O socialismo não funciona. O que funciona é a ditadura. A cubanização do Brasil iniciada pela importação de médicos é prova disso. Eles são confinados e obedecem apenas a Havana
Quando um cidadão que vive em uma ditadura consegue de lá escapar, a chegada a uma democracia é um momento de êxtase. Entraram para a história imagens de alemães-orientais alcançando a liberdade na vizinha ocidental, norte-coreanos abraçando seus parentes do sul e cubanos comemorando a chegada a Miami em balsas improvisadas com pneus de trator. Na semana passada, 400 médicos cubanos chegaram ao Brasil, mas não puderam celebrar a saída da ilha nem desfrutar a plena liberdade concedida pela nossa democracia. Eles não tiveram como apreciar as belezas do Pelourinho de Salvador nem como passear pela Praia de Boa Viagem, no Recife. Ficaram aquartelados em instalações das Forças Armadas, pois ainda são vigiados de peno pelo regime de Havana. O programa Mais Médicos, que tem como principal objetivo alavancar a candidatura do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. ao governo de São Paulo pelo PT, não trouxe apenas médicos cubanos. Importou com eles a ditadura dos irmãos Castro. Até o fim deste ano, haverá no Brasil 4000 médicos cubanos vivendo como 4000 pequenas ilhas de totalitarismo onde a lei brasileira não tem valor.
O programa em si é bem-vindo. A saúde é um dos maiores problemas brasileiros, como pode ser aferido em qualquer pesquisa de opinião e nos cartazes dos manifestantes que ocuparam as ruas em junho pedindo hospitais de padrão Fifa. Há carência de médicos nas periferias das grandes cidades e em grotões do Norte e do Nordeste. É legítimo que estrangeiros que aceitem receber os 10000 reais mensais recusados por brasileiros preencham as vagas. Esse problema, porém, não pode encobrir outro maior: os cubanos servirão à ditadura de Havana, não ao Brasil. O salário de 10000 reais será enviado a Cuba, que repassará apenas uma pane aos doutores. Os cubanos não poderão trazer seus parentes nem escolher onde vão trabalhar. Se um deles decidir abandonar o projeto para se casar e morar definitivamente no Brasil, “será devolvido a Cuba”, como admitiu Padilha. As mesmas regras não valem para os profissionais que estão vindo de países democráticos, que seguirão a lei brasileira. Para garantir a lealdade forçada aos irmãos Castro, os médicos chegaram ao Brasil tutelados pela vice-ministra da Saúde. Márcia Coba, uma interferência indevida de uma ditadura em uma democracia.
Na última segunda-feira, 79 cubanos foram vaiados e chamados de “escravos” por médicos do Ceará quando deixavam o primeiro dia do treinamento em Fortaleza. A reação é condenável. Os cubanos são vítimas de uma ditadura e vieram para cá em missão oficial. Mas a vaia serviu aos propósitos do governo de desviar o foco da discussão. Debateu-se se os médicos brasileiros são xenófobos e racistas e deixaram-se de lado os problemas do programa e as mentiras do ministro Padilha. Há um mês, pressionado por associações de médicos, ele garantiu que a parceria com Cuba havia sido descartada. Pura enrolação. Desde novembro passado, os cubanos estavam sendo preparados com aulas de português e de doenças contagiosas comuns no Brasil. Em 14 de agosto, no Congresso, Padilha descartou a possibilidade de brasileiros perderem seu emprego para estrangeiros. Na semana passada, porém, prefeituras do Norte e do Nordeste já faziam a temida substituição, já que os estrangeiros recebem menos e são bancados pelo governo federal. No início da discussão sobre a importação, o governo negou que o salário dos médicos seria pago ao governo cubano. Agora, não só a manobra foi confirmada como recebeu elogios do ministro Gilberto Carvalho: “Nós entendemos que é justo que o povo cubano, que se sacrificou pela formação desses médicos, tenha também a possibilidade de auferir os rendimentos que esses médicos vão ter no país”.
