terça-feira, 30 de abril de 2013

Te Contei, não ? - O dever de reagir





Por ser menor de idade, o assassino de Victor Deppman vai ficar não mais que três anos internado. Isso tem de mudar

Nas sociedades primitivas, a única forma de punir um assassino era pela vingança. O método incluía o emprego da força física e podia ser executado pelo ofendido, seu clã ou sua tribo. Nesse processo, não se discutia o que era crime, quem podia ou não ser punido, nem as circunstâncias em que o assassinato ocorrera - em outras palavras, não se discutia a culpabilidade. A vingança era também indistinta, o que quer dizer que ninguém se importava em dar ao crime uma punição proporcional à sua gravidade. Tal conta não existia. Hoje existe. Mesmo assim, o jovem que matou o estudante Victor Hugo Deppman para roubar seu celular vai ficar não mais do que três anos internado em uma instituição para menores, já que, na data em que cometeu o assassinato, estava a três dias de completar 18 anos, idade da maioridade penal brasileira. Pode se dar a isso o nome de justiça?
Os defensores da manutenção desse patamar se apoiam em três argumentos principais: antes dos 18 anos, os jovens ainda não estão plenamente conscientes de seus atos; a idade penal é a mesma no Brasil desde 1940 e mudá-la agora, sob a influência de mais um crime bárbaro, seria ceder à emoção; baixar esse limite não diminuiria a criminalidade.
A levar era conta o primeiro argumento, o psicanalista Contardo Calligaris, em sua coluna na Folha de S.Paulo, lembrou que o Brasil teria de elevar a maioridade penal para 25 anos, já que é só nessa fase que o córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pela tomada de decisões, está plenamente desenvolvido. A maturidade é relativa aos olhos da lei. Os mesmos jovens inimputáveis por serem menores de 18 anos têm discernimento para tomar decisões como escolher o presidente da República (16 anos) e manter relações sexuais com um adulto sem que isso seja considerado estupro presumido (14 anos).
Contra o argumento de que mudar a lei agora seria ceder à emoção, é preciso lembrar que alterações na legislação impulsionadas pela indignação não são necessariamente ruins. O aumento do tempo necessário para que um preso por crime hediondo passe do regime fechado para outro mais leve só foi implantado por causa da reação da sociedade ao assassinato brutal do menino João Hélio, no Rio, em 2007. Da mesma forma, a Lei da Ficha Limpa foi aprovada pelo Congresso no rastro da indignação popular com os seguidos escândalos de corrupção.
Resta o terceiro argumento. É verdade que não há estudos que comprovem uma relação direta entre a redução da maioridade penal e a diminuição da criminalidade. Mas é indiscutível que a manutenção do atual patamar aumenta o contingente de jovens potencialmente "instrumentalizáveis" por bandidos mais velhos interessados em driblar a lei. O número de menores em instituições de correção triplicou em uma década; de 7 600, em 2002, passou para 22000, em 2011. Essa explosão foi impulsionada principalmente por infratores internados por tráfico de drogas.
A proporcionalidade entre a ofensa e a punição é uma conquista da civilização - e compõe o que chamamos de Justiça. Victor Deppman não avançou contra o seu assassino nem relutou em entregar-lhe seu celular. Morreu mesmo assim. O Brasil tem o dever de reagir por ele.
 
Revista Veja
 

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