sábado, 14 de junho de 2014

Outros Olhares - Inocência


Taunay tinha um agudo senso de observação e análise, aliado a uma vivência riquíssima da paisagem e da História do Brasil. Foi um dos primeiros prosadores brasileiros a emprestar a linguagem coloquial regional em suas obras.



Na época em que o autor se inspirava para escrever Inocência, publicado em 1872, acontecia no país a aprovação da Lei do Ventre Livre, onde todos os filhos de negros que nascessem à partir daquela data seria livre da escravidão brasileira.

É notável como o narrador nos apresenta o choque de duas concepções de mundo extremamente diversas. Pereira, homem do sertão, preso a padrões estritos de comportamento, mantém sua bela filha Inocência reclusa.

O autor conta com franqueza seu relacionamento com uma jovem que conheceu no Mato Grosso, a partir dai percebemos a origem mais íntima da personagem-título de Inocência, protótipo da mulher sertaneja imaginada pelo autor.

Foi um autor além da maioria dos romancistas, entre os quais se incluíam alguns que, embora também usassem temas sertanistas, não tinham realmente muita experiência do interior brasileiro. Taunay, ao contrário, escrevia sobre o que conhecera. Aliás o próprio Taunay se manifestou sobre isso, embora não diminuísse de modo algum a importância e o valor dos outros romancistas.

Nesse romance, o rigor do observador militar que percorreu os sertões mistura-se à capacidade imaginativa do ficcionista. O resultado é um belo equilíbrio entre a ficção e a realidade, raramente alcançado na literatura brasileira até então.

São trinta capítulos e um epílogo, em que poucos personagens se movem. Esses personagens podem ser agrupados de acordo com a posição que lhes caberá no desenrolar da obra.

Inocência pode ser considerada a obra-prima do romance regionalista (Sertão do Mato Grosso) do nosso Romantismo. Seu autor, Visconde de Taunay, soube unir ao seu conhecimento prático do país, adquirindo em inúmeras viagens na condição de militar, o seu agudo senso de observação da natureza e da vida social do Sertão brasileiro.

A qualidade de Inocência resulta do equilíbrio alcançado entre os aspectos ligados ao conceito de verossimilhança – que muitas vezes chegava a comprometer a qualidade de obras regionalistas –, como a tensão entre ficção e realidade, a linguagem culta e a linguagem regional e a adequação dos valores românticos à realidade bruta do nosso Sertão.

Ao lado dos acontecimentos, que constituem a trama amorosa, há também o choque de valores entre Pereira e Meyer, um naturalista alemão que se hospedara na casa de Pereira à procura de borboletas, evidenciando as contradições entre o meio rural brasileiro e o meio urbano europeu.

A atração pelo pitoresco e o desejo de explorar e investigar o Brasil do interior fizeram o autor romântico se interessar pela vida e hábitos das populações que viviam destante das cidades. Abria-se assim, para o Romantismo, o campo fecundo do romance sertanejo, que até hoje continua a fornecer matéria à nossa literatura.

Aspectos temáticos

Sofrimento – A caminhada do sertanejo em busca de seus objetivos através de longas distâncias, sendo que no percurso, existe a dificuldade do abrigo. 

Simplicidade – É claramente observada através do comportamento e diálogos entre as personagens típicas. 

Contradições – Comprava-se entre o jeito de ser do sertão e a forma avançada da Europa (Pereira e Meyer).

Amor impossível – Um amor tão puro e verdadeiro que por falta de condições de existência preferiu a morte, ou pelo menos, foram levados a ela. 

Honra – Pereira para manter a honra familiar, sacrificava sua própria filha, já que sua palavra estava acima de tudo.

Beleza – É retratada através da paisagem do sertão e da jovem Inocência.

Escravidão – é representada por Maria Conga e outros. 

O romance é ambientado na confluência dos Estados de Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e São Paulo.

Foco narrativo 

O ponto de vista externo define o narrador de Inocência como um narrador onisciente, que é tendência dominante na narrativa romanesca do século XIX. É o modelo clássico, que confere plenos poderes a uma só focalização: tudo é apresentado a partir de um único ponto, com onisciência e onipresença. Esse é, sem dúvida, um modelo narrativo que atende às necessidades do romance regionalista, que focaliza a vida, os costumes, os valores sociais a partir de um único ponto de vista.

Personagens

Inocência: Tem uma grande beleza e delicadeza de traços, nem parece moça do sertão. Isso vai ser fundamental no despertar da paixão entre ela e Cirino e também na compreensão da atitude que ela irá tomar posteriormente, afinal, de alguma forma, ela não era uma típica moça do sertão. Essas características são importantes para a compreensão do desenrolar da história. Inocência tem cabelos longos e pretos, nariz fino, olhos matadores, beleza deslumbrante e incomparável, faces mimosas, cílios sedosos, boca pequena e queixo admiravelmente torneado. Enfim, uma jovem de beleza deslumbrante e incomparável. Simples, humilde, meiga, carinhosa, indefesa e eternamente apaixonada.