A exportação de mão de obra para países amigos é hoje a maior fonte de receita de Cuba. O país caribenho sempre precisou de mecenas. De início, foi a União Soviética, que recebia açúcar e fornecia petróleo a preços camaradas. Com o fim do comunismo na Europa, Cuba passou a viver à míngua. Profissionais com curso superior faziam bico para ganhar dólares de turistas e completar seus salários miseráveis. Com a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, os irmãos Castro ganharam outro padrinho, que importava mão de obra e pagava com petróleo. Hoje, há 60000 cubanos na Venezuela. Os médicos foram os precursores, seguidos por militares, técnicos em agricultura e agentes de inteligência. “Nenhum deles chega sem preparação ideológica e política. A retórica mascarada é a mesma: falam em colaborar com a saúde e ajudar os países irmãos, mas o que querem é gerar divisas para o governo cubano. Nunca aparecem em público e trabalham com discrição”, avalia o cientista político Omar Noria, da Universidade Simón Bolívar. “No Brasil, será a mesma receita, a mesma história.”
Os primeiros dias dos cubanos no Brasil parecem confirmar a previsão de Noria. Para reduzir os riscos de deserção, Cuba selecionou a dedo os enviados. Todos já passaram por pelo menos uma missão internacional, alguns são professores universitários, têm mais de quinze anos de experiência e foram condecorados por “serviços prestados ao regime”. Enquanto os europeus e sul-americanos vieram acompanhados da família, hospedaram-se em hotel e puderam escolher a cidade onde vão trabalhar, os cubanos foram enviados a quartéis para esperar a definição por superiores acerca de seu destino — com os familiares em Cuba, para sofrer eventuais retaliações. Os poucos que aceitam falar com brasileiros recitam frases sobre “socialismo”, “internacionalismo” e “solidariedade entre os povos”.
Na quarta-feira passada, o uruguaio Gonzalo Casaman aplicou os primeiros socorros a uma ambulante atropelada em Vitória de Santo Antão (PE). Foi mostrado como prova do sucesso do programa. O mesmo papel de herói, porém, não poderia ter sido desempenhado por um cubano, já que ele não tem o direito de ir e vir e só deixa o curso com ordem superior. “Somente os chefes da missão, que têm a confiança do regime, podem transitar livremente pelas ruas”, disse a VEJA um doutor cubano que atuou na Nicarágua. São tantas as aberrações e abusos que passaram sem a devida análise as ameaças do PT de punir os conselhos regionais de medicina que reprovarem médicos cubanos por falta de qualificação profissional. Calma, gente, vocês importaram só os médicos: a ditadura cubana, felizmente, ficou em Havana. Esta é a segunda vez que o Brasil importa cubanos. No fim da década de 90, cerca de 300 deles chegaram a Tocantins, Roraima, Pernambuco, Ceará, Pará e Acre em convênios entre os estados e Cuba. O salário ficava com o médico e não havia perseguição aos que desistissem. Um deles, Josué Jesus Paneque Matos, casou-se com uma brasileira, naturalizou-se e hoje é prefeito de Mucajaí, em Roraima. Se tivesse chegado no navio negreiro de Padilha. Matos seria preso e deportado pelo petista — como Lula fez com os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara. Eles escaparam nos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio, mas foram recapturados pela polícia petista e devolvidos a Cuba. Isso tudo quase dois séculos depois do caso Dred Scott. de 1857, considerado o mais infame da história da Suprema Corte dos Estados Unidos. Scott acompanhou seu dono. que se mudou do estado escravocrata do Missouri para Illinois e depois Wisconsin. onde não havia escravidão. De volta ao Missouri, Scott se declarou um homem livre. Recorreu à Justiça com a tese de que “uma vez livre, sempre livre”. O caso chegou à Suprema Cone e decidiu-se que Scott continuava propriedade de seu dono, mesmo tendo residido em territórios sem escravidão. Foi um ano colossal. Ele implicava que a escravidão acompanhava a pessoa, mas a liberdade não, Abraham Lincoln e uma guerra civil que matou mais de 600000 pessoas depois, o erro foi reparado. Desde então a liberdade passou a ser vista como um atributo inseparável da pessoa, não importa onde esteja. Uma boa lição de história para o feitor Padilha.
Com reportagem
de Alexan
dre Aragão, Nathalia Watkins e Kalleo Coura
Revista Veja
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