sábado, 14 de junho de 2014

Te Contei,n ão ? - 13 questões sobre a Ditadura no Brasil

13 questões sobre a ditadura no Brasil
As controvérsias em torno de um golpe dado em nome da democracia - que gerou um regime autoritário de mais de 20 anos

Da Redação/ Revista Época

1 Havia um golpe da esquerda em gestação? A deposição de Jango foi um contragolpe?

Francisco Dornelles, filiado ao PTB, primo em segundo grau de Getúlio Vargas e sobrinho de Tancredo Neves, assistiu pela televi­são, na França, ao comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. ('A TV francesa dava grande destaque ao presidente João Goulart", diz Dornel­les, hoje senador (PP-RJ). Jango de­cretou a nacionalização de refinarias de petróleo, o congelamento dos pre­ços dos aluguéis e a desapropriação de terras às margens de rodovias federais para a reforma agrária. ('A revolução comunista no Brasil começou hoje", disse um colega de Dornelles, membro do Partido Comunista na Bulgá­ria. "Ele anunciou coisas que, na Bul­gária, levamos anos para conseguir. Os adversários acabarão com ele."

Após o comício, Jango pediu ao Congresso poderes especiais para aprovar as reformas de base, um con­junto de medidas de cunho popular, como a reforma agrária. Dezoito dias depois, Jango foi derrubado. Milita­res brasileiros tiveram a mesma interpretação do jovem búlgaro - e fizeram o que ele disse que fariam. Jango flertava com o populismo e dava sinais à esquerda. O mundo vivia a Guerra Fria, com países di­vididos entre os blocos capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e socialista, ligado à União Soviética. Em 1959, Cuba tornou-se comunista. O medo de uma revolução comunis­ta no Brasil unia políticos de direi­ta e militares e os Estados Unidos.

O pedido ao Congresso alarmou a oposição por dizer que «são elegíveis os alistáveis" O mandato de Jango terminaria em 1965, mas a oposição entendeu que um golpe se ensaiava. Jango se apoiaria nos sindicatos e nos partidos de esquerda para mudar a Constituição e se candidatar à reelei­ção. Os sinais pareciam claros. "Se não dermos o golpe, eles o darão contra nós", dizia Leonel Brizola, cunhado de Jango e governador do Rio Grande do Sul. O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, afirmava o mesmo. "Volto certo de que um golpe virá. De lá ou de cá, ainda não sei."

Os aliados de Jango confiavam em que tinham a seu lado uma fatia das Forças Armadas - o "dispositivo mi­litar" janguista. Quando os militares, de forma desorganizada, botaram os tanques na rua para destituir Jango, o "dispositivo" janguista não apare­ceu e não houve resistência ao golpe. "Não há evidência empírica de que Jango planejasse um golpe", afirma o historiador Carlos Fico. "Mas suas declarações e o pedido de poderes especiais ao Congresso dão força à ideia de que pretendia dar um gol­pe." Ainda hoje, militares da reserva dizem que a destituição de Jango foi um contragolpe preventivo. De certo, nem direita nem esquerda estavam in­teressadas na manutenção da ordem constitucional vigente em 1964.

2 Os golpistas chegaram com um plano para instalar uma ditadura?

Não. O golpe foi desfechado im­provisadamente. O dia 31 de março de 1964 começou com o general Olímpio Mourão Filho, que não estava entre os conspiradores de maior patente, vestido com um robe de seda vermelho, fazendo anotações em seu diário. Depois, pegou o telefo­ne e anunciou que partiria de Juiz de Fora, em Minas Gerais, rumo ao Rio de Janeiro. Até o meio do dia, conti­nuava parado. Tirou uma soneca após o almoço e só então pôs seus homens na rua. Tropas pretensamente leais ao presidente Jango deixaram o Rio, para brecar as de Mourão. No dia seguinte, o Exército se uniu contra Jango. Acua­do, ele deixou o governo, mais facil­mente do que esperavam os golpistas. Uma vez no poder, os militares não ti­nham um plano de governo. Na pos­se como presidente, em 15 de abril, Castelo Branco prometeu devolver a Presidência a um sucessor eleito. "Ninguém adivinhou o que viria de­pois", diz Jorge Ferreira, autor de 1964.

