sábado, 7 de março de 2015

Crônica do Dia - Multiplicação de doses - Flávia Oliveira

Acesso fácil e tolerância social alimentam consumo de álcool por jovens. Eles já não saem (de casa) para beber; bebem para sair


Não é de hoje que o consumo exagerado de bebidas alcoólicas por adolescentes e jovens brasileiros preocupa. No carnaval passado, multiplicaram-se comentários na internet sobre meninos e meninas que vagavam embriagados pelas ruas do Centro e da Zona Sul do Rio, ao fim dos cortejos dos blocos. A garotada bebe a ponto de não se lembrar o que fez ou por onde passou. Entorna de um tudo: da cerveja patrocinadora vendida aos hectolitros nos roteiros da folia à vodca malocada em mochilas; do mix de energético com destilados aos sucolés etílicos, invenção da vez. E suaviza os efeitos do álcool dando às bebidas apelidos jocosos, até carinhosos. Em Salvador (BA), a lata miúda de cerveja é chamada periguete e o drinque de vodca, rosca (abreviação de caipirosca). País afora, a cerveja popularizou-se como Danone (na origem, marca de iogurte), na esteira dos posts do ex-jogador de futebol Aloísio Chulapa numa rede social.

O acesso fácil e a tolerância social alimentam o consumo sem cautela. Nesse quadro, a morte do estudante Humberto Moura Fonseca numa gincana alcoólica, em Bauru (SP), era tragédia anunciada. Em estudo publicado em 2007, o Ministério da Saúde já alertava para o hábito de beber em binge pelos adolescentes brasileiros. O termo define o consumo de, ao menos, quatro doses de álcool (no caso das moças) ou cinco (dos rapazes) numa mesma ocasião. Na faixa etária dos 14 aos 17 anos, 21% dos garotos e 12% das meninas já tinham bebido em binge. Do total, três em cada dez se embriagavam duas vezes ou mais por mês.

A cada geração, o consumo de álcool pelos jovens só faz crescer. E o hábito começa cada vez mais cedo. Nos anos 1960, a idade média de início da ingestão de bebidas alcoólicas era de 17 anos. Na virada deste século, já estava em 14. Em 2005, mais da metade (54%) dos adolescentes brasileiros, de 12 a 17 anos, já tinha bebido. Na faixa de 18 a 24, três em quatro (73%), informava o 2º Levantamento Domiciliar Sobre Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil.

Na pesquisa do Ministério da Saúde, os adolescentes declararam que bebiam predominantemente cerveja (52%). Na sequência, apareciam vinho (35%), destilados (7%) e ices (6%). Nos últimos anos, as bebidas “saborizadas” vêm se massificando. A produção em escala e a substituição das embalagens de vidro pelas de plástico tornaram-nas mais baratas.

O preço menor é mais um incentivo ao consumo pelos jovens. Nos 12 meses acumulados até janeiro de 2015, o IBGE apurou aumento de 10,75% no preço da cerveja no país, bem acima dos 7,14% do IPCA, índice da meta de inflação. As demais bebidas alcoólicas subiram 7,56%, menos que a cerveja. E tomem drinques.

As festas open bar, com ingresso a preço fixo e quantidade ilimitada de bebidas, igualmente estimulam o consumo. Mas adolescentes e jovens bebem muito em celebrações universitárias, festas de formatura e de debutantes. E dentro de casa, em eventos de família ou reuniões antes das saídas noturnas, com o consentimento dos pais.

Houve um tempo em que a regra para os mais novos era sair de casa para beber. Hoje, na esteira da liberalização dos costumes e do orçamento apertado da juventude, meninos e meninas bebem para sair. Ganham as ruas já calibrados e completam o porre nas casas noturnas. Não fosse a Lei Seca, grandes cidades estariam assombradas também pela escalada de mortes e ferimentos de moços em acidentes de trânsito.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/multiplicacao-de-doses-15495071#ixzz3TkKZSOiG

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