A gritaria é grande porque o Brasil assiste à quebra de um monopólio na saúde pública
Médicos, entidades de classe e o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) estão inconformados. Fizeram todo tipo de oposição ao programa Mais Médicos e, agora, foram surpreendidos novamente com a notícia de que o governo federal trará quatro mil profissionais formados em Cuba, que atuarão em 701 municípios. Com essa importação, cidadãos brasileiros de áreas remotas que jamais viram um médico – e que jamais viriam, no que dependesse do corporativismo médico – poderão prolongar suas expectativas de vida, sendo diagnosticados e acompanhados no tratamento de patologias controláveis, como uma simples hipertensão.
Se o programa vier a ser efetivamente implementado, o Brasil poderá caminhar para ter, a médio prazo, uma expectativa de vida semelhante à de Cuba. Sim, os cubanos vivem mais: 79,3 anos, um padrão semelhante ao de alguns países europeus e bem superior ao brasileiro, que ainda é de 73,8 anos. Lá, um dos fatores que explicam o sucesso é o alto investimento em saúde – 9,7% do PIB, contra 4,2% no Brasil. Outro é a disseminação de programas de saúde da família.
De acordo com uma nota do Conselho Federal de Medicina, a decisão anunciada na semana passada é “eleitoreira” e coloca em risco a saúde da população. Ora, mas o que é pior? Ser atendido pelos profissionais cubanos ou continuar sem assistência alguma? Lembre-se que os 701 municípios que receberão os cubanos não atraíram o interesse de nenhum dos profissionais brasileiros, que tiveram prioridade nas inscrições do Mais Médicos.
Na prática, o que o Brasil assiste hoje é à quebra de um monopólio – e, por isso mesmo, a gritaria é tão forte. Às entidades de classe interessa regular a oferta de profissionais no mercado e, assim, preservar uma situação que gera altos rendimentos a profissionais escassos. Aliás, exatamente por estarem altamente demandados nos grandes centros urbanos, onde a vida é mais agradável do que nas periferias e nos rincões, os médicos brasileiros desprezaram a grande maioria das bolsas oferecidas pelo Mais Médicos.
A crítica conservadora dirá que o caso da saúde é diferente e não pode ser tratado como mercadoria ou qualquer outra atividade. Ocorre que a experiência cubana já aconteceu em vários países – e deu certo. Em Portugal, por exemplo, a população aprova a atuação dos profissionais.
De acordo com nota do Ministério da Saúde, os médicos que virão ao País têm, em média, 15 anos de experiência. Certamente irão contribuir para resultados que, no futuro, farão com que a crítica atual seja lembrada apenas como um grito corporativo diante do fim de um monopólio.
Revista Isto É
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