A Teoria do Medalhão nos dias de hoje
Tatiana Serra
Quem abriu as páginas da Gazeta de Notícias naquele dia especial de 1881 teve a oportunidade de conhecer, em primeira mão, o conto Teoria do Medalhão, criado por Machado de Assis. Mais tarde, passou a fazer parte do livro Papéis Avulsos.
No início, o texto lembra um inocente diálogo entre o pai e seu jovem filho, Janjão, que comemorava vinte e um anos de idade. Mas esse seria apenas o pano de fundo para uma análise sobre o comportamento de alguns integrantes da sociedade. O que chama a atenção no conto de Machado é um discurso irônico e fora dos padrões daquela época, repleto de conselhos inescrupulosos sobre como alcançar prestígio em uma sociedade que vive de aparências.
Qualquer semelhança com as atitudes que vemos na sociedade de hoje não é mera coincidência. Por esse motivo é que o conto de Machado continua sempre atual. Até mesmo porque talvez não haja nada tão atual como a valorização do parecer acima doser, além da vontade de “subir fácil na vida”, seja por meio de trapaças, exposição da própria imagem ou tirando proveito de ondas de modismos culturais tidos como medíocres.
A conversa entre os dois se baseia no futuro profissional do filho. O pai começa lembrando que na vida uns são conhecidos (e reconhecidos), enquanto outros (a maioria) são anônimos. E segue ensinando ao filho uma profissão que, acredita ele, seria a melhor delas.
Dizem que todo pai de certa forma quer se realizar um pouco através da sua prole, e com esse personagem de Machado não poderia ser diferente. Ele admite que sempre quis ser um medalhão e tenta convencer o filho de que essa é a chave do sucesso.
O patriarca chegou a citar algumas possibilidades de trabalho a Janjão, mas seu objetivo final era outro. E o que seria um medalhão?, foi o que perguntou o filho e é o que deve perguntar quem ainda não leu esse conto. O pai explicou que se trata de alguém que aparenta ter conhecimento sem tê-lo, e exemplificou sugerindo que, ao ingressar na facudade, o filho não precisaria se preocupar em tirar as melhores notas e sim o suficiente para passar. Porém, depois de formado, deveria desfilar com anel de doutor e frequentar bibliotecas para exibir nas mãos a melhor leitura e, no dedo, a tal joia. Assim, com o tempo, as pessoas acabariam diferenciando-o das demais.
Quanto a ser original e apresentar suas próprias ideias, ele aconselha o rapaz que o ideal é renunciar a isso, porque a intenção de um medalhão não seria “levantar suas próprias bandeiras” e sim “repetir” o que os melhores já disseram e que funcionou. Novamente nos remetemos à nossa realidade e pensamos em tantos que agem assim e em outros que apenas aparentam trazer novas soluções para a sociedade, mas tudo não passa do mesmo discurso com uma nova roupagem.
Outra sugestão do pai foi a substituição da teoria complexa pela prática simples, sempre tirando proveito dos benefícios da publicidade.
Ela (a publicidade) é uma dona loureira e senhoril, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição... Longe de inventar um ‘Tratado científico da criação dos carneiros’, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos.
Assim consegue-se púbico, publicidade e status. Isso é boa parte do que deseja um medalhão.
Em suas últimas frases, o pai diz que o filho pode continuar com seu jeito mais extrovertido, brincando e rindo algumas vezes. Afinal,
medalhão não quer dizer melancólico... Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados. Não. Usa antes a chalaça [dito zombeteiro], a nossa boa chalaça amiga, gorducha, redonda, franca, sem biocos nem véus, que se mete pela cara dos outros, estala como uma palmada, faz pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os suspensórios.
Desse modo, faz-nos concluir que a intenção é deixar as críticas nas “entrelinhas”, de forma mais leve.
Diante de tantos conselhos “duvidosos”, como não trazer a Teoria do Medalhão para os dias de hoje e compará-la às atitudes de algumas “celebridades” e de políticos? Ao ler este texto e, especialmente, ao ler o conto de Machado de Assis, você deve ter lembrado de alguns exemplos de medalhão.
Infelizmente, eu também.
Publicado em 2 de outubro de 2012
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