quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Te Contei, não ? - O HIV que salva

Médicos usam o vírus da Aids para mudar o material genético de células de defesa, tornando-as capazes de vencer a leucemia

Cilene Pereira
Chamada.jpgESPERANÇA
Emma, na foto com sua mãe, Kari, fez o tratamento
e não tem sinais da doença há sete meses
Médicos da Universidade da Pennsylvania, nos Estados Unidos, anunciaram na semana passada um feito memorável. Usando uma forma alterada e inativa do HIV (não causa doença), o vírus da Aids, eles conseguiram conter a progressão da leucemia – tumor nos glóbulos brancos do sangue (leucócitos). A divulgação da façanha ocorreu durante a realização do encontro anual da Sociedade Americana de Hematologia e logo repercutiu no mundo. “É um marco”, afirmou o oncogeneticista brasileiro José Cláudio Casali da Rocha, do Hospital Erasto Gaertner, referência no tratamento do câncer em Curitiba, e do Centro Oncológico de Niterói, no Rio de Janeiro. “É usar os nossos inimigos a nosso favor.”

O que os cientistas fizeram foi utilizar o HIV como um veículo para atingir um objetivo. Os médicos queriam estimular o sistema imunológico dos pacientes a destruir as células tumorais. A maneira engendrada de fazer isso foi modificar geneticamente os linfócitos T (células de defesa) dos próprios doentes para torná-los mais aptos à tarefa. Milhões dessas células foram extraídas. Em seguida, os médicos criaram uma versão inativa do HIV e inseriram nele os genes que tornariam os linfócitos mais eficazes. Eles fizeram isso por um motivo simples: o vírus tem como alvo justamente os linfócitos T. Em seu estado natural, ele invade essas células e mistura nelas o seu material genético. A partir daí, elas viram uma espécie de fábrica de HIV, permitindo que o vírus se replique e se espalhe pelo corpo. Na versão modificada, porém, o HIV, em vez de colocar nos linfócitos seu material genético, colocou os genes que os médicos queriam.
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Depois de injetados novamente nos doentes, esses linfócitos modificados interromperam a progressão da doença em três adultos – dois não apresentam sinais da enfermidade há mais de dois anos – e em uma criança. Emma Whitehead, 7 anos, está há sete meses sem sinais da leucemia. “Nossa esperança é que o método possa substituir o transplante de medula óssea”, disse à ISTOÉ o médico David Porter, um dos coordenadores do experimento. O transplante pode curar a doença, mas apresenta riscos (o paciente tem seu sistema imunológico destruído e fica vulnerável a infecções). Já a terapia com o HIV pode causar complicações pulmonares e de pressão arterial e é também por essa razão que os médicos querem aprofundar as investigações. “Precisamos entender como lidar com os efeitos colaterais sem bloquear sua eficácia”, complementou Porter. Experimentos semelhantes estão sendo realizados no Instituto Nacional do Câncer e no Memorial Sloan-Kettering Center (Eua). 


Foto: Jeff Swensen/The New York Times/Latinstock

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