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Moradora do edifício 77 da Rua Pompeu Loureiro, em Copacabana, a produtora de teatro Sílvia Sobral, de 46 anos, acabara de acordar, na manhã do último dia 3, quando soube que o assacu, uma enorme árvore amazônica diante do seu prédio, estava sendo cortado. Ao descer, deparou-se com uma cena devastadora: pedaços de tronco pelo chão, quatro caminhões da Comlurb recolhendo os destroços e uma penca de funcionários com serras cortando o que sobrara. Sílvia viu também sua mãe, vizinha de rua que, num canto, chorava. — Ela estava aos prantos. Tinha ficado viúva três meses antes, e agora, aquilo — lembra. — A árvore era como se fosse um parente, um ente querido. Nascida e criada na Pompeu Loureiro (rua que liga a Toneleiros à Lagoa), Sílvia pertence à terceira de cinco gerações da família Sobral que conviveu com o assacu. A árvore, centenária, estava em Copacabana quando o bairro era um matagal inexplorado, quando foi aberto o Túnel Velho que o ligou a Botafogo, quando surgiram as primeiras casas e sobrados, e quando as primeiras casas e sobrados deram lugar aos primeiros prédios. Em 1977, o assacu viu ser erguido, diante de si, o edifício Bandeirante João do Prado. O antigo dono do terreno, o representante comercial Otto Schuback fez constar em cartório que a árvore não poderia ser derrubada. O edifício de 15 andares teve que ser construído com recuo, para dar espaço aos 23 metros de altura e 25 metros de copa ocupados pelo assacu. Em 2006, a glória: um decreto da prefeitura declarou a árvore “imune ao corte”. Uma placa, colocada junto à sua raiz, permanece lá, homenageando Schuback. Lembra sua batalha pela “preservação deste belíssimo e imponente exemplar arbóreo, presenteando o bairro de Copacabana”. O texto terminava com um apelo: “Ajude a protegê-lo.” — Eles atropelaram a legislação! — esbraveja Sílvia, lembrando o dia do corte. — O cara da Comlurb (companhia municipal responsável pelo corte da árvore) tinha um único documento dizendo que o estado fitossanitário da árvore era “aparentemente bom”. A gente gritava “para!”, e ele continuava. Às três da tarde, por ordem da delegada Soraia Santana, da 12ª DP, o procedimento foi interrompido. Oito horas após o começo do corte, restou um esqueleto de madeira com galhos pendurados, espectro do que fora a árvore até o dia anterior. — Parece um estilingue, ou dois braços pedindo socorro — diz a produtora de cinema Monique de Almeida, de 33 anos. — Os ninhos de pássaro caíram junto com os galhos. Quando acordo e olho para a árvore, é uma tristeza muito grande. Moradora do edifício 79, Monique se mudou para a Pompeu Loureiro há cinco anos, influenciada pela presença da árvore. — Eu e meu marido vimos dois apartamentos no início da rua, mas quando entramos aqui e demos de cara com aquele paredão de folhas na janela da sala, falamos: “É este.” Agora, se vê obrigada a testemunhar a vida dos vizinhos: — Parece que estou em outro apartamento. A privacidade que eu tinha não existe mais. O apartamento ficou mais quente. Meu marido diz que já não faz mais tanta questão de morar aqui.
