Jovens foram condenados a 14 anos de prisão, mas foram soltos após oito
Marina Marquez, do R7, em Brasília
ED FERREIRA/20.04.1997/AE
Índio Galdino é visto enfaixado em maca de hospital, após ter 95 % do corpo queimado
Há 15 anos, cinco jovens de classe média em Brasília escolhiam uma forma inusitada e cruel de se divertir durante a madrugada, depois de uma festa com os amigos. Compraram gasolina e uma caixa de fósforo, atearam fogo em um índio que dormia em uma parada de ônibus na W3 Sul, avenida de um bairro nobre da capital federal, e fugiram.
O índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que estava na cidade para comemorar o Dia do Índio, acordou em chamas e horas depois morreu no hospital com 95% do corpo queimado. Os rapazes foram reconhecidos, presos e condenados a 14 anos de prisão, mas a lei brasileira garantiu que ficassem apenas oito anos na cadeia — e com direito a várias regalias.
Para justificar o crime bárbaro, os rapazes alegaram que acreditavam ser um mendigo e resolveram "brincar" com ele. Anos depois do crime que chocou o Brasil, uma onda de ataques a mendigos e moradores de rua se espalha por Brasília e também pelo País. Só neste ano, três mendigos foram atacados enquanto dormiam no Distrito Federal.
Dos cinco envolvidos no crime contra o índio Galdino, um deles era menor de idade na época e foi encaminhado para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal. G.N.A.J ficou internado na unidade por três meses, mesmo tendo sido condenado a um ano de reclusão.
Os outros quatro — Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova — foram condenados pelo júri popular por homicídio doloso (com intenção de matar), crime hediondo com qualificadores por ter sido um crime por motivo fútil, com crueldade extrema (uso de fogo) e sem chance de defesa para a vítima.
Todos tinham idade entre 17 e 19 anos na época e eram de classe média alta em Brasília. Antônio Novely é filho de juiz federal; Max Rogério, enteado de um ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral); Eron e Tomás, filhos de funcionários públicos.
Crime planejado
De acordo com a promotora do Ministério Público do Distrito Federal que acompanhou o caso, Maria José Miranda Pereira, o crime foi premeditado. Os jovens planejaram com calma por cerca de duas horas. Eles trocaram de carro para não ser identificados, pararam em uma rua paralela, buscaram gasolina em vários postos de combustível, dividiram as tarefas igualmente — dois jogaram o líquido inflamável sobre Galdino e os outros três riscaram o fósforo — e escaparam. Só foram reconhecidos porque um chaveiro que estava próximo anotou a placa do carro.
— A defesa alegou o tempo todo que eles eram bons meninos, que foi só uma diversão. Eu sei se uma pessoa é boa ou não pelas atitudes delas e não porque os amigos ou a família estão dizendo isso. E diversão com a imagem de um ser humano em chamas é o que há de maior crueldade e gravidade.
Presos em 1997, os garotos só foram julgados em 2001, depois de todos os recursos dos advogados de defesa. Em cinco anos, os advogados tentaram modificar o crime para lesão corporal seguida de morte e evitar que os garotos fossem julgados pelo Tribunal do Júri de Brasília. Além disso, conseguiram benefícios para que os acusados estudassem e trabalhassem fora do presídio, benefício que outros presos não tinham.
— Eles [os advogados de defesa] tentaram tudo que puderam. Eu lutei muito na época e não por um caso, mas por uma causa. Queria que fossem julgados pelo crime que realmente cometeram, um homicídio, e deveriam ser julgados como outros pelo Tribunal do Júri. Se não fosse assim, que moral eu teria para condenar outros presos que dão um tiro na cabeça de alguém sendo que quem matou com uma crueldade tão grande como aqueles meninos nem sequer seriam julgados da forma certa?
Os jurados condenaram Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás a 14 anos em novembro de 2001. Como a lei, na época, dizia que com um sexto de pena em regime fechado os presos de bom comportamento e sem antecedentes criminais poderiam ir para um regime semiaberto, em 2002 os jovens já não viviam mais na prisão, apenas voltando lá para dormir.
Todos tinham benefício de estudar e trabalhar fora do Complexo Penitenciário da Papuda. Saiam nos próprios carros e, muitas vezes, aproveitaram o benefício para "esticar" o dia e fazer um happy hour nos bares da cidade, como revelou reportagem do jornal Correio Braziliense em 2003.
