terça-feira, 30 de abril de 2013

Te Contei, não ? - A poesia africana de Língua Portuguesa: compromisso com a negritude.

 
 
 
 
 
 

 
Rubens Pereira dos Santos
 
 
Professor Assistente Doutor do Departamento de Literatura – FCL Unesp/Assis
E-mail: reviru@terra.com.br
RESUMO: O presente artigo insere-se numa proposta de pesquisa mais abrangente. Busca aqui discutir a importância da poesia modernista brasileira para os poetas africanos de língua portuguesa. Partindo da questão da negritude como o momento em que os africanos viram a necessidade do resgate de sua identidade e essa busca levou-os à literatura brasileira. Eles consideravam o Brasil como o país irmão, que sofreu também com a colonização portuguesa e que, histórica e afetivamente, tinha ligações com a África. Poetas brasileiros (Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto) foram de certa forma, motivadores do processo de desenvolvimento da produção poética nos países africanos de língua portuguesa.
PALAVRAS-CHAVE: poesia; africana; brasileira.

A poesia africana, a partir de 1930, apresentou características que a tornaram importante veículo de divulgação da consciência negra, em virtude do movimento e que revolucionou a África e os países que tinham como elementos formadores homens de origem africana. Trata-se do Movimento da Negritude. Movimento que surgiu em 1935, tendo como líderes Aimé Cèsaire, Damas e Leopold Senghor.
Cèsaire foi o que usou o termo pela primeira vez e teve uma participação fundamental nas mudanças que ocorreriam. Alpha I. Sow em Introdução à cultura africana (1977) disse que o movimento “definia, exaltava e valorizava os dados específicos da identidade dos povos negros, a braços com as violências sócio-culturais da escravatura e do colonialismo”. Assinalando o caráter de combate do movimento, o historiador afirma que a negritude exerceu o papel de mobilizador para que os negros ganhassem confiança em suas próprias forças e partissem, naquele primeiro momento, no resgate de sua cultura. Na verdade, o que acontecia então era um projeto de renascimento dos povos negros e o movimento da negritude foi a principal arma utilizada. Isto porque o movimento devolveu aos negros colonizados a consciência de si mesmos e deu coragem àqueles que sofriam os efeitos cruéis da colonização para enfrentar os colonizadores. Temos um retorno às origens, aos valores negros da civilização; daí a necessidade de lutar contra os invasores. Com isso, vê-se espalhar por toda a África a busca de suas identidades, em consequência dessa procura, há um reavivamento da cultura africana, que o colonizador tanto
tentou extinguir. Esse efervescer cultural atingiu – como não poderia deixar de ser – as nações africanas de língua portuguesa: Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné Bissau. A literatura desses países, a poesia em particular, partiu para mostrar o que os seus intelectuais faziam em termos de cultura e qual o vínculo dos escritos com o ser negro, o ser africano.
 
A poesia negra de língua portuguesa
A referência à negritude, a ligação do conceito ao sentimento, à sensibilidade rítmica seria, segundo o senegalês Senghor, o diferencial entre o africano e o europeu. O tomense Francisco José Tenreiro e o angolano Mário Pinto de Andrade comungavam as mesmas ideias e, daí, resolveram publicar Poesia negra de expressão portuguesa, no início da década de 1950. Em 1942, Tenreiro já utilizava o termo negritude em Ilha do Nome Santo, sendo considerado o primeiro a usá-lo na África portuguesa. Tenreiro, entretanto não via outro objetivo no movimento a não ser o cultural, o Caderno da poesia negra traz autores do exotismo e autores que buscavam exprimir o que se entendeu chamar de negritude. Já Mário Pinto de Andrade pensava um pouco diferente, tanto é que se uniu a intelectuais negroafricanos de Paris, chegando a dirigir a revista Présence Africaine, órgão responsável pela divulgação da produção intelectual da comunidade negra. O Caderno de Poesia negra traz autores como Agostinho Neto, poeta que viria a ser o grande líder da libertação angolana. O poema Aspiração, é um exemplo do comprometimento do intelectual que traz a realidade da situação do negro não apenas na sua terra, mas no mundo:
 