O triste destino do assacu foi selado no dia 1º de outubro do ano passado, quando o engenheiro florestal Luiz Guilherme Menescal, funcionário da Fundação Parques e Jardins, foi convocado a avaliar a situação da árvore. Mesmo apontando que seu estado fitossanitário era “aparentemente bom” (ou seja, saudável), recomendou a remoção. O pedido de vistoria partira do agente de turismo Ítalo Siqueira, de 57 anos. Síndico do edifício Bandeirante João do Prado, Siqueira andava ressabiado com os danos que a raiz da árvore vinha provocando à garagem do condomínio: vidros estourados e uma viga rompida, todos no térreo, na divisa com a calçada e distante dos apartamentos. — Eram vidros temperados, com um centímetro de espessura. Custam R$ 1.200 cada um, demoram uns 15 dias para entregar — explica. — Estouraram três numa noite. Siqueira percebeu, também, que a árvore parecia tombar em direção ao asfalto. — A gente ficou apavorado, e começou a insistir para que a Parques e Jardins tomasse alguma providência. Mas eu não tenho o poder de cortar a árvore. Não imaginava que seria essa a solução — alega. No dia 26 de fevereiro, cinco meses após a vistoria, Siqueira recebeu um e-mail em que eram apontados “os possíveis riscos sobre pessoas, veículos e outros prédios” que uma eventual queda da árvore poderia provocar. O texto, assinado por Flavio Telles, diretor de Arborização da Fundação Parques e Jardins, decretava: “Por tudo acima exposto é que o grupo fez a opção pela remoção.” A operação foi marcada para dali a cinco dias. Siqueira respondeu por e-mail (“Sei que ouviremos várias reclamações, mas infelizmente o vegetal está nos trazendo mais preocupações do que alegrias” (...) Seria já a hora de pensarmos em plantar outra espécie no mesmo local e qual seria a mais indicada?”), e avisou aos condôminos que haveria uma grande poda no assacu. Em momento algum, admite, deu a entender que a árvore seria extirpada. — Até a última hora eu não aceitava que esses caras iam cortar esse troço. Eu vim morar aqui por causa do verde. Com a árvore, o condomínio ganha mais do que sem ela — defende- se, durante uma conversa na varanda de seu apartamento. — Agora estão me achando o vilão da história. Tá um desgaste muito grande. Não tenho medo de apanhar, mas o olhar das pessoas é pior. Moradora do apartamento 302 do mesmo edifício, a professora Maria Célia de Pinho Maurício, de 77 anos, diz que “o síndico nunca tocou no assunto da árvore nas reuniões de condomínio”. — Ele disse que haveria uma poda, mas não imaginei que, quando voltasse da rua, ia encontrar isso — reclama. — Não houve laudo da Defesa Civil dizendo que o prédio ia ruir. Ela agora tem colocado plantas em sua varanda, para camuflá-la da vizinhança: — Comprei uma samambaia. Os passarinhos que viviam na árvore vêm beber água nela, ainda tontos. Presidente da Fundação Parques e Jardins, Mauro Duarte diz que sua equipe buscou uma solução paliativa antes de optar pela morte da árvore: — Existem técnicas de escoramento em parques, que não cabem ali, numa rua com movimento absurdo, por questão de espaço. Por isso, defende, a solução foi correta. — Já vi casos de árvores em posição normal tombarem no Largo do Machado. O assacu está sadio, o problema é o risco, e risco não é possível mensurar — alega. — Nessas situações, pode-se cortar a árvore independentemente de ser imune. Não houve Crime Ambiental; o que houve foi falha de comunicação. Na tentativa de remediar a falha, na semana passada Duarte recebeu um grupo de moradores da Rua Pompeu Loureiro, que carregava um abaixo-assinado com 1.688 assinaturas pedindo a formação de uma comissão de notório saber. A comissão, capitaneada pela Associação Profissional dos Engenheiros Florestais do Rio de Janeiro, concluirá se a árvore precisa ou não ser derrubada. Produtora de arte da TV Globo, Danusa Pires, de 48 anos, tem vindo diariamente de sua casa, no Recreio dos Bandeirantes, para saber como estão as investigações. Ela, que morou na Pompeu Loureiro a maior parte de sua vida, acaba de tatuar uma folha de assacu no ombro direito. — A fundação dessa árvore é mais segura que a do prédio. No dia que a cortaram, a bicha estava no auge da energia, dando frutos — lamenta. — Eu espero que não a derrubem. Mas para ela voltar a ser o que era, vai demorar uns 30 anos. Não sei se vou estar aqui para ver. l
“ESTÃO ME ACHANDO O VILÃO DA HISTÓRIA. NÃO TENHO MEDO DE APANHAR, MAS O OLHAR DAS PESSOAS É PIOR”
ÍTALO SIQUEIRA - Síndico do edifício Bandeirante João do Prado