Em 2004, oito anos depois de colocarem fogo no índio Galdino, estavam livres. Progrediram para o regime aberto e, como Brasília não possui colônias agrícolas e albergues, foram para suas casas. Deveriam voltar para dormir todos os dias e não viajar. No entanto, segundo a promotora, a Justiça concedeu vários benefícios e os assassinos do índio Galdino puderam fazer turismo enquanto cumpriam pena.
Ficha “limpa” do crime bárbaro
Quinze anos depois, os garotos "estão muito bem e reconstruíram suas vidas", de acordo com o advogado de três deles, Raul Livino. O menor se formou em processamento de dados. Tomás fez faculdade de administração e trabalha em uma empresa, como funcionário. Eron se formou em economia e tem o próprio negócio, uma pizzaria e locadora de vídeos cujo proprietário é o pai.
Antônio Novely fez faculdade de fisioterapia, trabalhou como funcionário de digitação da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e na área de cirurgia plástica do Hran (Hospital Regional da Asa Norte). Hoje é concursado da Secretaria de Saúde. Max se formou em direito e é advogado da empresa do padrasto, ex-ministro do TSE.
Nenhum deles quis falar com a reportagem do R7. Max disse que não ia comentar a respeito. Os outros, segundo os advogados, querem esquecer o assunto, considerado passado. Segundo o advogado Raul Livino, eles aguardam apenas a reabilitação. Esse documento, concedido pela Justiça, apaga da ficha dos jovens o passado criminal.
O índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que estava na cidade para comemorar o Dia do Índio, acordou em chamas e horas depois morreu no hospital com 95% do corpo queimado. Os rapazes foram reconhecidos, presos e condenados a 14 anos de prisão, mas a lei brasileira garantiu que ficassem apenas oito anos na cadeia — e com direito a várias regalias.
Para justificar o crime bárbaro, os rapazes alegaram que acreditavam ser um mendigo e resolveram "brincar" com ele. Anos depois do crime que chocou o Brasil, uma onda de ataques a mendigos e moradores de rua se espalha por Brasília e também pelo País. Só neste ano, três mendigos foram atacados enquanto dormiam no Distrito Federal.
Dos cinco envolvidos no crime contra o índio Galdino, um deles era menor de idade na época e foi encaminhado para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal. G.N.A.J ficou internado na unidade por três meses, mesmo tendo sido condenado a um ano de reclusão.
Os outros quatro — Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova — foram condenados pelo júri popular por homicídio doloso (com intenção de matar), crime hediondo com qualificadores por ter sido um crime por motivo fútil, com crueldade extrema (uso de fogo) e sem chance de defesa para a vítima.
Todos tinham idade entre 17 e 19 anos na época e eram de classe média alta em Brasília. Antônio Novely é filho de juiz federal; Max Rogério, enteado de um ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral); Eron e Tomás, filhos de funcionários públicos.
Crime planejado
De acordo com a promotora do Ministério Público do Distrito Federal que acompanhou o caso, Maria José Miranda Pereira, o crime foi premeditado. Os jovens planejaram com calma por cerca de duas horas. Eles trocaram de carro para não ser identificados, pararam em uma rua paralela, buscaram gasolina em vários postos de combustível, dividiram as tarefas igualmente — dois jogaram o líquido inflamável sobre Galdino e os outros três riscaram o fósforo — e escaparam. Só foram reconhecidos porque um chaveiro que estava próximo anotou a placa do carro.
— A defesa alegou o tempo todo que eles eram bons meninos, que foi só uma diversão. Eu sei se uma pessoa é boa ou não pelas atitudes delas e não porque os amigos ou a família estão dizendo isso. E diversão com a imagem de um ser humano em chamas é o que há de maior crueldade e gravidade.
Presos em 1997, os garotos só foram julgados em 2001, depois de todos os recursos dos advogados de defesa. Em cinco anos, os advogados tentaram modificar o crime para lesão corporal seguida de morte e evitar que os garotos fossem julgados pelo Tribunal do Júri de Brasília. Além disso, conseguiram benefícios para que os acusados estudassem e trabalhassem fora do presídio, benefício que outros presos não tinham.
— Eles [os advogados de defesa] tentaram tudo que puderam. Eu lutei muito na época e não por um caso, mas por uma causa. Queria que fossem julgados pelo crime que realmente cometeram, um homicídio, e deveriam ser julgados como outros pelo Tribunal do Júri. Se não fosse assim, que moral eu teria para condenar outros presos que dão um tiro na cabeça de alguém sendo que quem matou com uma crueldade tão grande como aqueles meninos nem sequer seriam julgados da forma certa?