3 Foi uma ditadura militar ou uma ditadura militar e civil?

O presidente Jango foi deposto por um levante militar, em 1964, e eram egressos da caserna os presidentes seguintes, até 1985. O Brasil esteve, portanto, sob um regime militar. Mas um regime com perma­nente apoio civil. "Imputar às Forças Armadas a responsabilidade pelo re­gime é um exagero", diz Marco Anto­nio Villa, autor do livro Ditadura à brasileira. "Nunca tivemos um regime militar puro:' A deposição de Jango teve apoio de parte da população, em protestos como a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, da elite empresarial e da imprensa. Defensor da posse de Jango, em 1961, o jornal Correio da Manhã pediu sua saída - voluntária - nos editoriais "Basta!" e "Fora!". O golpe, que transcorreu sem troca de tiros, tinha em sua linha de frente os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, potenciais candida­tos a presidente em 1965.

Durante a ditadura, o Congresso sofreu intervenções, mas permaneceu aberto a maior parte do tempo. "Ar­gentina e Chile fecharam seus parlamentos", diz Rodrigo Patto Sá Motta, autor do livro Asuniversidades e o regime militar. Cabia ao Parlamento eleger os presidentes. Castelo Branco, o primeiro deles, teve os votos de Tan­credo Neves, Ulysses Guimarães e Juscelino Kubitschek. Uma vez eleito, o militar despia-se da farda.

Ao mesmo tempo, o milagre eco­nômico garantia apoio do povo. Elei­tos pelo voto popular, os políticos podiam se filiar a dois partidos: a Arena, ligada aos militares, e o MDB, de oposição. Até 1978, a Arena ocu­pou a maioria das cadeiras no Con­gresso e ganhou todas as eleições para governador, com exceção do Estado da Guanabara em 1971. Só com as crises econômicas, como a provocada pela explosão dos preços do petróleo a partir de 1973, o apoio popular e das lideranças civis à dita­dura se esvaneceu.

4 Qual foi o envolvimento dos americanos com o golpe, a ditadura e a repressão?

Em 1963, o embaixador dos Esta­dos Unidos no Rio, Lincoln Gor­don, apresentou à Casa Branca o "Plano de Contingência 2-61", com quatro possíveis desfechos para a tur­bulência política no Brasil. O mais provável era o golpe militar. O plano redundou na Operação Brother Sam, que enviou uma frota naval liderada pelo porta-aviões Forrestal, para o caso de os militares precisarem de ar­mas e petróleo. O marechal Castelo Branco sabia da operação, que, afinal, mostrou-se desnecessária. O golpe se concretizou antes de o apoio chegar. Os Estados Unidos deram apoio político total aos golpistas. Mas o golpe foi obra de brasileiros, disse o ex-pre­sidente Fernando Henrique Cardoso, numa palestra na semana passada.

As primeiras medidas repressivas do governo militar, como o AI -1, de­sagradaram aos americanos. O embai­xador Lincoln Gordon disse ao minis­tro Costa e Silva que o combate aos subversivos não poderia comprome­ter "a aparência jurídica" do regime. O governo americano, num primeiro momento, também ficou incomoda­do com a escalada de ferocidade do embate entre militares e guerrilheiros.

A atitude mudou depois do assassinato a tiros, em São Paulo, no dia 12 de outubro de 1968, do capitão ame­ricano Charles Chandler, por integrantes da Vanguarda Popular Revolucio­nária. Três meses depois, desembarcou em São Paulo Peter Ellena, subchefe da Agência de Desenvolvimento Interna­cional para o Brasil, para acompanhar as investigações sobre o caso. Ellena já estivera por aqui ensinando técni­cas de combate à subversão. A cola­boração estreitou-se em 1969, quan­do a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e a Dissidência sequestraram o embaixador americano Charles Elbrick. Documentos descobertos pela Comissão da Verdade de São Paulo, no ano passado, mostram que um funcionário do consulado ameri­cano em São Paulo, Claris Halliwell, frequentava o prédio do Departamen­to de Ordem Política e Social, o Dops, para onde eram levados presos políti­cos. No calabouço do Dops, as torturas eram comuns. Pelos registros, Halliwell esteve lá mais de 40 vezes, entre abril de 1971 e novembro de 1973.