O triste destino do assacu foi selado no dia 1º de outubro do ano passado, quando o engenheiro florestal Luiz Guilherme Menescal, funcionário da Fundação Parques e Jardins, foi convocado a avaliar a situação da árvore. Mesmo apontando que seu estado fitossanitário era “aparentemente bom” (ou seja, saudável), recomendou a remoção. O pedido de vistoria partira do agente de turismo Ítalo Siqueira, de 57 anos. Síndico do edifício Bandeirante João do Prado, Siqueira andava ressabiado com os danos que a raiz da árvore vinha provocando à garagem do condomínio: vidros estourados e uma viga rompida, todos no térreo, na divisa com a calçada e distante dos apartamentos. — Eram vidros temperados, com um centímetro de espessura. Custam R$ 1.200 cada um, demoram uns 15 dias para entregar — explica. — Estouraram três numa noite. Siqueira percebeu, também, que a árvore parecia tombar em direção ao asfalto. — A gente ficou apavorado, e começou a insistir para que a Parques e Jardins tomasse alguma providência. Mas eu não tenho o poder de cortar a árvore. Não imaginava que seria essa a solução — alega. No dia 26 de fevereiro, cinco meses após a vistoria, Siqueira recebeu um e-mail em que eram apontados “os possíveis riscos sobre pessoas, veículos e outros prédios” que uma eventual queda da árvore poderia provocar. O texto, assinado por Flavio Telles, diretor de Arborização da Fundação Parques e Jardins, decretava: “Por tudo acima exposto é que o grupo fez a opção pela remoção.” A operação foi marcada para dali a cinco dias. Siqueira respondeu por e-mail (“Sei que ouviremos várias reclamações, mas infelizmente o vegetal está nos trazendo mais preocupações do que alegrias” (...) Seria já a hora de pensarmos em plantar outra espécie no mesmo local e qual seria a mais indicada?”), e avisou aos condôminos que haveria uma grande poda no assacu. Em momento algum, admite, deu a entender que a árvore seria extirpada. — Até a última hora eu não aceitava que esses caras iam cortar esse troço. Eu vim morar aqui por causa do verde. Com a árvore, o condomínio ganha mais do que sem ela — defende- se, durante uma conversa na varanda de seu apartamento. — Agora estão me achando o vilão da história. Tá um desgaste muito grande. Não tenho medo de apanhar, mas o olhar das pessoas é pior. Moradora do apartamento 302 do mesmo edifício, a professora Maria Célia de Pinho Maurício, de 77 anos, diz que “o síndico nunca tocou no assunto da árvore nas reuniões de condomínio”. — Ele disse que haveria uma poda, mas não imaginei que, quando voltasse da rua, ia encontrar isso — reclama. — Não houve laudo da Defesa Civil dizendo que o prédio ia ruir. Ela agora tem colocado plantas em sua varanda, para camuflá-la da vizinhança: — Comprei uma samambaia. Os passarinhos que viviam na árvore vêm beber água nela, ainda tontos. Presidente da Fundação Parques e Jardins, Mauro Duarte diz que sua equipe buscou uma solução paliativa antes de optar pela morte da árvore: — Existem técnicas de escoramento em parques, que não cabem ali, numa rua com movimento absurdo, por questão de espaço. Por isso, defende, a solução foi correta. — Já vi casos de árvores em posição normal tombarem no Largo do Machado. O assacu está sadio, o problema é o risco, e risco não é possível mensurar — alega. — Nessas situações, pode-se cortar a árvore independentemente de ser imune. Não houve Crime Ambiental; o que houve foi falha de comunicação. Na tentativa de remediar a falha, na semana passada Duarte recebeu um grupo de moradores da Rua Pompeu Loureiro, que carregava um abaixo-assinado com 1.688 assinaturas pedindo a formação de uma comissão de notório saber. A comissão, capitaneada pela Associação Profissional dos Engenheiros Florestais do Rio de Janeiro, concluirá se a árvore precisa ou não ser derrubada. Produtora de arte da TV Globo, Danusa Pires, de 48 anos, tem vindo diariamente de sua casa, no Recreio dos Bandeirantes, para saber como estão as investigações. Ela, que morou na Pompeu Loureiro a maior parte de sua vida, acaba de tatuar uma folha de assacu no ombro direito. — A fundação dessa árvore é mais segura que a do prédio. No dia que a cortaram, a bicha estava no auge da energia, dando frutos — lamenta. — Eu espero que não a derrubem. Mas para ela voltar a ser o que era, vai demorar uns 30 anos. Não sei se vou estar aqui para ver. l
“ESTÃO ME ACHANDO O VILÃO DA HISTÓRIA. NÃO TENHO MEDO DE APANHAR, MAS O OLHAR DAS PESSOAS É PIOR”
ÍTALO SIQUEIRA - Síndico do edifício Bandeirante João do Prado
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