Os jurados condenaram Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás a 14 anos em novembro de 2001. Como a lei, na época, dizia que com um sexto de pena em regime fechado os presos de bom comportamento e sem antecedentes criminais poderiam ir para um regime semiaberto, em 2002 os jovens já não viviam mais na prisão, apenas voltando lá para dormir.
Todos tinham benefício de estudar e trabalhar fora do Complexo Penitenciário da Papuda. Saiam nos próprios carros e, muitas vezes, aproveitaram o benefício para "esticar" o dia e fazer um happy hour nos bares da cidade, como revelou reportagem do jornal Correio Braziliense em 2003.
Em 2004, oito anos depois de colocarem fogo no índio Galdino, estavam livres. Progrediram para o regime aberto e, como Brasília não possui colônias agrícolas e albergues, foram para suas casas. Deveriam voltar para dormir todos os dias e não viajar. No entanto, segundo a promotora, a Justiça concedeu vários benefícios e os assassinos do índio Galdino puderam fazer turismo enquanto cumpriam pena.
Ficha “limpa” do crime bárbaro
Quinze anos depois, os garotos "estão muito bem e reconstruíram suas vidas", de acordo com o advogado de três deles, Raul Livino. O menor se formou em processamento de dados. Tomás fez faculdade de administração e trabalha em uma empresa, como funcionário. Eron se formou em economia e tem o próprio negócio, uma pizzaria e locadora de vídeos cujo proprietário é o pai.
Antônio Novely fez faculdade de fisioterapia, trabalhou como funcionário de digitação da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e na área de cirurgia plástica do Hran (Hospital Regional da Asa Norte). Hoje é concursado da Secretaria de Saúde. Max se formou em direito e é advogado da empresa do padrasto, ex-ministro do TSE.
Nenhum deles quis falar com a reportagem do R7. Max disse que não ia comentar a respeito. Os outros, segundo os advogados, querem esquecer o assunto, considerado passado. Segundo o advogado Raul Livino, eles aguardam apenas a reabilitação. Esse documento, concedido pela Justiça, apaga da ficha dos jovens o passado criminal.
Assassinos do índio Galdino tiveram tratamento diferenciado, diz promotora
ED FERREIRA/07.11.2001/AE
Imagem da época mostra dois acusados, Tomas de Almeida (esq.) e Antônio Novely (dir.), chegando para julgamento
— Eles tinham poder onde precisavam ter.
É o resumo que a promotora que cuidou do caso do índio Galdino, Maria José Miranda Pereira, faz do processo. Há 15 anos, cinco jovens de classe média colocaram fogo no pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, bairro nobre de Brasília. Ele morreu em consequência do crime bárbaro. Com trânsito no Judiciário e dinheiro para contratar os melhores advogados, os jovens assassinos tiveram benefícios e regalias que outros presos não possuem e ficaram atrás das grades pouco mais da metade do tempo a que foram condenados.
Dos cinco envolvidos no crime, um deles era menor de idade na época e foi encaminhado para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal. G.N.A.J ficou internado por três meses, mesmo tendo sido condenado a um ano de reclusão.
Os outros quatro — Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova — foram condenados pelo júri popular por homicídio doloso (com intenção de matar), crime hediondo com qualificadores por ter sido um crime por motivo fútil, com crueldade extrema (uso de fogo) e sem chance de defesa para a vítima.
Regalias
Os jovens que atearam fogo no homem dormindo tiveram tratamento diferenciado antes e depois do julgamento, segundo a promotora. Foram presos no mesmo dia do crime e, encaminhados para a prisão, ficaram em uma cela especial.
A promotora conta que foi desabilitada uma biblioteca na prisão para acolher os quatro, "já que corriam risco de vida" por serem filhos de juízes. No local, tinham chuveiro quente e vaso sanitário, coisa rara na penitenciária. Mesmo respondendo por crime hediondo, conseguiram antes do julgamento permissão para estudar e trabalhar.
— Os benefícios que eles tinham não era nem só pelo dinheiro. Claro que comparado às pessoas presas no Brasil, a maioria de classe muito baixa e presa por crimes pequenos, eles eram muito ricos. Mas eles tinham poder dentro do Judiciário. Tinham poder onde precisavam ter.
