domingo, 21 de junho de 2015

Personalidades - Tônia Carrero

RIO — Rodeada de intelectuais, Tônia Carrero opinava em todos os assuntos que dominavam a mesa naquela noite no Degrau, tradicional reduto boêmio do Leblon. Encantado com tanta beleza e surpreso com a eloquência, Rubem Braga resumiu o fascínio provocado pela atriz.
— Ela fala pelos cotovelos. Mas que cotovelos... — disse para Paulo Mendes Campos, segundo registro do livro “Crônicas da vida boêmia”, de Aluízio Falcão.


O tempo em que as apresentações teatrais eram seguidas por incursões a bares e restaurantes passou, mas a admiração por Tônia permanece intacta. Aos 92 anos, ela vive em Ipanema com o único filho, Cecil Thiré, e o afilhado, Leonardo Thierry. A família numerosa — quatro netos e cinco bisnetos — se reúne para almoçar toda sexta-feira no apartamento da atriz. Vez ou outra, em datas comemorativas, Tônia abre espaço para uma paixão antiga: o champanhe. Os olhos azuis e os cabelos louros anelados já não são vistos com muita frequência nas ruas do mesmo bairro onde morou quando se casou pela primeira vez, com Carlos Thiré. Quando sai de casa, no entanto, a relação com as pessoas é a mesma.
— Ela sempre adorou ser reconhecida nas ruas. É um dos seus prazeres — conta Cecil.
Formada em educação física, Tônia chegou a dar aulas de ginástica no Vasco antes de atuar no primeiro filme, “Querida Suzana”, em 1947 — a estreia no teatro viria dois anos depois, com “Um deus dormiu lá em casa”. Hoje, mantém o corpo ativo com uma rotina de fisioterapia e alongamentos. As dificuldades de fala e locomoção, consequências de uma hidrocefalia, impossibilitam as entrevistas. Mas nada a impede de ouvir uma boa história, principalmente quando contada por um dos netos.
— É uma relação de muito carinho. Eu conto as coisas e ela fica sorrindo, de olhinho fechado — diz Carlos Thiré, batizado em homenagem ao avô.
BALÉ, PARIS E FINALMENTE O PALCO
Cecil e três de seus quatro filhos — Luisa, Carlos e Miguel — seguiram carreira no teatro e na televisão. João, o neto mais novo — e o único que a chama de “vó” —, optou pela música. A atriz ensinou os netos mais velhos a chamá-la de Mariinha, apelido familiar, porque não queria, do alto dos seus 50 anos, ser tratada como avó. Todos eles frequentaram a sala de ensaios da ampla casa do Jardim Botânico, residência de Tônia durante anos. Figurinos e pedaços de cenário ocupavam o espaço, que serviu de base para muitos espetáculos encenados no Rio e em várias cidades do Brasil.
— Eu era criança, e um dia meu pai me chamou para assistir a uma cena de briga. Eu fiquei com medo e me escondi embaixo da mesa, então ele percebeu que estava bom — lembra Miguel.
A memória de Luisa volta ainda mais no tempo e traz recordações das festas na cobertura da Fonte da Saudade:
— Minha avó topava tudo, ajudava até a arrastar os móveis. Mais tarde também dei muitas festas na casa do Jardim Botânico. Saía da aula do Tablado e ia para lá.
Mãe e avó generosa e compreensiva, Tônia enfrentou resistência da própria mãe quando manifestou pela primeira vez a vontade de aprimorar um dom artístico. Criança, pediu para entrar nas aulas de balé. “Deus me livre. Se eu descuido, essa menina acaba no palco”, respondeu Dona Zilda. Anos mais tarde, não teve a presença da mãe em seu segundo casamento, com o diretor de teatro Adolfo Celi, com quem depois fundaria a companhia teatral Tônia-Celi-Autran — o amigo Paulo Autran era o outro sócio. A atriz ainda se casaria uma terceira vez, com o empresário César Thedim.
— A família dela era muito tradicional. Ela precisou quebrar essa barreira — analisa a jornalista Tânia Carvalho, autora de “Tônia Carrero: movida pela paixão”.
Depois de um tempo em Paris com o primeiro marido, Tônia voltou com cursos de teatro na bagagem para abraçar a carreira. Foi assim por 58 anos e 54 espetáculos. Encenou clássicos de Shakespeare, Tchekov, Pirandello. O papel mais marcante, na opinião de Cecil, foi em “Navalha na carne”, de Plínio Marcos. Interpretou a prostituta Neusa Suely e recebeu o prêmio Molière de melhor atriz.
— Foi a transição, quando ela mostrou que também era uma excelente atriz dramática — destaca Cecil.
Em 1992, já perto dos 70 anos, viajou pelo Brasil por seis meses na turnê da peça “As atrizes”. Amiga e produtora cultural, Deolinda Vilhena lembra especialmente das noites de cantoria pós-espetáculo. Sim, a atriz venerada, ícone de classe e beleza, já se aventurou em karaokês.
— Ela tem uma voz pequena, mas muito afinada. E não terminava a noite sem cantar “Soneto da separação”, do Vinicius (de Moraes) — conta Deolinda.
Em Salvador, Deolinda recebeu um telefonema que encerraria a turnê: a Vasp, patrocinadora, estava retirando o apoio. A produtora arrastou Tônia para o Palácio de Ondina, residência oficial do governador da Bahia. Antônio Carlos Magalhães, então ocupante do posto, tinha boas relações com o comando da companhia aérea e resolveu o assunto.
Tônia despediu-se dos palcos em 2007, quando foi dirigida pelo neto Carlos Thiré na temporada de “Um barco para o sonho” no Teatro Maison de France.
— Brigamos, nos elogiamos... Foi bem intenso — lembra Carlos.
No cinema, Tônia fez sucessos da Vera Cruz, como ‘‘Tico-tico no fubá’’, e em produções mais recentes, como o longa “Chega de saudade”. A próxima produção audiovisual envolvendo a atriz não a terá no elenco, mas na plateia. As atrizes Beatriz Napolitani e Joana Seibel finalizam o texto de uma peça em homenagem a Tônia. A produção será dirigida por Carlos Thiré.
— Tônia tem tudo: inteligência, educação e cultura. É uma boa amiga e uma mulher encantadora. A primeira vez em que a vi no palco, pensei: “essa mulher parece uma deusa grega” — define a atriz Bibi Ferreira.


Leia mais: http://extra.globo.com/noticias/rio/o-refugio-da-diva-inesquecivel-do-teatro-da-tv-16441449.html#ixzz3dj54HreB

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