Com as denúncias sobre as torturas, o governo americano começou a sofrer pressões para se distanciar da ditadura. "Uma coisa é o Departamento de Es­tado apoiar a ditadura e a tortura no Brasil", diz o historiador Carlos Fico. "Outra coisa é a opinião pública e do Congresso americanos." A divisão co­meçou a aparecer em situações práti­cas. Em 1970, um funcionário da em­baixada americana em Brasília informou a Washington que a tortura vinha sendo substituída por interroga­tórios menos agressivos. Citou o caso de duas presas. Era mentira: ambas haviam sido torturadas. No mesmo ano, o consulado em São Paulo escon­deu de Washington a informação de que o militante Eduardo Leite, o Bacu­ri, da ALN, fora torturado e assassinado. Informou à base a farsa montada pela ditadura: ele morrera numa ten­tativa de fuga. O cônsul-geral no Rio, Clarence Boonstra, no entanto, denun­ciou a farsa. Essas reações ambíguas perduraram até 1977, quando, com a eleição do presidente Jimmy Carter, os EUA passaram a condenar a ditadura.

5 Jango era um incompetente ou um incompreendido?

"Se minha presença no governo for à custa de derramamento de sangue, prefiro me retirar." Assim João Goulart rejeitou o plano de contragolpe militar do general Ladário Neves, comandante do III Exército. Jango teve a nobreza de evitar uma guerra civil em 1964. Para muitos, porém, suas posições dúbias ajudaram a semear o golpe. Para o cunhado e eventual rival Leonel Brizola, Jango "foi a teste­munha passiva de uma luta em seu íntimo entre duas personalidades inconciliáveis, o herdeiro político de Getúlio Vargas e o maior proprietá­rio rural do Brasil".

Com a renúncia de Jânio Quadros em 1961, sete meses após a posse, a Presidência caiu no colo de Jango, vice e adversário de Jânio. Os militares foram contra. Jango aceitou as­sumir com poderes limitados, num regime parlamentarista. "Em segui­da, sabotou o parlamentarismo", diz o historiador Marco Antonio Villa. Um plebiscito popular restabeleceu o presidencialismo. Com pleno poder, mas sem maioria no Congresso, Jango apresentou o Plano Trienal, com cortes de gastos. As centrais sindicais e líderes de esquerda foram contra. Jango implantou o plano apoiado por empresários. Meses depois, o empresariado retirou o apoio, e Jan­go desistiu. "Ele abriu mão de seu plano de governo", diz o historiador Jorge Ferreira. "Restava aprovar a re­forma agrária, mas ele também não conseguiu. Ficou à deriva." O país fechou 1963 com inflação de 78%, crescimento de 1% e racionamento de açúcar e feijão.

Jango tinha duas ofertas de coa­lizão: uma frente moderada, com o PSD, ou uma frente com os partidos de esquerda, liderados por Brizola. Optou pela esquerda. Em 30 de março, discursou no Automóvel Clube de São Paulo: "O egoísmo de muitos ricos, sua cegueira, é um problema muito mais grave que o próprio comunismo". Já estava aceso o estopim do golpe.

6 Os empresários apoiaram a repressão?

Sim. A maior parte do empresa­riado simpatizava com o regime militar por vê-lo como uma reação necessária ao comunismo e ao fortalecimento dos sindicatos. Após 1968, no período de maior cresci­mento econômico, o apoio se con­solidou, e um grupo de empresas ajudou a ditadura a reprimir os opositores. Um caso extremo foi o executivo dinamarquês Henning Boi­lesen. Ele financiou a montagem do sistema de repressão paulista e assis­tia a sessões de tortura. Foi assassina­do em 1971, por militantes de esquer­da. O apoio dos empresários arrefeceu nos anos 1970. "As incertezas com a inflação e o câmbio geraram insatis­fação entre os empresários e desmo­ralizaram a pretensa racionalidade dos governos militares e seus tecno­cratas", diz o economista Plinio de Arruda Sampaio Júnior, da Unicamp.