No caso do menor, ele foi transferido para Recife para cumprir medidas socioeducativas. Lá, um juiz o encaminhou para cumprir pena no hospital de queimaduras da cidade. Assim, conviveria de perto com a dor que provocou no índio Galdino para se divertir. A punição durou pouco: a família e os advogados, revoltados com a "maldade" do juiz, trouxeram o infrator de volta para "refletir" em casa.
Os advogados conseguiram atrasar o julgamento dos outros quatro jovens por cinco anos. Entraram com recurso em todas as instâncias possíveis e até no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Queriam que os jovens fossem julgados por lesão corporal seguida de morte e não homicídio triplamente qualificado. Além disso, tentaram impedir que os garotos fossem a júri popular.
O julgamento no Tribunal de Júri de Brasília durou cinco dias. Os jurados decidiram por cinco a dois que Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás eram culpados pelo crime classificado como hediondo. A juíza poderia escolher uma pena entre 12 e 30 anos. Os meninos foram condenados a 14 anos.
Pena mínima
Na opinião da especialista em Direito Penal Soraia da Rosa Mendes, pesquisadora da UnB (Universidade de Brasília), vários critérios podem ter tornado essa pena tão pequena comparada ao crime, o que gera uma sensação de impunidade.
— O crime tem uma série de qualificadores que deveriam aumentar a pena e torná-la mais perto do máximo e não do mínimo, como foi. É uma condenação baixa para um crime de tamanha gravidade.
Soraia acredita que, como os assassinos são filhos de classe média alta, com privilégios e chances de defesa maiores, a impunidade parece ainda maior.
— O sistema carcerário brasileiro é seletivo. Escolhe dentro do sistema quem são os que vão estar atrás das grades e os que não vão estar. E o critério, infelizmente, não é dado pelo crime cometido, mas pelas condições sociais e econômicas do réu.
Mesmo condenados a 14 anos, os quatro jovens ficaram bem menos tempo atrás das grades. Como a lei, na época, dizia que com um sexto de pena em regime fechado os presos de bom comportamento e sem antecedentes criminais poderiam ir para um regime semiaberto, em 2002 os jovens já não viviam mais na prisão, apenas voltando lá para dormir.
Em 2004, oito anos depois de colocarem fogo no índio Galdino, estavam livres. Progrediram para o regime aberto e, como Brasília não possui colônias agrícolas e albergues, foram para suas casas. Deveriam voltar para dormir todos os dias e não viajar. No entanto, segundo a promotora, a Justiça concedeu vários benefícios e os assassinos do índio Galdino puderam fazer turismo enquanto cumpriam pena
Na opinião de Maria José, a legislação brasileira favorece muito o criminoso por ser branda, uma das menores do mundo.
— Temos uma legislação que é pró bandido e, pior que a legislação, é a interpretação que se faz dela.
A lei brasileira garante, por exemplo, que a cada três dias trabalhados, um dia seja diminuído na pena. O mesmo acontece com estudos. Com isso e outros benefícios, em 2009 a pena de Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás foi extinta. Hoje, eles aguardam a reabilitação, ou seja, que o crime seja extinto definitivamente da ficha criminal. Assim, eles não serão mais reconhecidos por serem os assassinos do índio Galdino.
É o resumo que a promotora que cuidou do caso do índio Galdino, Maria José Miranda Pereira, faz do processo. Há 15 anos, cinco jovens de classe média colocaram fogo no pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, bairro nobre de Brasília. Ele morreu em consequência do crime bárbaro. Com trânsito no Judiciário e dinheiro para contratar os melhores advogados, os jovens assassinos tiveram benefícios e regalias que outros presos não possuem e ficaram atrás das grades pouco mais da metade do tempo a que foram condenados.
Dos cinco envolvidos no crime, um deles era menor de idade na época e foi encaminhado para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal. G.N.A.J ficou internado por três meses, mesmo tendo sido condenado a um ano de reclusão.
Os outros quatro — Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova — foram condenados pelo júri popular por homicídio doloso (com intenção de matar), crime hediondo com qualificadores por ter sido um crime por motivo fútil, com crueldade extrema (uso de fogo) e sem chance de defesa para a vítima.
Regalias
Os jovens que atearam fogo no homem dormindo tiveram tratamento diferenciado antes e depois do julgamento, segundo a promotora. Foram presos no mesmo dia do crime e, encaminhados para a prisão, ficaram em uma cela especial.
A promotora conta que foi desabilitada uma biblioteca na prisão para acolher os quatro, "já que corriam risco de vida" por serem filhos de juízes. No local, tinham chuveiro quente e vaso sanitário, coisa rara na penitenciária. Mesmo respondendo por crime hediondo, conseguiram antes do julgamento permissão para estudar e trabalhar.
