Num tempo em que a moda é olhar apenas para si mesmo, novos estudos defendem a importância de deixar o narcisismo de lado
O que você faria se tivesse nas mãos uma máquina capaz de fazer milhões de cálculos por segundo e conectar-se a qualquer pessoa do planeta? Se perguntássemos isso a alguém no passado, talvez encontrássemos uma resposta útil. Hoje em dia, a reação mais natural parece ser apontar a máquina para o próprio rosto e buscar o melhor ângulo para tirar uma foto, um selfie. Pode ser numa festa, parque, restaurante ou jogo da Copa do Mundo. A obsessão é tamanha que chega a causar acidentes graves. Há dois meses, a americana Courtney Sanford, de 32 anos, bateu seu carro e morreu logo depois de publicar um selfie no Facebook. Ao que tudo indica, ela perdeu o controle do carro enquanto se distraía no celular. A moda é olhar para si o tempo todo, em qualquer situação. Tudo é digno de registro e, claro, de compartilhamento.
Esse comportamento egocêntrico nas redes sociais transborda para a vida real. “Colocamos nossa felicidade e nossos desejos num pedestal e nos esquecemos de pensar nos outros”, afirma o filósofo Roman Krznaric em seu livro Empathy (Empatia), recém-lançado no Reino Unido. Krznaric é um dos autores que chamam a atenção para a importância de desenvolvermos sentimentos como empatia e solidariedade nesta época individualista em que vivemos. Ele não é o único. Em Survival of the nicest (Sobrevivência dos bonzinhos), recém-lançado nos Estados Unidos, o escritor alemão Stefan Klein defende que características como capacidade de cooperação e gentileza são boas para nossa própria felicidade, para a saúde e até para a economia.
As ideias de Klein questionam alguns conceitos defendidos por pensadores como o biólogo britânico Richard Dawkins. Em O gene egoísta, Dawkins argumenta que o objetivo máximo dos seres vivos é propagar seus genes. Isso explica, para Dawkins, a competição entre as espécies e os comportamentos egoístas. As ideias de Klein se aproximam mais do biólogo E.O. Wilson. Ele afirma que a evolução beneficia animais (e homens) que sabem viver em comunidade. Segundo Wilson, se hoje estamos todos vivos, devemos isso em grande parte ao altruísmo e à cooperação. Durante o processo evolutivo, as sociedades primitivas perceberam que nem sempre colocar as próprias vontades e necessidades em primeiro lugar era o mais aconselhável. Para sobreviver em meio a uma natureza inóspita e aumentar as chances de reprodução da espécie, os homens precisaram cooperar uns com os outros, mesmo com quem estivesse fora do círculo familiar. “Nossos ancestrais tinham mais chances de sobreviver se estivessem dispostos a ajudar uns aos outros”, diz a psicóloga Elizabeth Dunn, da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá.
Colaborar com o vizinho não é mais uma necessidade de vida ou morte. Ainda assim, vale a pena ser generoso. Boas ações estimulam as mesmas partes do cérebro que nos dão sensação de prazer quando comemos chocolate. Dunn conduziu um experimento em que, de manhã, cada um dos participantes recebia envelopes com notas de US$ 5 ou US$ 20. Divididos em dois grupos, o primeiro foi instruído a gastar aqueles dólares a mais consigo mesmo. O segundo grupo deveria gastar o dinheiro recebido de maneira mais generosa, comprando um presente para um amigo ou doando para a caridade. Os participantes tinham de gastar todo o dinheiro até o fim do dia. O grupo que doou o dinheiro para caridade ou presenteou um amigo se sentia melhor e mais bem-humorado do que quem usou o dinheiro para seu benefício individual. O altruísmo, quem diria, pode nos trazer mais felicidade do que as poucas curtidas que ganhamos ao postar um selfie.