7 A tortura era obra de grupos radicais ou uma política de Estado?

Desde a ditadura, as versões dos militares sobre os casos de tortu­ras em quartéis de oponentes do regime variaram. Ainda hoje, muitos oficiais da reserva alegam desconhecer que elas tenham ocorrido. Mais recen­temente, alguns militares passaram a admitir que, sim, elas ocorreram, mas numa situação de guerra contra o "ter­rorismo". Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, na semana passa­da, o coronel reformado do Exército Pedro Manhães, de 76 anos, admitiu ter torturado, matado e ocultado cadáveres de presos políticos durante a ditadura. Quando perguntado pelo ex-ministro José Carlos Dias sobre quantas pessoas matara, Manhães respondeu: "Tantas quantas foram necessárias".

No depoimento, Manhães contou também como mutilava cadáveres para dificultar que eles fossem iden­tificados e como recebeu do Centro de Informações do Exército (CIE) uma ordem para ocultar a ossada do ex-deputado Rubens Paiva, que não participava da luta armada e foi tor­turado e morto após ser preso em sua casa no Rio de Janeiro, em 1971.

Não há dúvida, hoje, que o uso da tortura como recurso para combater a "subversão", em nome da "segurança nacional", foi uma política de Estado, aprovada nos mais altos gabinetes de Brasília. Em 1971, o torturador de Pai­va, Antônio Hughes, recebeu a Meda­lha do Pacificador por "serviços pres­tados no combate à subversão". A Escola Superior de Guerra ministrou cursos sobre a doutrina francesa da "Guerra Revolucionária", que empregou amplamente a tortura para com­bater rebeldes da Frente Nacional de Libertação, na Argélia, nos anos 1960. O livro Brasil: nunca mais lista 1.843 pessoas que denunciaram ter sofrido ao menos um dos 6.016 tipos de tortu­ra usados pelos órgãos de repressão. O livro conclui que "no Brasil, de 1964 a 1979, a tortura foi regra, e não exceção".

8 A ditadura brasileira torturou e matou menos que outras?

A ditadura brasileira não foi bran­da, mas matou e torturou menos que as de países vizinhos. Nas es­timativas mais pessimistas, incluindo denúncias por investigar, chega-se a 500 mortos e 20 mil torturados. O Chile torturou cerca de 40 mil. Na Argentina, os militares admitiram o assassinato de 7 mil pessoas e há cálculos de até 30 mil mortos. Ter matado e torturado menos não toma a ditadura brasileira menos cruel. "Tortura é um crise de lesa-hu­manidade. Uma única pessoa torturada é uma ofensa a todas as outras", diz Rose Nogueira, presidente do grupo Tortura Nunca Mais/SP. O alcance menor da tortura, com menos famílias atingi­das, permitiu que ela fosse esquecida por mais gente, mais rápido. Não é à toa que o Brasil demorou mais que a Argentina a criar uma Comissão da Verdade e que, aqui, os responsáveis pela tortura não foram punidos.

9 Onde foram parar os corpos dos guerrilheiros do Araguaia?

Em outubro de 1974, na cidade de Xambioá, um helicóptero de­sembarcou na base do Exército uma moça magra e manca, com a pele marcada por picadas. A estudante Walkíria Afonso Costa era a última militante da Guerrilha do Araguaia capturada. Levava um revólver velho, um pouco de sal e cera. Dias depois, soldados cavaram um buraco. À noi­te, um sargento pôs Walkíria perto da cova e disparou três tiros.

