segunda-feira, 22 de abril de 2013

Te Contei, não ? - A Odisseia do trabalhador




Intervenções com texto entre o erudito e o popular, para levar passageiros à reflexão durante o trajeto
Foto: Marcelo Egypto / Divulgação






RIO - O longo e acidentado périplo de Ulisses de volta à casa após a batalha de Troia serve de ponto de partida para a peça “In_trânsito — Odisseias urbanas”, que estreia neste sábado no vagão das 15h, na plataforma 12, da Central do Brasil. Sim, a peça se passa num trem do ramal Saracuruna, com cenas que ocorrem dentro do vagão e também nas áreas de embarque e desembarque das estações de Bonsucesso, Triagem, Manguinhos e São Cristóvão — o percurso dura cerca de duas horas e termina no retorno à Central.
Itinerante, a montagem criada pelas diretoras Isabel Penoni e Joana Levi transfere a jornada de Ulisses — rumo à ilha de Ítaca, onde deixou sua família antes de partir para a guerra — para o cotidiano dos mais de 500 mil cariocas que se valem dos trens da SuperVia como transporte.
— A Odisseia conta a travessia de um homem que leva dez anos pra conseguir voltar pra casa — diz Joana. — Percebemos, então, que numa vida gastamos tempo demais só no trânsito. De alguma forma, somos todos Ulisses.
A ideia partiu do trânsito caótico dos grandes centros urbanos. Foram as lentas viagens de ida e volta para casa que deram às diretoras a ideia de transpor os elementos da Odisseia original. Assim, os barcos de Ulisses são agora vagões, os canais marítimos são linhas férreas, e as ilhas são as estações.
— É uma experiência que todos nós, habitantes das grandes cidades, somos obrigados a enfrentar — diz Joana. — A analogia com a Odisseia se dá na relação direta com esse espaço. As vias ferroviárias são como canais que ligam o centro às periferias da cidade. E a Central do Brasil é como um grande porto, que conecta pessoas e realidades múltiplas.
Encenada pelos atores da Cia. Marginal, sediada no Complexo da Maré e dirigida por Isabel, a montagem é guiada por um texto que une referências eruditas e populares. A tentativa é de aproximar uma narrativa mítica, histórica, a dimensões particulares e cotidianas experimentadas pela população carioca. Como a própria estrutura do trajeto, a dramaturgia é também fragmentada, episódica, em cenas que narram a rotina dos passageiros e do "tempo perdido" entre suas viagens.
— Mais do que contar uma história, queremos intervir poeticamente no percurso que as pessoas fazem quase de "olhos fechados", como que encerrados em si mesmos — diz Isabel.
Fora da caixa preta, a montagem se vale do espaço, do ambiente em que está inserida, inserindo na narrativa elementos que se encontram pelo caminho, a partir do que a cidade oferece como conteúdo.
— O trajeto em si dá corpo à dramaturgia — diz Isabel.
Joana segue viagem.
— É um percurso interativo, com experiências inesperadas, que pretendem provocar um novo olhar sobre o outro e sobre o entorno — diz.
Servindo-se da cidade, a montagem também serve à cidade, quando se desvia do circuito tradicional das casas da Zona Sul e conduz o teatro para outras linhas e plataformas.
— Ao levar a peça a um trem estamos misturando públicos, moradores da Zona Sul que não usam com frequência esse tipo de transporte e moradores da periferia, que comumente não vão aos teatros — diz Joana.
A temporada segue até 13 de maio, sábados e domingos às 15h, e às segundas-feiras, às 14h.

Jornal O Globo - 20/04/13

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