sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Crônica do Dia - Crônica de um acidente

Zuenir Ventura, O Globo
 

Vocês devem estar lembrados dessa história escabrosa ocorrida na capital paulista. O estudante Alex Siwek, de 21 anos, atropelou o ciclista David Santos Souza, da mesma idade, a caminho do trabalho, de madrugada, e fugiu sem socorrer a vítima, largada no chão sem um braço que, decepado, ficou preso no carro. Mais adiante, o universitário livrou-se daquele incômodo pedaço de carne atirando-o num riacho.
Estudante de psicologia, devia saber da possibilidade de reimplantá-lo, mas preferiu jogá-lo fora como imprestável. Leio agora que o Tribunal de Justiça de SP decidiu por unanimidade que Siwek não vai a júri popular, como queria a promotoria, baseada na “forma tresloucada como o acusado conduzia seu automóvel, sob influência de álcool, em alta velocidade, ziguezagueando, ingressando em pista fechada ao tráfego de veículos e destinada a ciclovia”.
Conforme ainda a acusação, além de assumir o risco de provocar uma morte, o atropelador demonstrou “total ausência de compaixão e piedade. Se dele dependesse a vida da vítima, ela certamente estaria morta”.
Mesmo assim, o TJ desqualificou a acusação de tentativa de homicídio com dolo eventual, como pedia a promotoria. Siwek, que permaneceu preso por apenas dez dias, responderá em vara comum por lesão corporal, com previsão de pena de dois a oito anos de reclusão.
Tão insólita quanto o horroroso episódio, foi a justificativa dada por um dos desembargadores, alegando que em acidentes de trânsito dolo só é aceito em “situações excepcionalíssimas”.
 
          
Siwek em frente ao córrego onde jogou o braço de David
 
Quer dizer: um irresponsável atropela um ciclista na ciclovia, arranca-lhe um braço, foge, joga o braço fora e, pelo visto, não há nada de excepcional nisso. Se não é uma situação excepcionalíssima, não sei mais o que é normalidade.
O advogado Ademar Gomes, representante da família de David, em entrevista coletiva acusou o estudante de ser viciado em drogas e que poderia estar sob efeito de entorpecentes no momento do acidente. “Essa pessoa não é capaz de fazer bem ao ser humano, seus pais não lhe deram essa educação. Acha que, por ser filho de rico, pode fazer o que bem entende.” Ele vai recorrer da discutível decisão.
No Rio, há denúncias de que o Tribunal de Justiça estaria praticando desvio de função, ao convocar técnicos judiciários para exercer função de analistas judiciários sem especialidade. Além de prejudicar os concursados, a prática causaria “perda de qualidade e de celeridade na prestação jurisdicional”, segundo acusa um leitor.



Zuenir Ventura é jornalista.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário