O Castigo do açoite
O povo admira a habilidade do carrasco, que, ao levantar o braço para aplicar o golpe, arranha de leve a epiderme, deixando - a em carne viva depois da terceira chicotada. Conserva ele o braço levantando durante o intervalo de alguns segundos entre cada golpe, tanto para contá - los em voz alta como para economizar suas forças até o fim da execução. Aliás, tem o cuidado de fabricar ele próprio seu instrumento, a fim de facilitar essa tarefa. Trata - se, com efeito, de um cabo de chicote de um pé de comprimento, com sete a oito tiras de couro bastante espessas e bem secas e retorcidas Esse instrumento contundente nunca deixa de produzir efeito quando bem seco, mas, ao amolecer pelo sangue, precisa o carrasco trocá - lo, mantendo para isso cinco ou seis a seus lado, no chão.
O lado esquerda da cena está ocupado por um grupo de condenados enfileirados diante do pelourinho, onde o carrasco acaba de distribuir quarenta ou cinquenta chibatadas. É natural que, entre os assistentes, os mais atentos sejam os dois negros das extremidades do grupo, pois cabe - lhes em geral a um ou outro substituir a vítima mandada para o pau da paciência, como se chama o pelourinho, por isso suas cabeças abaixam à medida que as chicotadas aumentam.
É no pelourinho que se pode avaliar o caráter do negro castigado e o grau de irritabilidade de seu temperamento geralmente nervoso. Acontece mesmo que se modifique na execução o número de golpes, em vista do esgotamento das forças do indivíduo demasiado impressionável, o que me foi dado verificar com um jovem mulato, escravo de um rico proprietário.
Embora fortemente amarrado, como mostra o desenho, a dor dá - lhe energia suficiente para se erguer nas pontas dos pés a cada chicotada recebida, movimento convulsivo tantas vezes repetido que o suor da fricção do ventre e das coxas da vítima acaba polindo o pelourinho a certa altura. Essa marca sinistra se encontra em todos os pelourinhos das praças públicas. Entretanto, alguns condenados ( e estes são temíveis ) demonstram uma grande força de caráter, sofrendo em silêncio até a última chicotada.
Logo depois de desamarrado é o negro castigado deitado no chão de cabeça para baixo, a fim de evitar - se a perda de sangue, e a chaga, escondida sob a fralda da camisa, escapa assim à picada dos enxames de moscas que logo se põem à procura desse horrível repasto. Finalmente, terminada a execução, os condenados ajustam suas calças e todos, dois a dois, voltam para a prisão com a mesma escolta que os trouxe.
Essas execuções públicas, restabelecidas com todo rigor em 1821, foram suprimidas em 1829 e passaram a ser realizadas então num único lugar, íngreme e pouco frequentado, à porta da prisão do Castelo, que substituiu a do Calabouço, demolida com a construção do Arsenal do Exército.
Jean - Baptiste Debret. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Tomo Segundo. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1989.