— Os benefícios que eles tinham não era nem só pelo dinheiro. Claro que comparado às pessoas presas no Brasil, a maioria de classe muito baixa e presa por crimes pequenos, eles eram muito ricos. Mas eles tinham poder dentro do Judiciário. Tinham poder onde precisavam ter.
No caso do menor, ele foi transferido para Recife para cumprir medidas socioeducativas. Lá, um juiz o encaminhou para cumprir pena no hospital de queimaduras da cidade. Assim, conviveria de perto com a dor que provocou no índio Galdino para se divertir. A punição durou pouco: a família e os advogados, revoltados com a "maldade" do juiz, trouxeram o infrator de volta para "refletir" em casa.
Os advogados conseguiram atrasar o julgamento dos outros quatro jovens por cinco anos. Entraram com recurso em todas as instâncias possíveis e até no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Queriam que os jovens fossem julgados por lesão corporal seguida de morte e não homicídio triplamente qualificado. Além disso, tentaram impedir que os garotos fossem a júri popular.
O julgamento no Tribunal de Júri de Brasília durou cinco dias. Os jurados decidiram por cinco a dois que Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás eram culpados pelo crime classificado como hediondo. A juíza poderia escolher uma pena entre 12 e 30 anos. Os meninos foram condenados a 14 anos.
Pena mínima
Na opinião da especialista em Direito Penal Soraia da Rosa Mendes, pesquisadora da UnB (Universidade de Brasília), vários critérios podem ter tornado essa pena tão pequena comparada ao crime, o que gera uma sensação de impunidade.
— O crime tem uma série de qualificadores que deveriam aumentar a pena e torná-la mais perto do máximo e não do mínimo, como foi. É uma condenação baixa para um crime de tamanha gravidade.
Soraia acredita que, como os assassinos são filhos de classe média alta, com privilégios e chances de defesa maiores, a impunidade parece ainda maior.
— O sistema carcerário brasileiro é seletivo. Escolhe dentro do sistema quem são os que vão estar atrás das grades e os que não vão estar. E o critério, infelizmente, não é dado pelo crime cometido, mas pelas condições sociais e econômicas do réu.
Mesmo condenados a 14 anos, os quatro jovens ficaram bem menos tempo atrás das grades. Como a lei, na época, dizia que com um sexto de pena em regime fechado os presos de bom comportamento e sem antecedentes criminais poderiam ir para um regime semiaberto, em 2002 os jovens já não viviam mais na prisão, apenas voltando lá para dormir.
Em 2004, oito anos depois de colocarem fogo no índio Galdino, estavam livres. Progrediram para o regime aberto e, como Brasília não possui colônias agrícolas e albergues, foram para suas casas. Deveriam voltar para dormir todos os dias e não viajar. No entanto, segundo a promotora, a Justiça concedeu vários benefícios e os assassinos do índio Galdino puderam fazer turismo enquanto cumpriam pena
Na opinião de Maria José, a legislação brasileira favorece muito o criminoso por ser branda, uma das menores do mundo.
— Temos uma legislação que é pró bandido e, pior que a legislação, é a interpretação que se faz dela.
A lei brasileira garante, por exemplo, que a cada três dias trabalhados, um dia seja diminuído na pena. O mesmo acontece com estudos. Com isso e outros benefícios, em 2009 a pena de Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás foi extinta. Hoje, eles aguardam a reabilitação, ou seja, que o crime seja extinto definitivamente da ficha criminal. Assim, eles não serão mais reconhecidos por serem os assassinos do índio Galdino.
Os assassinos de Galdino pagaram pelo crime?
Há quinze anos quatro jovens de classe média alta em Brasília mataram o índio Galdino, ateando fogo no homem que dormia em um parada de ônibus na Asa Sul, bairro nobre da capital federal. Eles fugiram sem prestar socorro, mas foram identificados e condenados a 14 anos de prisão. Um adolescente, que também participou do que chamaram de “brincadeira”, foi internado em centro de reabilitação juvenil. Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova ficaram presos com várias regalias. Possuíam, por exemplo, chuveiro quente e vaso sanitário na cela, uma biblioteca desativada. Em 2002, meses depois do julgamento, foram para o regime semiaberto e apenas dormiam na prisão. Em 2004, estavam livres da cadeia e retomando sua vida normal. Na sua opinião, os assassinos do índio Galdino pagaram pelo crime?
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