A onda de ódio cresce no país, disseminada como um veneno letal por grupos políticos que se assemelham em visões distorcidas
O DIA
Rio - Uma pedra voa pela noite do subúrbio do Rio. Gira pelo espaço no calor da Vila da Penha, bairro vizinho dos caminhos de Ogum e Iansã, e traça uma rota na fúria das palavras de quem a atirou. Ao ser atingida com força na cabeça, a jovem vestida de branco, como filha de santo, tomba no asfalto. Kailane Campos, de apenas 11 anos, ainda sente os ferimentos. O da testa passará em breve. O da alma, contudo, deve perdurar ao compasso da onda crescente de ódio no Brasil. Sentimento que ineditamente aflora na nação, algo jamais imaginado por Paulo Freire.
O episódio com a jovem candomblecista é um drama que se avoluma nas estatísticas. Entram neste cálculo o apresentador Jô Soares, que recebeu ameaça de morte desenhada no asfalto em frente à sua casa apenas por entrevistar a presidenta Dilma; o frentista haitiano humilhado num posto do Sul; as vítimas de crimes cibernéticos, as forças da Esquerda política e tantos outros cidadãos hoje alvos da temível mudança no ‘status quo’. São os homossexuais que militam e são mortos a pauladas, as vítimas do racismo, as religiões afrodescendentes que expõem seus orixás e são apedrejados, as meninas que não aceitam o machismo e deparam com a violência doméstica.
A onda de ódio e rejeição cresce no país, disseminada como um veneno letal por grupos políticos que se assemelham em visões distorcidas. Como já refletiu Foucault, na disputa pelo poder, estes grupos desfazem os pensamentos humanistas, que são parte indivisível de nosso povo, e criam um paradigma baseado no preconceito ostensivo e aberto. Pela televisão, pelo rádio, pelos jornais e revistas, todos entoam o cântico da intolerância.
O Brasil nasceu há cinco séculos forjado na miscigenação de povos, culturas e raças que nos fazem ser este caldeirão de qualidades. Essa mistura não pode ser combatida pelo pensamento fascista. Nosso povo não possui uma cor, um tipo de cabelo ou credo. Somos múltiplos, plurais e diversos no jeito de ser e de ver o mundo. Olhos que enxergam o futuro e creem na esperança de uma sociedade solidária e que valorize as diferenças. Essas características devem ser respeitadas e preservadas por todos nós. São nossa fonte de força, nossa riqueza e maior patrimônio.
Jandira Feghali é médica e líder do PCdoB na Câmara
O Dia
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