terça-feira, 21 de abril de 2015

Crônicas do Dia - Pátria exterminadora - Tony Bellotto

A narrativa se repete, com pequenas variantes, enquanto a cidade se transforma num deserto

Impátria


A Pátria Educadora é mais acertadamente a Pátria Exterminadora: o menino Jesus, que gostava de ir à escola, recebe como prêmio um tiro na cabeça. O tiro é disparado por um agente das forças de segurança pública do Estado, um policial. A mãe, atônita, acusa o assassino: “Você matou meu filho!”. “Matei o filho, posso matar a mãe”, argumenta o policial, com sua sensibilidade de gelo e lógica de metralhadora. A narrativa se repete, com pequenas variantes, como num pesadelo. A Impátria prefere matar a educar suas crianças. Economiza-se no orçamento.

O Abismo

Moradores do Complexo do Alemão fazem passeata em protesto contra a violência. O asfalto racha, o abismo abre-se sob seus pés e os manifestantes são tragados pela terra. Cinegrafistas, fotógrafos e jornalistas se aproximam e debruçam-se sobre o abismo, segurando-se para não cair. “Você vê alguma coisa?”, pergunta um cinegrafista. “Só um buraco negro sem fim”, responde um fotógrafo tentando enxergar algum ponto além da escuridão da fenda aberta em plena rua. “Como sempre”, anuncia o âncora do jornal na TV, “as pessoas desapareceram de repente, como num filme de terror. Boa noite”. A narrativa se repete, com pequenas variantes, como num delírio. A Impátria prefere soterrar a escutar seus habitantes. Ganha-se tempo e não é preciso recapear o asfalto.

Ratazana viscosa

“Paz no Alemão”, declara o governador Pezão, “só daqui a dez, quinze anos”. A afirmação choca pelo longo prazo em que se terá de aceitar a violência como uma companheira de vida, uma ratazana viscosa a esgueirar-se continuamente ao nosso lado. Ficam as questões: O que é o “Alemão”? Um bairro? Uma comunidade? Uma cidade? Uma nação? Um conceito? Vivemos todos no Alemão ou é o Alemão que vive em nós?

Territórios conflagrados, quando vistos pela TV, inspiram questionamentos filosóficos em cronistas encastelados em coberturas ipanemenses. Abre-se um Malbec, assiste-se a um filme de Lars Von Trier, chora-se ao som de “Tristão e Isolda”, de Wagner. A narrativa se repete, com pequenas variantes, como num sonho de uma noite de outono. Logo logo tudo isso será esquecido.

No Piauí

A família do menino Jesus, morto por agentes de segurança no complexo do Alemão, viaja até o Piauí para enterrar seu filho. De Teresina até Corrente, onde acontece o enterro, são mais de 800 quilômetros. O pai do menino, pensando no Alemão, declara: “Tanto tempo na vida vivendo num lugar perigoso assim, nos conforta chegar à nossa terra”.

Depois do enterro, a mãe do menino Jesus decide voltar a viver no Piauí. Do Alemão guardará a imagem do inferno.

Fuga para o Egito

Num sonho intranquilo, Terezinha vê imagens de José e Maria em fuga para o Egito, levando a tiracolo o recém-nascido Jesus. A família foge do rei Herodes, que ordenara a morte de todos os recém-nascidos da região, no episódio conhecido como o Massacre dos Inocentes. Ao despertar, Terezinha constata com amargura que não conseguiu fugir a tempo. A narrativa se repete, com pequenas variantes, como uma condenação. A Impátria não precisa determinar nenhum massacre de inocentes, ele já acontece naturalmente. Economizam-se palavras, ganha-se ação: desenvolvimentismo em sua melhor definição.

Redução da maioridade

Nos dias em que se discute com tanta paixão a redução da maioridade penal, a morte do menino Jesus cai como um presságio: essa redução solucionará de fato alguma coisa? Há mais crianças morrendo do que matando. Não estará a raiz do problema em algum outro lugar? Onde? No Ministério da Educação, por exemplo. Não seria mais eficiente elevar o orçamento da Educação do que reduzir a maioridade penal? Situações complexas, quando analisadas pela leitura tranquila dos jornais durante o breakfast, motivam soluções criativas na mente de cronistas enquanto degustam o suco verde purificador e a deliciosa tapioca com queijo branco. A narrativa se repete, com pequenas variantes, como numa manhã de sol magnífica. Mas nada me tira da cabeça que reduzir a maioridade penal é permitir que adolescentes ingressem mais cedo nas nossas prestigiadas instituições de ensino do crime. Quem disse que a Impátria não proporciona boa educação a seus criminosos?

Je suis Eduardo

Cinquenta pessoas participam de um ato silencioso na praia de Copacabana. Carregando um caixão infantil e fotos e cartazes com nomes de crianças vítimas da violência urbana, os manifestantes caminham pela areia da praia como se Copacabana fosse um imenso cemitério. De repente uma ventania ergue uma inusitada tempestade de areia. Uma voz solitária é ouvida do fundo da tempestade: “Estamos tentando dizer à sociedade que não alcançaremos a paz se a cidade continuar dividida ao meio”.

A narrativa se repete, com pequenas variantes, enquanto a cidade se transforma num deserto.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/patria-exterminadora-15847737#ixzz3XyCB7ynX

2 comentários:

  1. Podemos observar com clareza que o país não está seguindo o meio correto , enquanto a população tenta mudar a nação eles os oprimem .
    Quando fogem de medo eles trazem de volta para exterminar e ofuscar oque acontece , apenas alegando que foi uma simples bala perdida , pois hoje no Brasil se o policial mata um civil já é um habito alegarem que foi uma bala perdida . Apenas criar uma lei para não ter que investir , em uma coisa fundamental para sociedade , não é lutar para a evolução de um país , que quer economizar com sua própria população . Estimar que se alcançara a paz em 15 anos , é preguiça e incompetência de fazer oque se deve agora . No momento da crise extrema eles vão perceber que o país só está desse jeito por não terem feito oque deviam na hora certa , pois falta de aviso e lutas da população não será .

    João Pedro Golosov A Curvelo - 701

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  2. Podemos observar com clareza que o país não está seguindo o meio correto , enquanto a população tenta mudar a nação eles os oprimem .
    Quando fogem de medo eles trazem de volta para exterminar e ofuscar oque acontece , apenas alegando que foi uma simples bala perdida , pois hoje no Brasil se o policial mata um civil já é um habito alegarem que foi uma bala perdida . Apenas criar uma lei para não ter que investir , em uma coisa fundamental para sociedade , não é lutar para a evolução de um país , que quer economizar com sua própria população . Estimar que se alcançara a paz em 15 anos , é preguiça e incompetência de fazer oque se deve agora . No momento da crise extrema eles vão perceber que o país só está desse jeito por não terem feito oque deviam na hora certa , pois falta de aviso e lutas da população não será .

    João Pedro Golosov A Curvelo - 701

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