domingo, 28 de abril de 2013

Te Contei, não ? - Ele acredita na rapaziada

O romancista americano John Green tornou-se um fenômeno do segmento jovem com livros que prestam homenagem à inteligência dos adolescentes

Jerônimo Teixeira

Os personagens de John Green costumam ser adolescentes - e muito inteligentes. Colin Singleton, o herói de O Teorema Katherine (tradução de Renata Pettengill; Intrínseca; 304 páginas; 29,90 reais, ou 19,90 reais na versão digital), recém-lançado no Brasil, é um gênio matemático com estranhas fixações verbais: só namora meninas chamadas Katherine (a narrativa começa, aliás, quando o personagem leva um fora da décima nona namorada da série). A Culpa É das Estrelas, também publicado no Brasil pela Intrínseca, é narrado e protagonizado por Hazel Grace, uma adolescente que sofre ~ de câncer na tireoide e tem ~ adoração fervorosa pela obra de Peter Van Houten, escritor americano que publicou um único romance e se exilou na Holanda. Van Houten é fictício, mas a obra traz outras referências literárias, a começar pelo título, que cita Julio César, de Shakespeare. Pela voz de Hazel, Green fala em Vladimir, Estragon e Godot e não se sente obrigado a dizer em que peça teatral esses personagens figuram, e cita versos de A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock sem nomear o autor do poema. O escritor americano dá de barato que o leitor adolescente conhece esses clássicos, ou que, caso não os conheça, será esperto o bastante para buscar a informação nos livros ou naintemet (o leitor presumivelmente adulto desta resenha terá percebido que a mesma fé acaba de ser depositada sobre ele). Parece ter funcionado: A Culpa É das Estrelas vendeu cerca de 1 milhão de exemplares nos Estados Unidos. No Brasil, foram perto de 90000, e contando: nesta semana, a obra está em sexto lugar. na lista de mais vendidos de ficção em VEJA. Aos 35 anos, com cinco livros publicados, John Green é uma estrela do segmento chamado de young adult - a literatura para adolescentes e jovens, que, pelo menos antes do estouro do erotismo soft com Cinquenta Tons de Cinza, era o grande esteio da indústria editorial americana. "Não me oponho ao rótulo, mas talvez os leitores adultos de A Culpa É das Estrelas possam se incomodar com ele". diz Green. "Gosto de escrever para adolescentes e sobre adolescentes. É um privilégio falar com um leitor que está formando os valores que carregará para toda a vida."
A conversa de Green com adolescentes e "jovens adultos" (assim se traduz literalmente young adult) não se limita aos livros. Ao lado do irmão Hank, que tem um selo de música e um site voltado para temas ambientais e tecnológicos, o escritor mantém um canal no YouTube, o VlogBrothers, com mais de 1,1 milhão de seguidores. O número é tanto mais impressionante quando se considera a simplicidade da produção: sem efeitos ou firulas, os vídeos se limitam a mostrar os dois irmãos, altemadamente, falando para a câmera sobre temas contemporâneos - como o casamento gay, as recentes ameaças bélicas da Coreia do Norte ou o atentado a bomba na maratona de Boston. John mora em Indianápolis, no estado de Indiana, onde sua mulher é curadora de arte contemporânea em um museu local. Hank mora em outro estado, Montana. Os vídeos, portanto, têm a forma de uma esticada conversa entre dois irmãos. Pela intemet, o duo também levanta dinheiro para causas de caridade. E os dois irmãos ainda se arriscam no palco, com um show de variedades piadas, sessões de perguntas e respostas com a plateia, canções sobre física e sobre Harry Potter - que já foi apresentado no venerando Camegie Hall, em Nova York. Os empreendimentos da dupIa na internet ganharam aprovação oficial: a convite do Google, John Green participou, junto com outras personalidades da internet, de uma videoconferência com Barack Obama. E pediu ao presidente que resolvesse uma disputa familiar: que nome dar a sua filha, que deve nascer em junho - Alice ou Eleanor? O presidente, muito político, esquivou-se da escolha.
Embora Green diga que não é de forma alguma o líder de um culto ("cultos pedem dinheiro dos seus membros"), os seguidores do VlogBrothers compartilham uma certa identidade de grupo. Definem-se como "nerdfighters". "O nerdfighter é o nerd que celebra a sua 'nerdidade"', define Green. Ou seja, é o nerd que, longe de se envergonhar de sua coleção de livros de ficção científica e de bonecos de super-heróis, tem orgulho de se dedicar a essas coisas. As obras do autor, porém, não se enquadram exatamente no padrão da turma. Sim, O Teorema Karherine traz um apêndice, escrito por um matemático, com gráficos e equações que pretendem explicar relações amorosas tal seria o modo nerd de compreender o amor (ou, antes, de superar uma desilusão amorosa). Mas as histórias de Green não se passam em planetas distantes ou em reinos medievais mitológicos. Seja no registro humorístico de O Teorema Katherine ou no melancólico de A Culpa É das Estrelas, a literatura de Green é miudamente realista e firmemente ancorada nos dias de hoje. Seus adolescentes conversam por mensagens de celular e jogam videogames. O espírito literário de Hazel não tem muito a ver com a "nerdidade". "Eu diria que a maioria dos que acompanham meu blog em vídeo não leu meus livros, e a maioria dos que leram meus livros não me segue na internet", especula Green.
Um ponto, porém, une os personagens de Green aos nerds: a propensão à atividade intelectual. Hazel e seu namorado, Augustus Waters, esbanjam cultura e inteligência em seus diálogos. Talvez até demais: em alguns momentos, a naturalidade se esvai, e parece que os personagens não estão conversando, mas lendo um roteiro. Ambos vitimados pelo câncer - ela tem capacidade respiratória comprometida e não pode sair de casa sem o tanque de oxigênio; ele perdeu uma perna para um osteossarcoma -, falam de seus dramas com ironia e desassombro, e sem nenhuma concessão a chavões como "superação". Green aceita a classificação de young adult, mas recusa vigorosamente - e com razão - o pejorativo rótulo sick lit (literatura de doença - veja o texto ao lado e a entrevista do autor na página anterior). O autor estudou em uma universidade religiosa e chegou a considerar a possibilidade de ser ministro episcopal. A vocação religiosa não vingou, mas, mesmo nos genericamente céticos Hazel e Augustus, há uma certa chama espiritual, uma inquirição sobre ordem e sentido em um mundo de sofrimento. "Não sei se acredito nessa ordem", diz John Green. "Mas acredito na esperança de que ela exista."
"Não quero ser mais famoso"