Entre 1972 e 1974, 3.200 militares brasileiros - a maior mobilização do Exército desde a Segunda Guerra Mun­dial - se envolveram no combate aos 69 integrantes da Guerrilha do Araguaia. Desde 1966, militantes do Partido Co­munista do Brasil tentavam implantar um foco guerrilheiro numa área inós­pita de 6.500 quilômetros quadrados ao norte de Goiás (hoje Tocantins) e Pará. Entre abril de 1972 e o começo de 1973, oito guerrilheiros fugiram, se en­tregaram ou foram capturados pelo Exército (entre eles, José Genoino, ex-presidente do PT condenado à prisão no escândalo do mensalão). Foram os únicos sobreviventes. No fim de 1973, a tropa matou todos os que restavam na região. No começo de 1974, já esco­lhido próximo presidente da República, o general Ernesto Geisel perguntou ao tenente-coronel Germando Arnoldi Pedrozo sobre a situação no Araguaia. "Se prosseguir como tem sido executa­da, em mais uns dois ou três meses li­quida-se aquilo lá'; disse Pedrozo.

Nos últimos anos, com a ajuda de ex-presos políticos, o Ministério Público Federal busca localizar os corpos das vítimas e processar os militares envolvidos na repressão. Em 2010, o Brasil foi condenado na corte de Di­reitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) por ainda não ter punido responsáveis pelas atrocidades no Araguaia. Em 2003, a juíza federal Solange Salgado determi­nou que o Estado brasileiro busque e entregue às famílias os corpos. Alguns poucos foram recuperados no cemité­rio de Xambioá e em localidades pró­ximas. A maioria continua perdida.

10 A luta armada começou com o AI-5?

Não. Esse foi um dos mitos cria­dos por uma certa história ofi­cial, ao afirmar que as esquerdas revolucionárias tomaram parte da "resistência democrática" à ditadura. Grupos de esquerda defendiam a luta armada antes mesmo do golpe de 1964. Em 1962, o Movimento Revo­lucionário Tiradentes montou cam­pos de treinamento de guerrilha em Goiás. A primeira grande ação foi o atentado à bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, Pernambuco, em julho de 1966, de responsabilidade da Ação Popular, mais de dois anos antes do AI -5. Segundo a historiadora Denise Rollemberg, os grupos guerri­lheiros não buscavam restaurar a de­mocracia. "Os grupos revolucionários não tinham a intenção de resgatar a ordem institucional derrubada pelo golpe, mas de fazer a revolução", afir­ma. Reprimidas pelo governo militar e sem apoio da sociedade, as organizações armadas brasileiras foram dissolvidas na primeira metade da década de 1970.

11 A economia do Brasil avançou com a ditadura?

A economia avançou em alguns aspectos e criou problemas em outros - mas o saldo é negativo. As medidas adotadas pelo regime mi­litar poderiam ter ocorrido sob gover­nos democráticos. Isso foi reconheci­do em março pelo principal artífice da política econômica no período de maior crescimento - o "Milagre Eco­nômico" -, de 1967 a 1974, o ex-mi­nistro da Fazenda Delfim Netto, em entrevista ao jornal O Globo. Do lado dos avanços, pode-se argumentar que houve incentivo à formação de mais engenheiros e economistas e maior investimento em ciência e tecnologia, incluindo a criação do Programa Na­cional do Álcool e do programa nu­clear. Foram instituídos o Banco Cen­tral e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Roberto Campos, ministro do Planejamento de 1964 a 1967, promoveu avanços no sistema tributário, na liberdade de capitais e no controle do gasto público (todos posteriormente perdidos, infelizmen­te). O investimento em construção, máquinas e equipamentos industriais atingiu um pico. Entre 1968 e 1979, o governo investiu, em média, o equi­valente a 8,3% do PIB, e o setor pri­vado 14,7%, segundo a economista Cristina de Borja Reis. Esses níveis são desejáveis até hoje, mas não se repetiram após o fim da ditadura. Boa parte da infraestrutura existente hoje - a Ponte Rio- Niterói, a usina hidre­létrica de Itaipu e o aeroporto internacional de Guarulhos - foi cons­truída sob os militares.