Ainda o meu canto dolente
E a minha tristeza
No Congo, na Grécia, no Amazonas
E nas sanzalas
Nas casas nos subúrbios das cidades
Para lá das linhas
Nos recantos escuros das casas ricas
Onde os negros murmuram: ainda
 
O vocábulo ainda revela que o poeta tem consciência de que a miséria e o sofrimento do negro continuam. Sabe também que não basta denunciar as injustiças para que elas acabem. As realidades não se alteram nomeando-as; é necessário agir sobre elas. No poema estão contemplados os elementos que Senghor disse ser a  marca do negro: o ritmo e a emoção. Vejam como o poema de Agostinho Neto possui estes dois elementos:
 
Nos recantos escuros das casas ricas
Onde os negros murmuram: ainda
 
De Agostinho Neto também é o poema Contratados
 
 
Longa fila de carregadores
domina a estrada
com os passos rápidos
Sobre o dorso
Levam pesadas cargas
Vão
olhares longínquos
corações medrosos
braços fortes
sorrisos profundos como águas profundas
Largos meses os separam dos seus
e vão cheios de saudades
e de receio
mas cantam
Fatigados
esgotados de trabalhos
mas cantam
Cheios de injustiças
Caladas no imo das suas almas
e cantam
Com gritos de protesto
mergulhados na lágrimas do coração
e cantam
Lá vão
perdem-se na distância
na distância se perdem os seus cantos tristes
Ah!
e cantam...
 
No poema, Neto fala da vida difícil dos contratados. O contrato, na realidade, foi um regime implantado pelos portugueses nas colônias, no sentido de “amenizar” a vida dos angolanos, mas realmente significou um regime de semi-escravidão. O negro que já havia perdido sua identidade, continuou a ser tratado como um animal. Os versos seguintes apontam para a ida de uma leva de negros para o contrato, sem nenhuma perspectiva de retorno: “Vão/olhares longínquos/corações medrosos/sorrisos profundos como águas profundas”. Apesar do medo, das saudades dos seus, do cansaço e da crueldade da situação a que estavam submetidos cantavam. Neto mostra, poeticamente, o brutal tratamento dado aos negros. Aliás, o poeta angolano, juntamente com os recursos poéticos utilizados em seu versejar, nunca deixou de falar sobre os problemas da sociedade angolana sob o regime colonial, como podemos observar no poema Quitandeira: ao lado do lirismo “A luz brinca na cidade/o seu quente jogo/de claros e escuros/ e a vida brinca/em corações aflitos/ o jogo da cabra-cega”, encontramos o grito de protesto “Compra laranjas doces/compra me também o amargo/desta tortura/ da vida sem vida”.
De Angola vamos para Moçambique e lá encontraremos duas vozes: uma feminina (Noemia de Sousa); outra masculina (José Craveirinha). Os versos de Noemia revelam a força mística da palavra – tão cara aos africanos -, o grito de revolta pelo cruel tratamento dado aos negros. Sangue Negro tem o objetivo de mostrar o amor que Noemia tem pela sua terra, pela sua Mãe África.
 
 
Ò minha mãe África misteriosa e natural,
Minha virgem violentada,
Minha Mãe!
.................................................................
Mãe, minha mãe África
Das canções escravas ao luar,
Não posso, não posso repudiar
O sangue bárbaro que me legaste...
Porque em mim, em minha alma, em meus nervos,
Ele é mais forte que tudo,
Eu vivo, eu sofro, eu rio através dele, mãe!
 
