João Gutierres Valério tinha um acordo com Salvador de Sá pelo qual pagaria imposto por cada escravo desembarcado no porto
O primeiro traficante do Rio de Janeiro se chamava João Gutierres Valério. Ou quase isso. Sabemos pouco sobre Valério. As dúvidas são tantas que sequer estamos certos a respeito de seu nome. Em 1790, um incêndio nos arquivos da cidade lambeu boa parte do que havia de registro em cartórios. Por isso, aquilo que conhecemos sobre o Rio dos mil e quinhentos se baseia na pouca papelada que sobrou. Não bastasse, é tudo escrito no misto de português com espanhol do tempo e numa caligrafia por vezes ambígua. Assim, é bem possível que Valério seja um companheiro de Estácio de Sá na guerra de fundação descrito noutros documentos como “João Guterres, oleiro”.
Em 1579, Valério arrendou na cidade terras que pertenciam aos jesuítas. Lá, o governador Salvador Correia de Sá havia feito erguer um trapiche, moenda de cana-de-açúcar movida a força de animais. Valério o comprou. Dizia, e assim está no contrato, que agia como procurador, governador e conquistador de Angola, Paulo Dias Novais.
Aquele foi o primeiro engenho de açúcar carioca. E açúcar valia dinheiro. O do Nordeste, de melhor qualidade, rumava para a Europa. Mas o objetivo de Valério, e de muitos outros nos anos seguintes, seria levar o açúcar para Luanda e usá-lo para escambo. Numa carta, Novais deixou registrados elogios ao açúcar do Rio.
Em 1583, Valério ganhou a posse da Ilha das Cobras. Foi doação do governador carioca. É possivelmente onde seus navios desembarcavam os escravos, que quase nunca ficavam no Rio. Este era o porto do intermediário. De lá, os homens eram levados para Buenos Aires e então, Rio da Prata acima, para as minas bolivianas. Valério tinha um acordo com Salvador de Sá pelo qual pagaria imposto por cada escravo desembarcado.
A rota Rio-Angola foi tão popular, nos primeiros anos da cidade, quanto a Rio-Lisboa. São Paulo de Luanda fora fundada por Novais em 1576, quando o Rio tinha 11 anos. Nasceram praticamente juntas. A posição geográfica de uma e de outra, além das correntes marítimas, favoreciam o porto do Rio para este tráfico. E como era açúcar o que os cariocas tinham para oferecer, assim foi que a base inicial do negócio foi estabelecida. Não havia troca de moeda. Em 1588, o jesuíta Antônio de Matos citava ter visto muitos “etíopes” no Rio de Janeiro.
O negócio prosperou muito, mas não para Valério. Em 1589, suas terras foram a leilão público.
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