Testamento de Manuel Bandeira deixa família em segundo plano
Claudio Leal
"Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar."
O testamento de Manuel Bandeira é quase uma continuidade dos versos de "Consoada", em sua intimidade com a morte e no ordenamento simples dos seus pertences. No documento obtido por Terra Magazine, o poeta listou os herdeiros de objetos como as abotoaduras de prata holandesa e a pequena escultura chinesa de Jade, sem descuidar da casa em Teresópolis (RJ), legada a sua companheira no final da vida, Maria de Lourdes Heitor de Souza.
Das heranças mais ternas, "uma lâmpada de salão" e "os pequenos azulejos quadrados holandeses". Cada coisa em seu lugar, num bem refletido ajuste aos destinatários. A família ficou em segundo plano. "Os direitos autorais dos livros de sua autoria, quer de prosa, ou poesia, ou didáticos, caberão a d. Maria de Lourdes de Souza, enquanto viver, e por seu falecimento deverão ser atribuídos aos seus sobrinhos Maurício Inácio de Souza Bandeira e Helena Bandeira Cardoso", estabeleceu Bandeira.
Nos bens restantes, uma concessão familiar: "excetuados os legados antes enumerados, tudo o mais que se encontrar no meu apartamento, assim como o dinheiro que fica em conta corrente bancária, caberá a sua cunhada Manoelita de Souza Bandeira". O poeta registrou o testamento em 17 de outubro de 1967, alterando uma versão anterior, no Oitavo Ofício de Notas, Centro do Rio de Janeiro. Morreria um ano depois.
Leia o principal trecho do testamento.
"Saibam quantos este público virem que no ano do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil novecentos e sessenta e sete, aos 17 dias do mês de outubro, nesta cidade do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, República dos Estados Unidos do Brasil, em meu Cartório, perante mim, José de Queiroz Lima, Tabelião do Oitavo Ofício de Notas, se apresentou MANUEL CARNEIRO DE SOUZA BANDEIRA residente nesta cidade na avenida Beira Mar número 406, apartamento 806, doente mas de pé e no goso perfeito de suas faculdades mentais, do que dou fé, conhecimento como o próprio de mim, Tabelião, e das cinco testemunhas abaixo nomeadas e declaradas, que também são minhas conhecidas, do que igualmente, dou fé. E logo na presença das mesmas testemunhas por ele testador me foi dito: que é brasileiro, natural da cidade de Recife, capital do Estado de Pernambuco, onde nasceu em 19 de abril de 1886; Que são seus pais o doutor MANUEL CARNEIRO DE SOUZA BANDEIRA, engenheiro civil, e dona FRANCELINA RIBEIRO DE SOUZA BANDEIRA, ambos falecidos; que é solteiro e não tem descendentes; Que, livre para testar, faz dos seus bens, haveres e direitos os seguintes legados: 1) deixa para a Academia Brasileira de Letras a sua biblioteca, a sua secretaria e uma cabeça dele testador, em bronse, e ainda a aquarela do pintor pernambucano Eurico Xavier, representando a rua da União na cidade do Recife; deixa a sua amiga MARIA DE LOURDES DE SOUZA, que também já se assinou MARIA DE LOURDES HEITOR DE SOUZA, a casa de propriedade dele testador sita na cidade de Teresópolis, Estado do Rio de Janeiro, na Rua Coronel Santiago, nº 240, com todos os móveis, utensílios e objetos de arte, que estiverem postas a dentro da referida residência de verão; sendo dito legado em plena propriedade; que para a mesma legatária MARIA DE LOURDES DE SOUZA, ou Maria de Lourdes Heitor de Souza, ficam também um aparelho de ar condicionado, um quadro de marinha assinado por Pancetti, uma lâmpada de salão; disse ainda que os direitos autorais dos livros de sua autoria, quer de prosa, ou poesia, ou didáticos, caberão a d. MARIA DE LOURDES DE SOUZA, enquanto viver, e por seu falecimento deverão ser atribuídos aos seus sobrinhos MAURICIO INACIO DE SOUZA BANDEIRA E HELENA BANDEIRA CARDOSO; que deixa ao seu afilhado JOHON TALBOT DERHAM as suas abotoaduras de prata holandesa e ao irmão do seu afilhado ANTHONY ROBERT DERHAM a pequena escultura chinesa de Jade; para Sacha, filha de Guita Derham, a pintura de Joanita representando flores e os pequenos azulejos quadrados holandeses; para GUITA e JOANITA os pratos de de azujelo holandês antigo, a pintura de Joanita representando sua mãe, e os vários objetos em cobre e estanho tinteiros, cinzeiros, lâmpadas e ainda a gravura holandesa e a gravura inglesa. Para MARIA AUGUSTA COSTA RIBEIRO E SUA IRMÃ ROSALINA LEÃO as duas aquarelas assunadas Tita Leão e as imagens de S. Antonio e S. Sebastião; e ainda o pequeno oratório antigo; para Vera Melo Franco de Andrade a imagem de Santa Rita; excetuados os legados antes enumerados, tudo o mais que se encontrar no meu apartamento, assim como o dinheiro que fica em conta corrente bancária, caberá a sua cunhada MANOELITA DE SOUZA BANDEIRA; que, pelo presente revoga testamento cerrado aprovado em 20 de maio de 1966, nestas Notas, para que apenas prevaleça na sua sucessão este instrumento público; que, finalmente nomeia testamenteiro a seu amigo HOMERO ICAGA SANCHEZ, advogado, atualmente com escritório à rua da Alfândega 98, 4º andar, a quem dá, desde já, por abonado em juiso e fora dele, independente de fiança ou caução. Por esta forma tem ele testador concluído o seu testamento que o dá por bom, firme e valioso, feito sem coação, constrangimento ou indusimento visto ser a sua legítima e expontânea vontade a que acabou de expressar. (...)"
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