sexta-feira, 19 de junho de 2015

Crônicas do Dia - Pátria Educadora - Cora Rónai

Conheço alguns professores do PVS. Jovens recém-formados, cheios de entusiasmo... Olho para eles e o meu peito dói


Até terça à noite, o vídeo (filmado no dia 10 de abril, mas divulgado apenas semana passada) já tinha sido visto mais de três milhões de vezes: uma professora jovem — e muito, mas muito mais controlada do que a maioria de nós — é humilhada por um adolescente, enquanto outros jovens, que não aparecem em cena, dão gargalhadas.

— Você não tem homem?

O adolescente derruba os livros da professora no chão:

— Vai pegar, porra, vai pegar agora!

A professora se contém, como já havia se contido antes, quando ele lhe deu dois tapas na bunda. Ela pede respeito. As provocações — e as risadas — continuam.

— Não vai falar nada? Está com medo de se sentir ofendida?

Mais livros são derrubados.

A professora finalmente dá um empurrão no aluno, que reage aos gritos, esganiçado:

— Para! Você não pode tocar em mim. E se eu pegar nos teus peitos? Vagabunda. Vagabunda. Bate em mim, bate!

A professora — que, aliás, é menor do que a “criança” — ensaia um tapa, leva uma bundada, e os alunos se retiram, sempre rindo.

Estabelecimento de ensino e personagens foram rapidamente identificados pela “Gazeta de Araçuaí”, do Vale do Jequitinhonha, onde aconteceu o incidente. A vice-diretora da escola foi ouvida. Disse que convocou a família para uma reunião, ninguém apareceu. O caso foi encaminhado para a Superintendência Regional de Ensino e, pelo visto, não vai dar em nada:

— Não podemos expulsar o aluno.

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Mais ou menos junto com o vídeo, circulou pelo Facebook o recado que a mãe de um aluno mandou para a mestra, em Belo Horizonte, no dia 13 de abril:

“Olha aqui, professora. O (....) não fez o ‘para casa’ porque ele não foi sexta, ele faz todos os dias, os ‘para casa’ dele, eu mesma que acompanho. Não vou assinar essa merda de ocorrência. A próxima vez você manda ocorrência por motivo grave.”

“Sua mal amada, sua amarga, velha chata. Não me perturbe por motivo bobo como esse, estou grávida, é de alto risco a minha gestação.”

“Vou aí conversar com o diretor, você tá demais, passou dos limites. Ocorrência porque não fez ‘para casa’ porque ele faltou? Brincadeira né!”

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Tanto o vídeo quanto a foto do recado receberam milhares de comentários, boa parte deles de professores e professoras. A partir deles, chega-se à conclusão de que, longe de serem fenômenos isolados, os dois casos são excepcionais apenas porque chegaram à internet.

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Há um bom projeto no âmbito da educação estadual aqui no Rio. É o PVS, Pré-vestibular Social, que pretende dar a jovens de baixa renda condições semelhantes às que seus colegas mais abonados encontram nos cursinhos de pré-vestibular. No PVS, eles têm professores de biologia, física, geografia, história, língua portuguesa, matemática, química e redação; de quebra ainda podem contar com aulas de línguas estrangeiras pela internet.

— Damos aulas todas as semanas, respondemos dúvidas sobre os editais e atendemos os alunos via e-mail e Facebook — me disse um desses professores. — Além disso, sempre que eles querem, conversamos sobre problemas pessoais e familiares.

Histórias de sucesso comprovam a qualidade do projeto: ainda no Enem do ano passado, duas alunas do PVS tiraram nota máxima em redação. E muitos ex-alunos pertencem, hoje, ao quadro de professores.

Mas...

Pois é. Parece que o governo, em qualquer de suas esferas, é incapaz de fazer algo de bom sem uma grande, imensa conjunção adversativa. Os professores, que passam por concurso, não podem ser chamados de professores. São eufemisticamente chamados de tutores. É que, como professores, deveriam ter salários mais altos. Na verdade, deveriam ter salário, coisa que os “tutores”, coitados, não têm. Eles recebem “bolsas” e são intitulados “bolsistas” — a única categoria que permite as absurdas irregularidades da sua situação.

— Não temos nenhum direito básico — explicou o professor. — Não temos seguro contra acidentes, não podemos faltar por motivos de saúde, licença-maternidade e férias não existem. Não temos direito nem a um salário mínimo!

Este ano, o que era péssimo ficou pior. O número de vagas para estudantes foi reduzido, dois polos foram fechados, e, em meados de abril, o estado informou aos “tutores”, sem pagamento desde fevereiro, que não tinha ideia de quando poderia liberar o seu dinheiro. O impacto do e-mail foi devastador. Muitos deles, que não moram necessariamente nos municípios onde ensinam, haviam contraído dívidas apenas para conseguir chegar ao local de trabalho, e desistiram de vez do PVS.

— A desculpa é a crise econômica atravessada pelo estado. Mas nós não conseguimos deixar de nos perguntar o porquê de um projeto tão importante ser um dos primeiros a serem atingidos. Por que nós, que já ganhamos tão pouco, e não os deputados? Ou os estagiários da Alerj, que, aliás, receberam um aumento indecoroso? Infelizmente, a resposta parece estar, mais uma vez, no eterno descaso que os nossos governantes têm pelo ensino.

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Conheço alguns professores do PVS. São jovens recém-formados, cheios de entusiasmo, que poderiam ter optado por carreiras mais estáveis e lucrativas; em vez disso, escolheram o magistério porque sonham com um país melhor e querem contribuir para isso.

Olho para eles e o meu peito dói.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/patria-educadora-16280830#ixzz3dYhPWPnf

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