O custo, porém, foi altíssimo, por­que os governos militares não conseguiram elevar a poupança interna para alimentar os investimentos, problema que persiste. A dívida ex­terna foi multiplicada por 30. Isso tornou o país especialmente vulne­rável às duas crises do petróleo, em 1973 e 1979, e ao aumento de juros nos Estados Unidos. Essa fragilidade contribuiu para prender o país na armadilha da hiperinflação, com o crescimento errático dos anos se­guintes. Sem rede de proteção social, sem planejamento para as áreas mais pobres nem liberdade para os sindicatos, elevaram-se as desigualdades entre as regiões e de renda (ainda hoje, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo). Embora muito se fale do "Milagre Econômico", ele durou apenas seis ou sete anos, num período de 21. O historiador Marcos Napolitano, autor de 1964 - História do regime militar brasilei­ro, identifica três períodos econômi­cos na ditadura: o desapontamento inicial da classe média, logo após o golpe; o excesso de estatismo, após o "Milagre Econômico"; e o descontro­le dos anos 1980. O saldo é conhecido de todos - a década perdida.

12 Jango, JK e Lacerda foram assassinados pela ditadura?

No ano passado, um avião da For­ça Aérea Brasileira transportou de São Borja, no Rio Grande do Sul, a Brasília o esquife com os des­pojos mortais do ex-presidente João Goulart. A pedido da Comissão da Verdade, a Polícia Federal conduz exa­mes para verificar se Jango morreu en­venenado por agentes da ditadura, em dezembro de 1976. Um inquérito pa­recido apura se o acidente de carro que matou Juscelino Kubitschek, em agosto do mesmo ano, na Via Dutra, foi provo­cado. Em maio de 1977, Carlos Lacerda, político que se tornara oponente da di­tadura, morreu após um ataque car­díaco. Foi assassinado? A suspeita foi estimulada porque a morte dos três, num intervalo relativamente breve, coincidiu com execuções de adversá­rios de outras ditaduras do Cone Sul.

A investigação sobre Jango come­çou porque o uruguaio Mario Neira, preso por contrabando, disse que Jan­go fora envenenado por agentes secre­tos a serviço da Operação Condor, um consórcio entre as ditaduras de Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Na versão dele, os agentes trocaram remédios que Jango tomava para o coração. Nem a viúva, Maria Tereza, a princípio, acre­ditou na versão. Jango era um cardiopata grave, que fumava demais e tinha péssimos hábitos alimentares. Sofrera um ataque cardíaco em 1962. No caso de JK, o depoimento do motorista de ônibus envolvido na colisão não sus­tenta a tese de um acidente planejado. Até hoje, não surgiu nenhuma prova de que a ditadura tenha se preocupado em eliminar adversários já batidos. Só teorias da conspiração.

13 Quando a ditadura acabou?

Alguns historiadores localizam o fim da ditadura em 1985, quan­do o presidente João Figueiredo, o último dos militares a ocupar a Presi­dência da República, deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, sem passar a faixa presidencial a José Sar­ney. Outros estudiosos dizem que ela só foi superada com a promulgação da Constituição democrática de 1988. O historiador Daniel Aarão Reis sustenta que o fim da ditadura ocorreu em 1979, com a revogação do Ato Institucional número 5, o mais arbitrário dos ins­trumentos de exceção de que ela dis­punha para governar o país.

A revogação do AI-5 foi resultado do processo conhecido como "disten­são lenta, segura e gradual", iniciado pelo general Ernesto Geisel, presidente entre 1974 e 1979. Um impulso im­portante para a abertura política do regime foi a derrota inesperada da Arena, o partido do governo, nas eleições parlamentares de 1974. O oposicionista MDB ficou com 16 das 22 cadeiras disponíveis no Senado e fez 161 deputados federais.

