma chance de eliminar os maus elementos da terra, mas, se for preciso, estão dispostos a participar da reconstrução da civilização pós-apocalipse em moldes diferentes dos que se tem hoje. Para isso, eles passam cerca de 50 horas semanais estocando comida, treinando para sobreviver em ambientes hostis e aprimorando o bunker que construíram usando nove contêineres à prova de bala no interior do Texas. O objetivo é estarem prontos para receber e proteger 22 pessoas escolhidas a dedo e com elas recomeçar depois da tragédia do dia 21. “Esperamos algo como uma inversão de polos seguida de uma sequência de terremotos terríveis”, disse Range ao canal de televisão paga National Geographic, que o descobriu no deserto texano. Com as 23 toneladas de comida que ele e a mulher estocaram, os 150 mil litros de água em um tanque sob a terra que eles guardaram e as quatro fontes de energia renovável que já funcionam em seu complexo, suas chances são, provavelmente, maiores do que as de qualquer outro apocalíptico no mundo.
Mas, se houver alguém mais bem preparado que eles é quase certo que essa pessoa também esteja nos Estados Unidos. Lá, ser um “prepper” é coisa séria e, de tão comum, tem quem ofereça opções mais acessíveis aos que querem sobreviver ao apocalipse, mas não podem investir pesadamente em um bunker e em mantimentos como Paul e Gloria. Na Survival Condo, por exemplo, por US$ 1,5 milhão, compra-se metade de um andar de um antigo silo de mísseis desativado totalmente reformado e transformado em um pequeno apartamento com dois quartos, dois banheiros, uma sala e uma cozinha. “Cada silo tem oito andares, já vendemos um inteiro, estamos reformando um segundo e já compramos um terceiro”, diz Robert Brown, porta-voz da empresa. Opções mais em conta podem ser encontradas na Terravivos, onde lugares, e não apartamentos, estão à venda. A partir de US$ 50 mil, garante-se um assento em um dos três bunkers ainda com vagas – o primeiro, no Estado de Indiana, já está esgotado. No Brasil, a Bunker Brasil, empresa de bunkers que acomodam até 12 pessoas e custam entre R$ 800 mil a R$ 1 milhão, diz ter vendido três bunkers para clientes temerosos.
Em último caso, para quem só puder investir tempo e esforço próprios no projeto de sobrevivência pós-apocalipse, há cursos de preparo pessoal para encarar longas caminhadas, encontrar comida em meio aos escombros das cidades e se tratar com ervas medicinais. Esse foi o plano adotado pela também americana Megan Hurwitt, moradora de um pequeno apartamento em Houston, no Texas, que resolveu correr quatro horas por dia, seis vezes por semana, para ter bom condicionamento físico e assim conseguir carregar os poucos suprimentos que tem em estoque nas costas. “Já me chamaram de louca”, disse ela, também ao National Geographic. “Mas quando o mundo acabar, eu vou saber me virar enquanto os outros, que estarão soltos na rua, passarão fome.” Assim como Megan, o prefeito de São Francisco de Paula (RS), Décio Colla (PT-RS), também tem tido sua sanidade mental colocada em dúvida. Durante este ano, ele veio a público, em mais de uma ocasião, alertar a população para uma possível alteração na atividade solar prevista para o dia 21. “Há risco de tsunamis gigantescos”, diz, fazendo eco a outras muitas previsões que se misturaram e passaram a se associar à fatídica sexta-feira 21 de dezembro de 2012. O comentário lhe rendeu um pedido de interdição por parte de Assis Tadeu Barbosa Velho (PSDB-RS), vereador da cidade.
Trata-se de um grande mercado que se abriu em torno do apocalipse maia e se alimenta do medo do fim dos tempos. Não há números consolidados sobre ele, mas é fato que existe. Numa cidadezinha no sudoeste da França chamada Bugarach fala-se em alienígenas que sairão de uma montanha da região no primeiro segundo do dia 21 de dezembro para resgatar quem estiver por lá. A diária de uma casa camponesa na cidade está em 1,2 mil euros (R$ 3,3 mil). No fogo cruzado de oportunistas e charlatões estão as pessoas comuns, assustadas e ansiosas com a vida moderna e mais do que propensas a cair nos golpes que se armam em tempos como este. Que fique claro: os especialistas mais respeitados do planeta não cansam de repetir que não há nada de concreto, absolutamente nada, que sugira que o mundo acabará no próximo dia 21. Mas entre resistir ao bombardeio de profecias apocalípticas e aceitar que o dia 22 será pouco diferente de todos os outros dias do ano ou ceder a ele e apostar na possibilidade de um futuro próximo como o que se vê no cinema, repleto de explosões, invasões alienígenas, ondas gigantes e gurus redentores, muitos parecem preferir a novidade.
Fotos: Ho New/Reuters; Adriano Machado/Ag. Istoé; Divulgação; Adriano Machado/Ag. Istoé; Marcos Nagelstein; Divulgação; National Geographic Channel/ Sharp Entertainment; Sharp Entertainment/ Corey Wascinski;National Geographic Channel/Sharp Entertainment
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