Autor best-seller e estrela de um canal do YouTube com 1,1 milhão de seguidores, o americano John Green, 35 anos, falou a VEJA sobre a inteligência dos adolescentes - especialmente dos que o seguem na internet.

Adolescentes são mais inteligentes do que supomos? Adolescentes são, sim, mais inteligentes do que os adultos pensam - apenas não agem de forma inteligente quando estão na nossa presença. Eles se sentem desconfortáveis, intimidados perto de nós, e por isso raramente temos a oportunidade de ver o melhor deles. Felizmente, eu tenho essa oportunidade. Vejo os comentários que eles deixam no blog, e eles se mostram muito interessados e inteligentes. Não todos, é claro, mas a maioria deles.

O que o senhor pensa do termo sick lit (literatura de doença], com o qual se tem caracterizado A Culpa É das Estrelas? Parece até que fui eu que inventei o romance sobre doenças. E A Montanha Mágica, de Thomas Mann, ou O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez? Os jornais têm de criar essas classificações. Eu não quis retratar a doença como sendo transcendente, nem passar a mensagem de que ela nos ensina a sermos gratos por cada dia - nenhuma besteira dessas. Apenas tentei escrever uma história honesta sobre o câncer.

O senhor escreve romances de sucesso e, em parceria com seu irmão Hank, faz vídeos na internet e apresentações em teatros. Pensa em ex· pandir suas atividades para a televi· são, por exemplo? Gosto de muitas séries televisivas, como The Walking Dead, mas não gosto de televisão em geral. E, para ser completamente honesto: não quero ser mais famoso. Não tenho desejo nenhum de ser mais reconhecido na rua.
O romantismo das doenças

Livros sobre adolescentes.afetados por doenças terminais, depressão, crises psiquiátricas e eventuais tendências suicidas contam-se às dezenas nos Estados Unidos e na Inglaterra. Depois dos vampiros da série Crepúsculo, esta parece ser a nova tendência do mercado de literatura juvenil - tendência que ainda não se verificou no Brasil: afora A Culpa É das Estrelas, de John Green, apenas As Vantagens de Ser Invisível (Rocco), de Stephen Chbosky, sobre um adolescente cujo melhor amigo cometeu suicídio, tem frequentado a lista de mais vendidos de VEJA. O termo que se popularizou para nomear essa vertente tem algo de derrisório: sick lit (literatura de doença) ecoa chick lit (literatura para garotas), gênero bobinho cujo grande expoente foi O Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding. John Green relativiza o termo lembrando que doença e sofrimento sempre foram temas da grande literatura - eis aí A Morte de Ivan IIitch, de Tolstoi, ou, para citar só um exemplo recente da literatura adulta, Homem Comum, de Philip Roth. Há críticos, porém, que acusam os romances "doentios" voltados especificamente para adolescentes de crimes os mais variados, da trivialização à glamourização da doença e até do suicídio. Tal foi o tom de um artigo inacreditavelmente moralista publicado pelo jornal inglês Daily Mail em janeiro.
A glamourização da doença, porém, também não é novidade: o século XIX praticamente fez da tuberculose uma heroína romântica, como se atesta na agonia da cortesã de A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho. Ainda que o escritor que se dirige a mentes jovens e impressionáveis talvez tenha de exercer certa prudência, o fato é que muitos adolescentes gostam de temas mórbidos em geral, e em particular do apelo romântico associado à morte de um jovem apaixonado. Embora não se possa negar uma forte veia sentimental em A Culpa É das Estrelas - e o próprio autor admite que chorou ao escrever todos os seus livros, com exceção do bem-humorado O Teorema Katherine -, ela está dosada no limite certo para jamais descambar no dramalhão. Não há sensacionalismo trivial, nem se idealiza o câncer que atormenta os dois protagonistas. Hazel, a narradora, é brutalmente realista no modo como fala do próprio sofrimento. Não oferece consolo fácil. Eis mais uma qualidade que pode conquistar o jovem leitor: este é um livro que não tenta enganá-Io.

Revista Veja

Um comentário:

  1. *---------------------* Literaturazinha né Henrique?

    amei,
    Bruna

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