Simone Candida
RIO - As escavações arqueológicas na Zona Portuária continuam trazendo à tona novos capítulos da história da ocupação da cidade. Durante uma pesquisa de campo na região conhecida no passado como Largo da Prainha — área onde hoje se encontram o Museu de Arte do Rio (MAR) e a Escola do Olhar, na Praça Mauá —, só num trecho de cerca de 400 metros quadrados debaixo da terra, uma equipe de arqueólogos coletou um volume de material suficiente para encher dois contêineres. Entre os achados, havia vestígios de antigos trapiches e de uma estrutura de tábuas que foi identificada como a de um possível estaleiro do século XVIII, usado no reparo e na fabricação de pequenos barcos. O acervo, que está em fase de catalogação, inclui ainda pedaços de dormentes (usados para transporte de carga até os trapiches) e piso de pedras lavradas.
Considerada a descoberta mais valiosa, a estrutura de madeira estava em bom estado de conservação, surpreendendo a equipe de pesquisadores, coordenada pela arqueóloga Guadalupe do Nascimento Campos. No mesmo nível de escavação e bem próximo, foram achadas uma moeda de cobre de 1774, cordas náuticas e peças metálicas do mesmo período.
— A corda foi associada ao possível estaleiro. De acordo com parecer do pesquisador Nelson Pereira Mendonça Júnior, que realizou sua dissertação de mestrado sobre o Arsenal da Marinha da Corte, a trança dessa corda tem características do século XVIII — diz Guadalupe.
Com base numa pesquisa da planta da cidade do Rio de 1870, acrescenta a arqueóloga, a equipe acredita que a estrutura de madeira estava relacionada aos antigos trapiches de ancoradouros, anteriores ao Porto do Rio, “provavelmente do final do século XVIII e início do XIX”. Os trapiches eram espécies de armazéns ou depósitos de mercadorias para embarque ou desembarque.
Durante as escavações, foram encontrados também uma grande variedade de azulejos holandeses e franceses, faianças portuguesas dos séculos XVII a XIX e farto material do começo do século XX. Na lista de peças, há ainda cachimbos, botões de madeira e de madrepérola, solados, rolhas de garrafas de vinho e pedaços de porcelana da Companhia das Índias.
— Na área escavada, que no passado abrigou o Edifício Dom João VI e o antigo Terminal Rodoviário Mariano Procópio, encontramos evidências de estruturas arquitetônicas de antigas construções que podem datar dos séculos XVIII, XIX e até do início do XX, além de objetos que datam a partir do século XVII, como faianças. Na verdade, como aquela região sofreu diversos aterros ao longo dos séculos, encontramos uma grande diversidade ali — explicou Guadalupe.
Para o arqueólogo e historiador Filipe Coelho, que integrou a equipe de pesquisa, as estruturas achadas ajudam a contar a história da ocupação da região.
— Depois da tentativa de invasão francesa, no início do século XVIII, foi iniciado um processo de ocupação naquela região, que era muito vazia. No século XIX, quando a Família Real vem para o Brasil, ocorre a abertura dos portos, e começam a chegar muitas embarcações. Nesse período, aquela área já tem movimento marítimo e já se começam a ver armazéns de massames, que vendiam materiais para mastreação de embarcações.
O historiador Nireu Cavalcanti afirma que naquela região havia os trapiches de São Francisco e o do Sal e que ali existia também um forte, onde poderia haver um cais (com muros de pedra). Na opinião do professor, esta construção pode ter sido a achada pelos arqueólogos.
— Também na Prainha foi construído pelo (Barão de) Mauá o atracadouro das Barcas que levavam passageiros e mercadorias para a estação do Trem da Raiz da Serra (do Mauá). Todas essas construções deixaram vestígios que podem ter sido interpretados como o de um estaleiro.
Iniciado em 2011, o trabalho de pesquisa durou um ano e ficou restrito a uma pequena área, de 384,38 metros quadrados. Segundo Guadalupe, a pesquisa está em fase de finalização, e muitas hipóteses ainda precisam ser confirmadas.
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