Noemia de Sousa teve uma militância importante nos movimentos pela libertação de seu país. Assinava como Vera Micaia e foi uma forte voz em Moçambique. Os poemas de Noemia têm uma inflexão reveladora da tradicional marca da poesia negra: o ritmo, que se aproxima muito do spirituals dos afroamericanos. Deixa passar meu povo está marcado por essa referência.
Craveirinha, como Noemia de Sousa, escreveu versos que clamavam por liberdade, que traduziam o engajamento do poeta na luta pelo resgate da identidade de seu povo. Grito negro é o poema que melhor traduz a disposição de luta dos intelectuais moçambicanos, Craveirinha representava nos versos do poema toda uma comunidade que sentia a necessidade de acabar de vez com a crueldade dos invasores, reavivando de forma definitiva a cultura do povo moçambicano
 
Eu sou carvão! Tenho que arder na exploração
Arder até às cinzas da maldição
Arder vivo como alcatrão, meu Irmão
Até não ser mais tua mina
 
Patrão!
 
 
No poema A minha dor, o poeta, que foi preso durante muito tempo pelas forças portuguesas, fala que “o preto que gritou/ é a dor que não se vendeu”
 
Dói a mesmíssima angústia
Nas almas dos nossos corpos
Perto e à distância.
E o preto que gritou
É a dor que não se vendeu
Nem na hora do sol perdido
Nos muros da cadeia.
 
O poema que finaliza o Caderno de poesia negra Mamã Negra, do angolano
Viriato da Cruz representa também a relação filial do poeta com a África. Como os outros aqui mencionados, participante das lutas pela libertação. Em Mamã África temos a síntese do que foi a negritude para os intelectuais das nações de língua portuguesa:
 
Pelo teu regaço, Minha Mãe,
Outras gentes embaladas
À voz de ternura ninadas
Do teu leite alimentadas
De bondade e poesia
De musica, de ritmo e graça...
Santos poetas e sábios...
Outras gentes... não teus filhos,
Que estes nascendo alimárias
Semoventes, coisas várias,
Mais são filhos da desgraça:
A enxada é o seu brinquedo
Trabalho escravo – folguedo...
Pelos teus olhos minha Mãe
Vejo oceanos de dor
Claridades de sol-posto, paisagens
Roxas paisagens Dramas de Cam e Jafé...
 
Mas vejo (oh! Se vejo...)
Mas vejo também que a luz roubada aos teus olhos ora esplende
Demoniacamente tentadora – como a Certeza...
Cintilantemente firme – como a Esperança...
Em nós outros, teus filhos,
Gerando, formando, anunciando –
O dia da humanidade
O Dia da Humanidade!...
 
O clamor dos versos finais parece que repercutiu por toda Angola, por toda a África, enfim por todo o universo. A voz dos poetas acordou a todos, levou o negro a sentir a sua importância como ser humano e a ter orgulho de ser negro. Ecos de alegria que se misturam com a tristeza do passado e com o preconceito do presente.
 
Um diálogo com a poesia brasileira
 
Como vimos, o movimento da negritude impulsionou grande parte da poesia africana de língua portuguesa. Os poetas que estavam comprometidos com a luta pela libertação e pelo resgate da identidade africana, manifestaram-se enfaticamente, mesmo aqueles que – caso de Noemia de Sousa – não tiveram conhecimento da negritude como o marco inicial de recuperação identitária. Entretanto, a questão da negritude foi um dos responsáveis por esse momento da poesia africana de língua portuguesa; outro elemento importante foi a “descoberta” da poesia moderna brasileira. Uma “descoberta” que rendeu excelentes frutos à poesia de Angola, Cabo Verde e Moçambique. Não dá para negar que a poesia portuguesa também era importante para os africanos de língua portuguesa, por exemplo, em O testamento do senhor Napumoceno, Germano Almeida coloca como um “bem” do morto a ser entregue a uma mulher misteriosa o livro de poesias Só, de Antonio Nobre. Camões, Fernando Pessoa, Cesário Verde, Camilo Pessanha foram outros poetas da predileção de muitos dos poetas africanos. Contudo, as obras de Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral e Ribeiro Couto repercutiram positivamente nos países africanos de língua portuguesa.
Manuel Bandeira foi o grande responsável pelo nascimento de um importante movimento em Cabo Verde no final da década de 30: o movimento evasionista, também conhecido como pasargadista, clara alusão ao Itinerário de Pasárgada, de Manuel Bandeira. O movimento absorveu durante muito tempo a produção poética das Ilhas, produzindo até o seu contraponto: o movimento antievasionista ou antipasargadista. Como representantes do evasionismo caboverdiano pode-se citar os poetas Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes da Silva), Manuel Lopes e Jorge Barbosa, criadores da revista de literatura e arte Claridade, órgão responsável pelo surgimento da moderna literatura caboverdiana. Do lado oposto, os poetas Ovídio Martins e
Onésimo Silveira, que defendiam o ficar em Cabo Verde.
Bandeira causou verdadeiro alumbramento em Cabo Verde. Os poetas ilhéus encontraram nos versos do poeta pernambucano uma semelhança com as paisagens das Ilhas, as lembranças do passado, a vida passando pelas relações pessoais.
Evocação do Recife causou um verdadeiro frisson em Cabo Verde:
 
Recife
Não a Veneza americana
Não a Maurisstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois – Recife das
revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada Recife da minha infância
 
Era na preocupação com a infância, os brinquedos infantis, o “chicotequeimado”, a quebra das vidraças o grito dos meninos: “Coelho sai!/Coelho não sai!” ou a fala macia das meninas “Roseira dá-me uma rosa/Craveiro dá-me um botão”, que Bandeira recordava a sua meninice. Osvaldo Alcântara escreveu “Saudade fina de Pasárgada...”, alusão clara à Pasárgada de Bandeira. Chegando mesmo a colocar versos que lembravam cenas da infância e aspectos do dia a dia do caboverdiano. Se em Evocação do Recife os meninos gritavam Coelho sai!/Coelho não sai!, no poeta de Cabo Verde encontramos também uma fala dos meninos: Indo eu/indo eu/ a caminho de Viseu..., versos reveladores da diáspora caboverdiana. Na contramão do pasargadismo, Ovídio Martins escreve o poema “Não vou pra Pasárgada”, poemareferência do antievasionismo, destacando um traço bastante evidente na cultura caboverdiana: o conflito entre o ir e o ficar.
Um outro brasileiro que teve uma aceitação enorme entre os intelectuais africanos foi o alagoano Jorge de Lima. A presença africana é uma constante em seus versos, em O mundo do menino invisível:
 
Fim da tarde, boquinha da noite
com as primeiras estrelas
e os derradeiros sinos
Entre as estrelas e lá detrás da igreja,
surge a lua cheia
para chorar com os poetas
E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:
o sol e os meninos
Mas ainda vela
o menino impossível
aí do lado
enquanto todas as crianças mansas
dormem
acalentadas
por Mãe-negra Noite
 
Como Bandeira, Lima também recorre às reminiscências das brincadeiras infantis, ao lado dos sonhos da criança. Brinquedos que se tornam reais “E os sabugos de milho/mugem como bois de verdade...” O jogo do faz-de-conta realiza-se “E as pedrinhas balem!/ Coitadinhas das ovelhas mansas/longe das mães/ presas nos currais de papelão!”
Jorge de Lima faz um resgate poético, do folclore, dos costumes do povo simples e das canções de ninar:
 
Xõ! Xô! Pavão”
Sai de cima do telhado
Deixa o menino dormir
Seu soninho sossegado.
 
Canções de ninar que eram entoadas pelas pretas velhas, pelas bás que cuidavam das crianças dos senhores. As referências aos negros não se resumem a reminiscências da infância, em Banguê, por exemplo,
 
 
Cadê a sua casa-grande banguê,
Com as suas Dondons,
Com as suas Têtês,
Com as suas Bembens, com as suas donanas alcoviteiras?
 
Ou quando o poeta fala dos quilombos “com seus negros mucufas”: “Folga
negro/Branco não vem cá!/Si vunhé/Pau há de levá!”.
 
