“Henrique VIII deixou a Igreja Católica para que a Inglaterra tivesse sua própria religião. Napoleão Bonaparte pôs a Europa de joelhos perante a França. Pedro I foi desafiado a transformar uma colônia no Império brasileiro. Homens de importância incontestável na trajetória de seus países, eles foram motivados a cumprir seus feitos não apenas por razões de Estado, mas também por quem dividiam a cama — e não em seus relacionamentos formais. Durante séculos, amantes e cortesãs eram figuras fáceis ao lado de monarcas de diversos países, relegando as rainhas à sombra e assumindo tarefas como a recepção de embaixadores e o patrocínio de artistas. Ganhavam castelos, joias e garantiam títulos de nobreza aos filhos bastardos.
A busca por outros rabos de saia era vista como uma consequência natural de como ocorriam os matrimônios reais. Os noivos eram escolhidos para assegurar a prosperidade e a paz entre seus impérios. Depois da troca de alianças, os reis sentiam-se à vontade para correr atrás de seus desejos.
— No casamento, as princesas eram simples moedas de troca usadas para fins políticos — conta a historiadora espanhola María Pilar Quesalt del Hierro, autora do livro recém-lançado “Rainhas na sombra” (Versal Editores). — Os monarcas, então, buscavam o amor fora do leito conjugal.
Alguns soberanos tomaram atitudes extremas para se livrarem das rainhas. No século XIV, por exemplo, o rei português Fernando I recorreu ao Papa para anular seu casamento com Constança de Castela. Alegou que ambos eram parentes. Era difícil comprovar o argumento, mas a compra de sacerdotes viabilizou o seu pedido. Solteiro, uniu-se oficialmente a Leonor de Meneses, que já frequentava seus lençóis. Mesmo sob a oposição da Corte, capitaneada por seu meio-irmão, Leonor posou como verdadeira governante, aproveitando-se da saúde frágil do marido.
Na Inglaterra dos anos 1500, Henrique VIII caiu de amores por Ana Bolena, que inicialmente fingiu não ter interesse no monarca. O rei absolutista estava tão apaixonado que ignorava um defeito grave de sua musa — tinha seis dedos na mão esquerda, o que era encarado como um sinal de bruxaria. O maior empecilho, no entanto, atendia por Catarina de Aragão. A mulher de Henrique recusou a anulação do casamento. Apoiado pelo povo, Henrique expulsou a Igreja Católica de seus domínios — e Catarina, por extensão.
— A posição de amante do rei trazia uma série de privilégios — lembra a historiadora Mary del Priore, autora de mais de 40 livros sobre comportamento e sexualidade, entre eles “História do amor no Brasil” (editora Contexto). — Até o século XVIII, ter uma “favorita” era fundamental para construir a imagem viril do monarca.
Mas nem sempre a história terminava bem. O próprio Henrique VIII irritou-se com a dificuldade de Ana Bolena para dar à luz um varão. Já envolvido com outra jovem, o rei acusou sua mulher de adultério. Depois de um rápido julgamento, terminou decapitada.
A lista de affairs decepcionantes inclui outro rei conhecido por seu autoritarismo. Em 1667, o francês Luís XIV trocou a amante oficial, Madame de la Vaillère, por uma amiga íntima, Madame de Montespan. O “Rei Sol” acolheu seus sete filhos e lhes cedeu privilégios e títulos — um deles, por exemplo, já era coronel aos 5 anos. A relação ardente derreteu 12 anos depois, quando a polícia prendeu uma suposta vidente da amada, um tipo que anunciava publicamente seus dons para livrar os clientes de inimigos. No fim da investigação, conhecida como “caso dos venenos”, foram descobertas dezenas de pessoas que se apresentavam como magos, feiticeiros, alquimistas e envenenadores no submundo do Palácio de Versalhes.
Luís XIV queimou documentos que comprovariam o envolvimento de Madame de Montespan com a laia. A amante continuou hospedada na sede oficial do governo, mas foi deslocada para apartamentos menores e afastados do rei, que não lhe dirigia mais a palavra.
— Se a amante se mostrava ambiciosa e intrigante, capaz de prejudicar os interesses do reino, a rejeição do povo era total — ressalta María Pilar. — No entanto, em outras ocasiões, quando se acreditava que ela exerceria uma influência favorável, poderia ser tolerada e inclusive admirada. Foi o caso da Madame de Pompadour, amante do francês Luís XV, que atuou como mecenas de Voltaire e Diderot.
Além das aristocratas, algumas mulheres que chegaram aos aposentos reais vieram das classes baixas. Em Veneza, a mais famosa delas era Verônica Franco. O nome da cortesã consta na edição de 1572 do catálogo “Tarriffa delle putane”, uma lista com o nome das 215 prostitutas mais prestigiadas da cidade. Estudante aplicada dos costumes sociais, recebeu em 1574 uma importante missão. Foi oferecida pelo governo por uma noite a Henrique III, futuro rei da França, que visitaria a cidade, ansiosa por uma aliança com os gauleses. Teve uma excelente performance — conseguiu agradar a um rei que preferia viajar com rapazes vestidos de mulheres.
— Muitas pobres e famintas tinham de recorrer à prostituição. Tornar-se uma cortesã era como ganhar na loteria — compara a americana Susan Griffin, autora de “O livro das cortesãs: um catálogo das suas virtudes” (editora Rocco). — Eram mulheres excepcionais. Elas não tinham como apelo apenas a beleza física, mas também a sensualidade e a cultura. Precisavam aprender dotes como arrumar o cabelo e tocar piano, que faziam parte da educação das aristocratas. Elas precisavam ser muito diferentes do meio em que foram criadas.
CIÚME E CUMPLICIDADE
Segundo María Pilar, cada rainha reagia de uma forma à presença das “favoritas”.
— Algumas rainhas, para se sentirem livres, procuravam “distrações” para o marido. Foi o caso de Elisabeth II da Áustria, que propiciou a relação de seu marido, Francisco José I, com a atriz Katharina Schratt — destaca. — Outras eram terrivelmente ciumentas, como Catarina de Médici. Quando morreu seu marido, o rei francês Henrique II, ela apreendeu todas as posses de sua amante, Diana de Poitiers.
No Brasil, o imperador D. Pedro I e Domitila de Castro Canto e Melo protagonizaram o maior escândalo de infidelidade conjugal da monarquia.
— Domitila tinha uma astúcia extraordinária — assinala Mary. — Pedro foi profundamente apaixonado por ela. Deu-lhe o título de marquesa e prometeu uma vida na Corte. Por influência de um professor do imperador, leram um livro sobre as amantes de Luís XIV. O imperador, então, tentou recriar a imagem da monarquia com as “favoritas”, o que era uma humilhação à imperatriz Leopoldina.
Segundo Mary, hoje, a história na monarquia é outra: ninguém fica casado se está infeliz. E a rede de alianças entre impérios e amores clandestinos ficou para trás.
Este texto foi escrito por Renato Grandelle e originalmente publicado em O Globo
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