Um estudo capaz de determinar se uma pessoa é amiga de outra
Da familiaridade nasce o abuso, conclui Esopo numa de suas fábulas envolvendo leões e raposas neuróticos. Baseado nesta moral e no fato de que “de perto ninguém é normal”, constatado por Caetano Veloso, em possível parceria com Pablo Picasso, foi criado, especialmente para esta edição, um estudo informal capaz de determinar se uma pessoa é amiga de outra, ou muito pelo contrário. Abaixo, em primeira mão, essa verdadeira pseudorrevolução a priori que promete mudar, para sempre, as relações interpessoais ou redes sociais.
1) Imagine que seu aniversário está chegando. Tem que ser um aniversário redondo, entre 10 e 130 anos, o mais próximo de sua faixa etária. Você tem dinheiro suficiente para dar uma festa para cem amigos, com uísque, vinho, mesa de caipirinhas tutti-frutti, cerveja, canapés bacanas e charuto baiano, com direito ao Carlinhos Albuquerque (o Calbuque) fazendo o som.
2) Pronto. Vamos começar. Primeiro, faça a lista sem pensar, no impulso, usando a noção mais generosa de quem é seu amigo.
3) Pronto? Bom, neste estágio, é capaz de a lista estourar muito, ainda mais contando acompanhantes. Poxa! E agora? Quem você vai cortar? Não se preocupe! Isso faz parte e será resolvido na próxima etapa.
4) Vamos dar uma selecionada na lista? Mas... segundo que critérios? Antes, o juramento. Repita: “Prometo ser 100% honesto comigo mesmo.” Vamos lá! Sem medo! Prometeu? Ótimo! Então, passemos à próxima fase.
5) Na primeira triagem, olhe para cada nome, reflita e responda às seguintes perguntas:
(a) Ele é seu amigo no sentido clássico da palavra? Ou só um amigo no Face que você nunca viu e com quem nunca falou?
(b) Você está confundindo amizade com coleguismo, simpatia, empatia, solidariedade, admiração, tesão, compartilhamento, bom papo, parentesco, poder, medo, submissão?
(c) Você gosta do amigo em questão?
(d) Você é amigo do amigo?
(e) Você apenas esbarrou nesta pessoa e agora diz que é sua amiga?
(f) Você a chama de amiga por algum interesse ou ambição?
(g) Você fala mal desse amigo?
(h) Esse amigo fala mal de você depois de ir à sua casa pela primeira vez e acabar com o seu queijo espanhol?
(i) Esse amigo, mesmo se for de fé e camarada, sacaneia você publicamente num momento difícil da sua jornada só pelo prazer da piada?
(j) Voltando a Esopo e Caetano e Picasso, após conhecer mais de perto esse amigo, você passou a abusar dele (ou ele de você), a desprezá-lo ou a concluir que, de perto, ele não é normal (o que, no início, era divino maravilhoso, mas agora se tornou um pesadelo sem fim)?
(k) Você se sente perseguido pelo amigo, ou o persegue, com cobranças e mágoas que são apenas as carências (ou a loucura) dele, ou as suas próprias fraquezas e pirações?
(l) Quantas vezes você já desfez amizade e reatou amizade, ou bloqueou e desbloqueou o amigo no Face, no Insta ou na casa da mãe Joana que me pariu?
(m) Há chifres envolvidos?
(n) Você já usou a expressão “Muy amigo” ao pensar nele?
6) Respondeu a tudo direitinho? Tomou nota? Que bom! Agora, concentre-se e use o melhor da sua lógica para ver quem fica e quem sai. Infelizmente, não há espaço para explicar em que casos a resposta é “fica” ou “sai”. Espero que o esquema seja autoexplicativo. Agora, mãos à obra! Boa sorte!
7) Terminou? Que emoção! Mas... calma lá! Falta eliminar todos os acompanhantes (namorados, namoradas, cônjuges, parentes, penduricalhos). Claro que aqueles que já fossem considerados amigos na lista inicial passaram pela triagem. Vamos. Rabisque!
8) Parabéns. O teste está chegando ao final. Se foi feito com verdadeiro desprendimento e sem pudores ou autocensura, é difícil que tenham restado mais de 30 convidados. É provável que o número fique entre 5 e 25. E, em alguns casos, tenho certeza absoluta de que a lista será igual a zero, 1, 2, 3 ou 4. Uma lista negativa não está em cogitação.
9) Se isto, ou algo próximo, acontecer, você pode ficar triste ou ter a grande sacada: no papel rasurado está a expressão da liberdade, mesmo que depois você reavalie tudo e faça a festa (no sentido simbólico ou real) com todos os que eliminou e outros mais. Mas você estará livre de idealizações e consciente de suas escolhas. Afinal de contas, quem é que aguenta um milhão de “amigos” nas costas?
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/o-teste-da-amizade-15721543#ixzz3dPtG9cxR
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