O estímulo decisivo para Geisel iniciar a abertura política, porém, não foram os primeiros sinais de descon­tentamento popular com a ditadura, mas a anarquia instalada nos quar­téis. Como resultado da repressão aos oponentes do regime, oficiais do Exército tinham angariado o direito de prender, torturar e matar quem quisessem, usando até mesmo cár­ceres clandestinos, sem preocupação com vestígios de legalidade ou a preservação da hierarquia militar. Para acabar com a bagunça e restaurar a autoridade da Presidência, Geisel achava necessário promover o desmonte dos órgãos de repressão. Essa interpretação fica clara na leitura na versão eletrônica do livro A ditadu­ra encurralada" (editora Intrínseca), do jornalista Elio Gaspari. Ela traz uma entrevista com áudio em que Geisel diz que "não foi por espírito democrático" que iniciou a distensão.

A abertura se deu em meio a uma luta interna na caserna e enfrentou a resistência da linha dura. Uma das reações da máquina da repressão foi recrudescer perseguições a quem ti­nha ligação com o Partido Comunista Brasileiro. Em 24 de outubro de 1975, o jornalista V1adimir Herzog foi es­pontaneamente ao DOI-Codi na Rua Tutoia, em São Paulo, prestar esclareci­mentos. Ficou preso e saiu de lá morto. No ano seguinte, o operário Manuel Fiel Filho foi morto em semelhantes circunstâncias. Geisel encarou a rein­cidência como uma afronta pessoal. Três dias depois da morte de Fiel Filho, ele afastou o general Ednardo D'Ávila Mello do comando do II Exército, a que o DOI paulista era subordinado.

Em 1977, depois de uma derrota do governo na reforma do Judiciário, Geisel fechou o Congresso e editou o Pacote de Abril. O pacote de leis transformou em indireta a eleição para governadores estaduais, criou a figura dos senadores biônicos, também eleitos indiretamente, e alterou os pesos dos colégios eleitorais es­taduais na composição da Câmara. Tudo foi feito com a intenção de evitar um novo revés da Arena nas eleições gerais de 1978 e de manter o controle da abertura, enquanto a mobilização social contra a ditadu­ra, pela anistia dos presos políticos e pela volta da democracia aumentava.

Um confronto decisivo entre Gei­sel e a linha dura das Forças Armadas se deu em outubro de 1977. O ministro do Exército, Sylvio Frota, se movimentava para suceder a Geisel, com o apoio dos órgãos de repressão. No feriado de 12 de outubro, Geisel convocou Frota para uma conversa em seu gabinete. Demitido em me­nos de cinco minutos, Frota tentou mobilizar aliados para protagonizar um golpe dentro da ditadura. Não encontrou ninguém em Brasília - to­dos estavam fora da capital, por uma série de manobras de Geisel. Frota perdeu e foi para casa.

Apoiado por Golbery do Couto e Silva, seu ministro-chefe da Casa Civil, Geisel ficou com o caminho aberto para impor o general João Figueiredo como seu sucessor e dar a ditadura por encerrada. Antes de passar a Presidência a Figueiredo, Geisel promulgou o fim do AI-5, aprovado por um Congresso em que as mudanças constitucionais, desde o Pacote de Abril, só precisavam do apoio da maioria absoluta (50% mais um), em.vez de dois terços dos parlamentares. Ainda haveria uma longa transição até a vigência de um estado democrático de direito. Mas a ditadura, como tal, acabou ali.

Um comentário:

  1. A ditadura militar
    A ditadura no Brasil é algo que nunca será mais esquecido, já que foi marcado pela repressão, dificuldade dos trabalhadores, alta inflação, pelas manifestações, torturas, músicas de protesto, dificuldade dos trabalhadores, alta inflação, etc.
    O Brasil, após anos conseguiu se livrar daquele governo opressor com a ajuda do povo, pois com as imposições dos Atos Institucionais, não havia maneira melhor de tentar salvar o país do que se manifestando.
    Além das manifestações feitas nas ruas, reunindo várias pessoas, os cantores e artistas usaram a música para levantar a voz do povo, e assim, afetando os militares consideravelmente.
    Ate hoje o país ainda tem sequelas daquele passado, cicatrizes daquela tortura que passou, por isso os militares nunca serão esquecidos pelos brasileiros.

    Rafael Negreiros 901

    ResponderExcluir