Cirino Ferreira de Campos: prático de farmácia, autopromovido a médico ambulante. Tinha mais ou menos 25 anos, presença agradável, olhos negros e bem rasgados, barbas e cabelos cortados quase à escovinha. Era tão inteligente quanto decidido. "Doutor" Cirino era caridoso, bom doava a própria vida em defesa do amor.

Manecão: Homem rude, mas decente, trabalhador, sério e acumulou fortuna, era dotado também de uma certa macheza. Alto, forte, pançudo e usava bigode. Enfim, vaqueiro bruto do sertão. Pessoa fria que matava, se fosse preciso, em defesa de sua honra.

Martinho dos Santos Pereira (Pereira): Homem de mais ou menos 45 anos, gordo, bem disposto, cabelos brancos, rosto expressivo e franco. Pessoa honesta, hospitaleiro, severo e não trocava a sua palavra nem pela vida. Condensa em si desconfiança e ingenuidade, além de ser durão e conservador.

Tico: Anão que vivia na fazenda, mudo, mas que foi capaz de entregar lnocência ao pai. Ele a vigiava e detinha profundo respeito e admiração pela mesma. Guardião de Inocência. Mudo, raquítico, esperto e fez por um momento, o papel de fofoqueiro.

Meyer: Um naturalista, que teve a sinceridade de elogiar Inocência, acabou por ser vigiado por Pereira, mas era muito dedicado a profissão que exercia, portanto viajava muito.

Maria Conga: Escrava de Pereira que cuidava dos afazeres domésticos. Escura, idosa e malvestida. Usava na cabeça um pano branco de algodão.

Major Martinho de Melo Taques: Homem que merecia influência na vila de Santana do Parnaíba: Juiz de paz e servia de juiz municipal. Participou da Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul. Era comerciante e gostava de contar casos, ou seja, "prosear".

Antônio Cesário: Padrinho de Inocência. Homem respeitado, de palavra, honesto e justo. Fazendeiro do sertão.

Guilherme Tembel Meyer: Alto, rosto redondo, juvenil, olhos claros, nariz pequeno e arrebitado, barbas compridas, escorrido bigode e cabelos muito louros. Pessoa de boa índole, esperto em sua função e simples ao pronunciar as sua palavras. Admirador da natureza e da beleza de Inocência.

José Pinho (Juque): Ajudante de Meyer. Era muito intrometido em conversas alheias. Pessoa boa e de confiança de seu patrão.

É o romance sertanista onde mais se percebe a divisão entre o enredo central - folhetinesco e ultra-romântico - e as histórias secundárias, quase todas realistas.

Este mesmo descompasso é visível entre o tom trágico da intriga amorosa e as passagens hilariantes das tramas paralelas.

Apesar do excesso melodramático final, os caracteres de Cirino e Inocência nos são mostrados de forma muito mais verossímil que os personagens de outros romances românticos da época.

Há uma forte crítica de Taunay em relação ao implacável patriarcalismo do mundo rural. O curioso é que durante quase toda a narrativa, o autor ironiza a visão machista, como nesta cômica exposição de Pereira sobre o comportamento das mulheres: Eu repito, isto de mulheres, não há que fiar. Bem faziam os nossos do tempo antigo. As raparigas andavam direitinhas que nem um fuso... Uma piscadela de olho mais duvidosa, era logo pau. (...) Cá no meu modo de pensar, entendo que não se maltratem as coitadinhas, mas também é preciso não dar asas às formigas...

No final do relato, contudo, esta crítica amena e humorística transforma-se quase em um panfleto contra o domínio absoluto que, dentro do código patriarcalista, os pais tinham sobre os filhos.

Importante ressaltar que o simplório Pereira, além de possuir boa índole, ama desesperadamente a filha. Portanto, também ele nos é mostrado como vítima dos costumes patriarcais.

Meyer, o naturalista alemão, sábio das coisas da ciência, porém incapaz de perceber a estreiteza moral do mundo em que está metido, é um dos protagonistas mais engraçados da ficção brasileira do século XIX. Suas trapalhadas são impagáveis.

O romance apresenta uma curiosa mescla de linguagem culta urbana e termos regionais (arcaísmos, corruptelas, provérbios, expressões típicas). Estes "regionalismos", na sua maioria, são explicados pelo próprio autor, em notas ao pé das páginas. O resultado dessa junção é uma prosa bastante viva, colorida e com acentos humorísticos na sua formulação.

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