RIO - Fênomeno natural produzido pelo encontro do sol com a chuva, o arco-íris ainda é uma bandeira enrolada no campo esportivo. Enquanto o orgulho gay atrai milhões em manifestações em quase todo o mundo, nos vestiários a vergonha persiste na maneira com que afetividade de cada um ainda é patrulhada. Ontem, no mesmo dia em que o governo russo reforçou a proibição de manifestações gays durante os Jogos de Inverno, o atacante corintiano Emerson Sheik se desculpou com a torcida por ter usado a internet para mandar mensagem contra a homofobia. Se as leis e a moral ainda reforçam o preconceito, a polêmica já saiu do armário.
Após postar foto no último domingo em que dá um beijo na boca de um amigo, Emerson foi alvo de protestos de integrantes de uma facção que pediram sua saída do clube. Diante da intolerância, que levou a Polícia Civil paulista a abrir investigação, ontem, ninguém é inocente até que se prove o contrário. Nos últimos dois jogos do Corinthians, Emerson foi substituído num e expulso no outro. Em busca de reabilitação, já começou a usar os pés para dar seu recado. Para o jogo de amanhã, contra o Vasco, em Brasília, recebeu de seu patrocinador uma chuteira personalizada com mensagens alusivas ao episódio: “Gentileza” e “Fora preconceito”. Entre palavras e ações, o esporte ainda tem que caminhar muito para acompanhar a evolução de outros setores. Depois de se reunir com torcedores após o treino de ontem, Emerson se retratou.
— Peço desculpas aos que se sentiram ofendidos... Não tive a intenção de ofender ninguém, muito menos a nação corintiana...
Por mair delicado e generoso que seja qualquer beijo, sem querer, Emerson e seu amigo, o chef de cozinha Isaac Azar, acabaram reforçando o preconceito ao deixar claro que eram heterossexuais e que tinham filhos, como se essa opção os livrasse do constrangimento que ainda impede os gays de verdade de saírem do armário.
— Sou pai de duas filhas, minha mulher está grávida. O Sheik estava com a namorada e gosta de mulher — disse Isaac, na ocasião.
Bem usada ou não, a liberdade de expressão é um direito que nem todos os esportistas têm. Após proibir manifestações gays, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, baixou decreto ontem para impedir qualquer parada ou protesto nos Jogos de Inverno, em Sochi, entre fevereiro e março do ano que vem. A estratégia de sufocar as diferenças acabou por expôr as vergonhas de uma campeã. Recordista no salto com vara, Yelena Isinbayeva não conseguiu ultrapassar a barreira do preconceito. Durante o Mundial de atletismo, encerrado na semana passada em Moscou, a saltadora sueca Emma Green-Tregaro pintou as unhas com as cores do arco-íris. Isinbayeva ficou ao lado do governo do seu país.
— É desrespeitoso com o nosso país. Talvez sejamos diferentes de outros europeus e de pessoas de diferentes países. Nós temos nossa casa e todos devem respeitar. Quando chegamos a outros países, tentamos seguir as regras deles — afirmou, antes de se retratar dias depois. — Quero deixar claro que respeito os pontos de vista de meus companheiros atletas e quero expressar de maneira firme que me oponho a qualquer discriminação contra a comunidade gay.
As condições de temperatura e pressão que impedem a formação do arco-íris na Rússia suscitaram discussão sobre o boicote aos Jogos. Um dos poucos atletas de futebol que assumiram a homossexualidade, o americano Robbie Rogers defendeu a integração por meio do esporte em artigo publicado no “US Today”, no último dia 13, sob o título “Gay ou hétero, os atletas não devem ter seus momentos destruídos”. Meia do Los Angeles Galaxy, Rogers chegou a abandonar o futebol após revelar sua condição sexual, em março, mas voltou dois meses depois. De um jantar da equipe, no qual contou como havia sido a sua primeira vez, o jogador guardou a solidariedade e a frase de um companheiro: “Se você não conversa e não escuta, você não aprende”. Contrário ao boicote, Rogers exalta a importância do diálogo ao contar: “Aquilo que era um dos meus maiores medos, falar a verdade sobre minha vida, se transformou numa lição para nos deixar ainda mais unidos.”
Vôlei na rede social
Quem consegue verbalizar o que sente, mesmo que não seja obrigado, acaba botando o preconceito para fora. Chamado de “bicha” por um ginásio lotado em Contagem (MG), há dois anos, o jogador de vôlei Michael acabou recebendo a acolhida de muito mais gente.
— As pessoas me cumprimentaram, falaram que eu tive muita coragem por me assumir na TV. Mas eu nunca tive problema com isso e nunca falei nada antes porque não era necessário. É só olhar para mim e ver que eu sou gay. É explícito — disse, após o episódio.
Recentemente, logo depois de encerrar carreira brilhante no vôlei de praia, Larissa usou as redes sociais para dar uma cortada no moralismo ao postar declarações de amor e fotos do seu casamento com a jogadora Lili.
O selinho de Emerson não serviu para enviar mensagem tão nobre. Em relato do encontro com os torcedores, publicado no site da Gaviões da Fiel, o jogador teria dito: “Foi só uma brincadeira, até porque não sou são-paulino”. Ao usar o homossexualismo como traço da identidade do rival, o jogador se esquece de que isso não define pessoas nem instituições. Ninguém tem de responder por sua orientação sexual, mas sim por seu caráter. Num meio em que a luz ainda luta para atravessar nuvens sombrias, o clima adverso só serve para fortalecer as cores do arco-íris.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/campeonato-brasileiro-2013/a-bola-sai-do-armario-9686250#ixzz2eADWpQKH
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