Zuenir Ventura, O Globo
Vocês devem estar lembrados dessa história escabrosa ocorrida na capital
paulista. O estudante Alex Siwek, de 21 anos, atropelou o ciclista David Santos
Souza, da mesma idade, a caminho do trabalho, de madrugada, e fugiu sem socorrer
a vítima, largada no chão sem um braço que, decepado, ficou preso no carro. Mais
adiante, o universitário livrou-se daquele incômodo pedaço de carne atirando-o
num riacho.
Estudante de psicologia, devia saber da possibilidade de reimplantá-lo, mas
preferiu jogá-lo fora como imprestável. Leio agora que o Tribunal de Justiça de
SP decidiu por unanimidade que Siwek não vai a júri popular, como queria a
promotoria, baseada na “forma tresloucada como o acusado conduzia seu automóvel,
sob influência de álcool, em alta velocidade, ziguezagueando, ingressando em
pista fechada ao tráfego de veículos e destinada a ciclovia”.
Conforme ainda a acusação, além de assumir o risco de provocar uma morte, o
atropelador demonstrou “total ausência de compaixão e piedade. Se dele
dependesse a vida da vítima, ela certamente estaria morta”.
Mesmo assim, o TJ desqualificou a acusação de tentativa de homicídio com dolo
eventual, como pedia a promotoria. Siwek, que permaneceu preso por apenas dez
dias, responderá em vara comum por lesão corporal, com previsão de pena de dois
a oito anos de reclusão.
Tão insólita quanto o horroroso episódio, foi a justificativa dada por um dos
desembargadores, alegando que em acidentes de trânsito dolo só é aceito em
“situações excepcionalíssimas”.
Siwek em frente ao córrego onde jogou o braço de
David
Quer dizer: um irresponsável atropela um ciclista na ciclovia, arranca-lhe um
braço, foge, joga o braço fora e, pelo visto, não há nada de excepcional nisso.
Se não é uma situação excepcionalíssima, não sei mais o que é normalidade.
O advogado Ademar Gomes, representante da família de David, em entrevista
coletiva acusou o estudante de ser viciado em drogas e que poderia estar sob
efeito de entorpecentes no momento do acidente. “Essa pessoa não é capaz de
fazer bem ao ser humano, seus pais não lhe deram essa educação. Acha que, por
ser filho de rico, pode fazer o que bem entende.” Ele vai recorrer da discutível
decisão.
No Rio, há denúncias de que o Tribunal de Justiça estaria praticando desvio
de função, ao convocar técnicos judiciários para exercer função de analistas
judiciários sem especialidade. Além de prejudicar os concursados, a prática
causaria “perda de qualidade e de celeridade na prestação jurisdicional”,
segundo acusa um leitor.
Zuenir Ventura é jornalista.
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