Bons eram os tempos em que pessoas ligadas a várias confissões ministravam ensinamentos nas igrejas, templos e escolas numa ação gratuita
O DIA
Rio - Fé é dom gratuito. Uns têm, outros não. Fazer apologia de uma crença é cabível quando não envolve a satanização de quem não adere. É uma questão de educação, de civilidade, de compreensão sobre a liberdade do outro e sobre a singularidade do outro. Se o país, pela Constituição, é laico, as pessoas podem não ser e ter direito a praticar sua religião sem ser molestadas, usando outra prerrogativa constitucional, que é o direito de ir e vir, de pensar e de se associar.
Cabe aos governantes exigir o cumprimento das leis porque apedrejar uma pessoa por causa de sua fé é crime. São, portanto, irresponsáveis aqueles religiosos que pregam a intolerância e que, ao mesmo tempo, esperam as decisões do Supremo para entrar nas escolas e ensinar a sua fé para os que quiserem ouvir.
Não vejo com bom olhos as cores que estão sendo impregnadas no horizonte. Se o ensino religioso tiver uma cor cinzenta, dado que a legislação deseja um ensino não proselitista, pergunto, então, a quem ele interessará? Se for proselitista, não estará adequado às propostas legais. Mas o que mais me preocupa é a transformação das escolas em palco de disputas, agressões e ofensas mútuas, onde cada um defende a sua fé como único caminho para se chegar a Deus.
Caso tal situação seja configurada pela falta de preparo dos docentes, a escola, em vez de ser local onde os alunos devem aprender a conviver, será um espaço de violência — o que fere todo e qualquer princípio religioso que visa a aproximar as pessoas, porque, se há um criador, as criaturas serão à sua imagem e semelhança.
Hoje, é verdade, os professores costumam ser até agredidos pelos discentes e até por algumas famílias. Se um professor de Ensino Religioso agredir verbalmente ou por via de fato um aluno, ele será corrigido pelas secretarias de Educação, tanto quanto os demais profissionais? Espero que não seja a religião um escudo para a prática de desumanidades porque, se as que ocorrem em via pública adentrarem as escolas, teremos uma deseducação religiosa.
Bons eram os tempos em que pessoas ligadas a várias confissões ministravam ensinamentos nas igrejas, templos e escolas numa ação gratuita. Não podemos confundir a ação virtuosa de quem ensina alguma doutrina religiosa com a ação voraz de quem quer, a qualquer custo, um contrato pago pelo poder público. Não será novidade se o dano for pior que a proposta.
Hamilton Werneck é pedagogo e escritor
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