Estudos mostram que os mais solidários também vivem mais. Pesquisadores da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha, e da Universidade de Montreal, no Canadá, encontraram evidências de que o altruísmo e a boa convivência podem ter um impacto considerável na expectativa de vida. Durante seis anos, 1.174 idosos da cidade de Leganés, nos arredores de Madri, foram acompanhados pelos pesquisadores. Além de informações sobre a saúde de cada um, também foram analisadas as relações sociais que os idosos mantinham, o contato e a ajuda que recebiam de suas famílias e a colaboração com os outros moradores, também de idade já avançada. Passados os seis anos, os pesquisadores constataram que a maioria dos idosos que continuavam vivos eram aqueles que se mostravam mais dispostos a ajudar seus vizinhos no cuidado dos netos ou nas compras do supermercado. Independentemente de seu estado de saúde no início da pesquisa, os mais generosos viveram mais.
À exceção de alguns casos de psicopatia ou em alguns tipos de autismo, todos somos capazes de nos preocupar com os outros. A explicação para isso são as relações e os valores que construímos durante nossa criação. Eles são decisivos para determinar o grau de importância que damos aos outros. “Quem constrói fortes vínculos afetivos durante a infância e a adolescência, seja com familiares ou amigos, tende a ser mais altruísta”, afirma Denise Diniz, psicóloga coordenadora do núcleo de qualidade de vida da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para os que não deram a sorte de desenvolver essa capacidade pelo caminho, ela pode ser aprendida. Uma dessas características é saber ouvir. Para Krznaric, essa é uma qualidade em extinção. Em seu livro, ele afirma que, com as novas tecnologias, o diálogo ficou em segundo plano. “As pessoas conversam pouco e sobre assuntos superficiais”, diz. Para desenvolver a empatia, é preciso ouvir os outros com atenção e interesse genuíno, sem interrupções e sem querer ser o centro das atenções durante a conversa. Ter interesse por realidades distintas das nossas também é uma qualidade comum entre os empáticos. Essas pessoas fazem questão de conhecer novas culturas e universos – seja viajando, seja se colocando em situações que não fazem parte de seu cotidiano.
Até as redes sociais podem contribuir para um mundo em que o altruísmo é recompensado. “Se estivermos conectados, consigo saber muito melhor se você é alguém em quem posso confiar e se é uma boa ideia cooperar e dividir meus recursos com você”, diz Klein. Adam Grant, professor da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e autor de Dar e receber, recomenda tomar cuidado com quem costuma publicar fotos em poses grandiosas e confiantes, citações eruditas que beiram a arrogância, alardear suas conquistas pessoais ou usar o Facebook para se conectar com as pessoas certas.
Em alguns casos, uma troca de mensagens com aquele amigo em comum já é suficiente para conhecer seu verdadeiro “perfil”. É melhor pensar duas vezes antes de publicar uma citação daquele autor que você nem sequer leu ou cujo nome nem sabe pronunciar: ela pode lhe custar um favor. Por meio da repercussão de nossos posts no Facebook, das fotos que compartilhamos no Instagram e do que falamos no Twitter, os outros podem concluir que tipo de pessoa somos: se somos generosos ou egoístas, se colocamos nossos desejos em primeiro lugar ou se nos dedicamos aos outros. Com base nas informações disponíveis em nossos perfis das redes sociais, os outros decidirão se vale a pena ou não cooperar conosco. Num mundo tão interdependente como o nosso, estar disposto a ser generoso é o primeiro passo para receber algo em troca.
Aguçar a própria empatia é um caminho para tornar-se mais zeloso com o próximo e com o planeta. É inegável que uma das grandes vantagens de ser altruísta são os benefícios pessoais que isso nos traz. Quando nos importamos com os outros, ficamos mais felizes, vivemos mais e, de quebra, temos grandes chances de receber algo em troca. Será que fazer o bem pensando no próprio benefício é válido? Klein não vê nenhum problema nesse altruísmo pragmático. “Egoísmo inteligente é ter uma visão ampla e reconhecer que nosso próprio interesse individual, a longo prazo, depende do bem-estar de todos”, diz ele. Um ditado budista diz que “ter um egoísmo inteligente significa ter compaixão”. Na era do selfie, esse velho adágio está mais atual que nunca.
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