A África negra chega com toda a sua religiosidade nos versos seguintes:
 
Rei é Oxalá que nasceu sem se criar.
Rainha é Iemanjá que pariu Oxalá sem se manchar.
Grande santo é Ogum em seu cavalo encantado.
Eu cumba vos dou curau. Daí-me licença angana.
Porque a vós respeito,
E a vós peço vingança
Contra os demais aleguás e capiangos brancos,
Agô!
Que nos escravizam, que nos exploram...
 
Carlos Drummond de Andrade foi homenageado por muitos poetas africanos.
João Maimona, por exemplo, tem um poema dedicado a Drummond: Poema para Carlos Drummond de Andrade:
 
 
É útil redizer as coisas
As coisas que tu não viste
No caminho das coisas
No meio de teu caminho.
Fechaste os teus dois olhos
Ao bouquet de palavras
Que estava a arder na ponta do caminho
O poema que esplende os teus dois olhos.
Anuviaste a linguagem de teus olhos
Diante da gramática da esperança
Escrita com as manchas de teus pés descalços
Ao percorrer o caminho das coisas.
Fechaste os teus dois olhos
Aos ombros do corpo do caminho
E apenas viste apenas uma pedra
No meio do caminho.
No caminho doloroso das coisas
 
Na realidade a admiração dos poetas africanos de Língua Portuguesa vem muito menos pelo compromisso que o poeta teria com a poesia negra ou por uma eventual adesão do poeta brasileiro a favor da causa africana; vem, sim, pela forma de versejar do itabirano, pelo trabalho esmerado com a palavra, enfim, pelo tratamento estético especial que dá aos seus versos. Entretanto, ele também tem um
poema, Canto Negro, onde revela uma relação com o negro:
 
Vejo os garotos na escola,
Preto-branco-branco-preto,
Vejo pés pretos e uns brancos
Dentes de marfim mordente,
O alvor do riso escondendo
Outra negridão maior,
O negro central, o negro que enegrece teu negrume
E que nada mais resume além dessa solitude
Que do branco vai ao preto
E do preto volta pleno de soluços e resmungos,
Como um rancor de si mesmo...
 
O mesmo ocorre com a poesia de João Cabral de Melo Neto. O poeta moçambicano José Craveirinha já afirmava a sua admiração pelo poeta pernambucano, explicitamente por causa do trato que dava à palavra. O poema “Catar feijão” de A educação pela pedra é um dos favoritos de Corsino Fortes, um dos mais importantes poetas caboverdianos. Não se trata de uma admiração gratuita, pois Corsino elabora seus versos à moda cabralina, como se pode notar no poema De boca a Barlavento I:
 
 
Esta
a minha mão de milho & marulho
Este
o sol a gema E não
o esboroas do osso na bigorna
E embora
O deserto abocanhe a minha carne de homem
E caranguejos devoram
esta mão de semear
Há sempre
Pela artéria de meu sangue que
g
o
t
e
j
a
De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
Para dentro das violas
 
Corsino, como se vê, incorporou toda a modernidade da poética das literaturas
de língua portuguesa, sendo um dos representantes dessa busca de novas formas de expressão. Do lado brasileiro Jorge de Lima, Drummond e Cabral deram uma importante contribuição para o desenvolvimento da poesia em língua portuguesa.
Aliás de Cabral é o poema “O urubu mobilizado” que, fecha este artigo, como referência a um problema que ciclicamente assola o Arquipélago de Cabo Verde, poema este que representa de forma clara o grande arquiteto da palavra que foi Cabral:
 
Durante as secas do Sertão, o urubu,
de urubu livre, passa a funcionário.
O urubu não retira, pois prevendo cedo
que lhe mobilizarão a técnica e o tacto,
cala os serviços prestado e diplomas,
que o enquadrariam num melhor salário,
e vai acolitar os empreiteiros da seca,
veterano, mas ainda com zelos de novato:
aviando com eutanásia o morto incerto,
ele, que no cível quer o morto claro.
Embora mobilizado, nesse urubu em ação
reponta logo o perfeito profissional.
No ar compenetrado, curvo e conselheiro,
no todo de guarda-chuva, na unção clerical,
com que age, embora em posto subalterno:
ele, um convicto profissional liberal.
 
 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário